Desejo a todos os leitores um 2010 bem produtivo em todas as suas estâncias.
Dica de Música: O hino pop do 2009, mostrando o poder midiático de Beyoncé (e sua legião de produtores) “Single ladies” (Beyoncé)
"Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte." Goethe não imortalizou essa máxima à toa. Sua teoria fundamenta a minha prática nesse blog que se propõe a discutir a arte em todas as suas vertentes: pois seja na cultura de massa, seja na linha da erudição, toda a forma de expressão artística vale a pena. O cinema que o diga...
Acaba de sair o trailer do novo e segundo filme baseado na saudosa série “Sex and the city”. Eu sei que muitos torcem o nariz para a produção da HBO, que acabou em 2004, argumentando que se trata de um mosaico bem produzido de futilidades contemporâneas. Se for se levar pela cosmética imagética da coisa, sem um aprofundamento, parece mesmo. Eu tinha essa impressão até me propor a assistir ao Box das seis temporadas e atesto: é uma das melhores coisas já feitas na TV americana. Tem sim uma preocupação quase excessiva com a cosmética das histórias, afinal, é uma série que superficialmente fala do universo de mulheres (ricas) nova-iorquinas, mas o bacana é que o inteligente roteiro delineia uma radiografia perene das relações atuais (Que Karl Marx não me ouça!). Para mulheres, a identificação é certa (pulverizada nos arquétipos das quatro personagens principais) e para os homens (de qualquer gênero, juro!), é um interessante meio de compreendê-las.
O primeiro filme saciou a espera de seus fãs mais fiéis, mas caiu no previsível erro de não se desprender de sua natureza televisiva. Agora, espero que esta aresta seja aparada, pois a matéria prima pode render algumas boas continuações. O trailer diz pouco sobre a trama, mas dá um panorama do que é a série: por trás de muito barulho tem sim sua consistência relevante. Seria Carrie Bradshaw a nova Audrey Hepburn???
Dica de Música: “Beautiful Day” (U2)
Existe vida inteligente no cinema brasileiro. E quando afirmo é pelo fato de que há uma predominância entre dois extremos recorrentes nas produções nacionais: os medíocres ou os que seguem fórmulas, ainda que este último por vezes consiga romper o estigma demeritório. O filmaço “É proibido fumar”, segundo filme da cineasta Anna Muylaert, consegue manter-se a parte desses paradigmas pela dignidade com que sua trama é levada a tela. O filme fala de personagens que estão a margem e confronta justamente essa condição com seus próprios universos e é daí que parte o grande valor do belo roteiro da própria diretora. Baby, personagem de Glória Pires, é uma professora de violão, romântica e solitária, que deseja viver uma grande paixão. Coma mudança de Max (Paulo Miklos), um músico de bar recém separado, para o apartamento ao lado, Baby vê a chance de realizar seu sonho. Para conquistá-lo, ela faz um grande sacrifício e abandona seu antigo companheiro, o cigarro.
Muylaert dimensiona os conflitos internos e externos de seus personagens com economia, deixando que falem sobre si sem tornar seu discurso didático ou tendencioso. O intimismo é preponderante para que nos identifiquemos com os personagens, sem juízos de valor pré-estabelecidos. Esse resultado é conseguido graças ao tom observador que a diretora joga sobre sua história, daí, assim como os símbolos metafóricos que filme nos joga, parece que estamos olhando para aquele casal pelo buraco de um olho mágico de uma porta caseira. Mais uma vez a atriz Glória Pires entrega uma atuação muito inteligente e orgânica, provando sua versatilidade em qualquer universo audiovisual. Numa das cenas mais arrepiantes do filme, a personagem, transtornada por saber que está sendo traída, quebra sua longa abstinência do tabaco, com um grito de “foda-se” tão verdadeiro, que o público sente a mesma sensação de alívio e desespero da tela. É um trabalho de mestre de uma atriz tão talentosa como Glória. Miklos, que cada vez mais tem atuado em bons filmes como “O invasor” de Beto Brant, também é muito bom e consegue uma química interessante com a atriz.
“É proibido fumar” é um filme pequeno em estrutura e distribuição (uma grande pena!) mas gigante no panorama artístico de nosso cinema. Diria que é um dos melhores filmes que já vi, seja pelo enfoque desmitificado de uma classe média tão característica de nosso país, seja pelo fato de levar a sério sua condição de Cinema, em uma seara tão complicada. Isso porque é apenas o segundo filme de Muylaert, então, que venham os próximos.
Dica de Música: “Taj Mahal” (Jorge Benjor)
Estreou a pouco tempo na Fox, uma série muito bacana que tem feito barulho no EUA: “Glee”. Assisti ao primeiro episódio e gostei do que vi. Não há nada de novo, a série retrata uma típica escola americana, onde um professor tenta reerguer o antigo coral do lugar. A coisa soaria apenas como mais um exemplar do “High School Musical” mas o diferencial está na mente criativa (e, de certa forma cruel) de Ryan Murphy, criador da maravilhosa série “Nip Tuck”, que debocha com o universo das cirurgias estéticas. Murphy usa o clichê “escolar” americano para da voz aos excluídos, uma vez que a série é estrelada por um grupo bem inusitado, ou de “losers” como são chamados na terra do Tio Sam: Um professor latino, um jovem gay bem resolvido, uma negra obesa, um deficiente físico... e por aí vai. Mas o que vem chamado a atenção do público (e rendendo muitos dólares) são os musicais que usam vários ícones da música pop, desde Beyonce (como o vídeo hilário abaixo, de “Single ladies” dançados pelo time de futebol americano da escola) até o grupo Queen, em adaptações com novos arranjos. A música "Don't Stop Believing", da banda Journey, tema do primeiro episódio piloto, interpretada pelo elenco chegou ao primeiro lugar em downloads no iTunes.
A graça é justamente na proposta da relativização da imperfeição num país de natureza tão republicana. E isso, em tempos de Obama, é quase uma necessidade cívica...
Dica de Música: "Ego" (Beyonce)
Depois de muita expectativa fabricada – uma tendência viral em termos de divulgação cinematográfica – eis que assisto “Besouro”, produção com pretensões Hollywoodianas e temática até bem sacada para a seara usual do cinema brasileiro. Besouro (Ailton Carmo) foi o maior capoeirista de todos os tempos. Um menino que - ao se identificar com o inseto que ao voar desafia as leis da física - desafia ele mesmo as leis do preconceito e da opressão. A sinopse aponta a base principal do filme que, se tecnicamente se impõe, no restante é uma grande decepção. A principal fraqueza da produção é a falta de dramaturgia de sua história, onde não só os personagens, mas as situações são inteiramente unidimensionais. O roteiro se pretende engenhoso, mas revela-se incomodamente complicado e não chega a lugar algum – com grande número de cenas banais. Fazer um filme falando sobre o sincretismo das religiões africanas é uma boa idéia, principalmente pelo material bruto que isso venha a render, mas o filme parece encantado demais com sua própria técnica e seus efeitos internacionais, deixando a trama em segundo plano.
Vale ressaltar que não só as lutas são bem feitas (auxiliadas pelo mesmo coreógrafo chinês que trabalhou em “O tigre e o dragão” e “Kill Bill”), como toda a direção de arte e fotografia são de primeira, com uma qualidade inquestionável.
O estreante João Daniel Tikhomiroff, que dirige o filme, teve até boa intenção ao deslocar o cinema brasileiro para caminhos novos, mas esqueceu que, todo bom filme precisa muito mais do que efeitos especiais mirabolantes e sim uma boa história bem contada. E mais uma vez nosso cinema tropeça no eterno vale das intenções mal ou não realizadas...
Dica de Música: "Canto de Ossanha" (Vinícius de Moraes)
Assisti ao novo trailer do esperado filme "Lula, o filho do Brasil", cinebiografia de nosso presidente da República. Por razões óbvias, o filme vem sendo muito aguardado e pude ver o quanto, ao ver uma cena interessante: estava no cinema para assistir "Salve Geral", quando passou esse trailer. Eu sou um aficcionado por trailers (isso acaba sempre me rendendo muita dor-de-cabeça com minhas companhias), mas sei que a grande maioria do público nem se importa tanto, aproveitando esse momento para procurar o melhor lugar, ir ao banheiro e afins. Pois bem, na hora que entrou o trailer do filme do Lula, o cinema ficou parado. Não se ouvia um comentário. Impressionante. Ao final, umas espectadoras, (juro) emocionadas, aplaudiram. Um simples trailer! Daí nota-se a força carismática do Presidente influindo até no cinema. Particularmente, sou um entusiasta da figura política de Lula. Não é uma admiração cega, mas simpatizo com seu governo imperfeito (não cabe aqui uma discussão maior sobre o tema). Pelo trailer dá para sentir que o filme será um épico, em tom fabular, com vestígios dramáticos a la “Dois filhos de Francisco”. O diretor, Fabio Barreto, não tem um bom currículo (alguém conseguiu gostar dos horrorosos “Bella Donna” e “A Paixão de Jacobina” ?) e até hoje me pergunto como “O quatrilho” foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Não que seja ruim, mas não digno de Oscar... Enfim, apesar de tudo, sempre prefiro acreditar que irei me surpreender diante de um novo trabalho (como me surpreendi esse ano com Ron Howard, depois de mais de 20 anos de filmes ruins!) e confesso que o trailer me agradou muito (ajudado pelo talento irrepreensível da Glória Pires, que atua no filme como mãe e primeira esposa do ex-metalúrgico). O filme só estréia em janeiro, mas pelo visto, seu poder de fogo está sendo testado e aprovado desde agora.
Dica de Música: "Admirável gado novo" (Ze Ramalho)
Já há algum tempo saiu o primeiro trailer da versão de Tim Burton para o clássico “Alice no país das maravilhas”. Para quem é fã da obra de Burton (no meu caso, uma paixão infantil com a obra-prima “Edward Mãos-de-tesoura”) já imagina a visão cruelmente lisérgica que o cineasta costuma extrair de seus filmes. Sua adaptação de “A fantástica fábrica de chocolate” se notabilizou por verter uma fábula infantil em alegoria (e põe alegoria nisso) da perversidade humana. A exceção de “Planeta dos macacos”. 2001, sua filmografia mostra-se eficiente em ilustrar com tintas fortes (e, por vezes, macabras) seus discursos travestidos de fantasias lúdicas. Em seu último filme, o elogiado “Sweeney Todd” isso foi muito levado a sério. Agora, com a conhecida história de “Alice”, que suscita discussões em todas as recentes gerações, espera-se que Burton comprove, mais uma vez, que sua noção de idílico é muito mais complexa do que pensamos. Jhonny Depp, que é seu ator-assinatura, marcará presença como o excêntrico Chapeleiro louco. Está montado o circo para mais um espetáculo (não só) visual, que nos ganha, pela suntuosidade e pela reflexão que provoca.
Dica de Música: "A Man and A Woman" (U2)