quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Escala da razão

Depois de muita badalação em cima de seu último filme, o espirituoso “Juno”, o diretor americano Jason Reitman brilha mais uma vez com seu novo longa (o terceiro), configurando assim o seu nome como um dos mais prestigiados de Hollywood. Creio que um prestígio mais admirável que o conseguido por ser pai Ivan Reitman, diretor de comédias como “Os caça fantasmas” na década de 80.

“Amor sem escalas” mostra a vida de Ryan Bingha, um consultor que tem a tarefa de demitir funcionários para cortar os gastos de empresasa. Quando não está no trabalho, gosta de passar o tempo em quartos de hotéis e cabines de voos. Com uma carta de demissão na mesa de seu chefe, Bingham tem dois projetos de vida: acumular um milhão de pontos em milhas aéreas e arranjar um emprego numa misteriosa agência. Ryan é desprovido de qualquer vínculo afetivo, seja material, sentimental ou emocional e encontra nas muitas viagens que faz para demitir executivos, uma justificação para esse total desapego. Mas não tem como se discutir ou abordar um assunto sem confrontá-lo. É aí que entra a vulnerabilidade humana e o filme encontra sua alma. A ironia dos termos é estabelecida na luminosa interpretação de Vera Farmiga, como a executiva Alex Goran, que dilui todo sentimento cartesiano de Ryan – George Clooney em seu misto de classicismo e carisma – em exercício de autoconhecimento.

Os diálogos inteligentes e a elegante direção, tão fortes nos trabalhos de Reitman (filho), estão presentes, assim como a excelente química de Clooney com a personagem que ele dá vida, conferindo credibilidade a inusitada perspectiva que o protagonista alimenta no filme. Baseado no livro de Walter Kim, o roteiro escrito por Sheldon Turner e pelo diretor Jason Reitman dá uma imperdoável derrapada perto do fim, quando se entrega a um dos mais batidos clichês de filmes americanos – que prefiro nem descrever - mas dá a volta por cima impondo um desfecho realista e coerente à seus próprios paradigmas.

Não é um filme memorável, nem a grande barbada do Oscar, mas a sensação agradável que se dá ao fim do filme – com sua metáfora “aérea”, justifica o hype que vem conquistando por aí...

Dica de Música: “Pelo avesso” (Titãs)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

(R)evolução carnavalesca


Apesar de ser um legítimo representante da fauna carioca, não sou um grande entusiasta do carnaval. Durante toda a minha infância eu mal sabia o que eram os desfiles, uma vez que sempre viajava para um mesmo local (um sítio enorme, com árvores frutíferas e sem televisão). Nos últimos anos, passei a prestar mais atenção aos desfiles por uma única razão: Paulo Barros. Todos sabem que eu adoro um espetáculo e, quando em 2004 eu vi aquele carro genial do DNA humano, num desfile da Unidos da Tijuca, eu pirei. E vi que o carnaval poderia ir além daqueles desfiles tradicionais onde a grande novidade era o conjunto de plumas e neons e suas diferentes colorações. Não sou da geração do revolucionário Joãozinho Trinta (que realmente fez desfiles bem interessantes), então minha única boa referência carnavalesca era a evolução high tech de Renato Lage, na Mocidade, na década de 90 (aliás, gosto muito da Escola e até hoje não sei por quê). Os carnavais de Lage fugiam da enfadonha arquitetura clássica que recheavam quase todas as Escolas até então. Daí surgiram desfiles mais provocadores (como o desfile sobre campanhas de doações, bacana à beça) e menos formais (já que a frieza estética de Rosa Magalhães, na Imperatriz e da comissão luxuosa da Beija Flor davam a tônica do lugar).
Eis que surge Paulo Barros propondo um trabalho mais libertário e extremamente criativo. Das alegorias humanas até a inversão da lógica estrutural de seus desfiles, que desafiam não só o expectador, mas os jurados e seus conceitos de julgamento crítico. Tanto que por muito tempo foi injustamente incompreendido e chegou a ser demitido após sua (polêmica) passagem pela Viradouro, em 2008.
Esse ano foi o ano da virada, já que Barros foi campeão com o enredo “É segredo!”, voltando à Escola “Unidos da Tijuca”, onde havia surgido para o mundo. Pessoalmente nem considero esse o seu melhor trabalho (o desfile de 2005 “Entrou pelo lado saiu pelo outro... Quem quizer que invente outro” - que está no vídeo acima - foi irretocável); apesar de uma das melhores comissões de frente da história do carnaval (acabando com a hegemonia da Imperatriz no quesito) e do alto nível de seus três primeiros carros (a alegoria do Incêndio e a dos Jardins da Babilônia arrepiaram de tão bem boladas), o conjunto do enredo tem lá suas falhas. Mas mereceu sim o título, principalmente pela capacidade de impressionar, o que nenhuma escola conseguiu.
O que mais entusiasma é que a capacidade de criatividade de Paulo Barros parece não ter limites, o que promete muita expectativa para os desfiles dos próximos anos. Eu, mesmo em viagem, fiquei em frente a Tv para ver qual a “loucura” da dez do carnavalesco. E, mesmo sendo inferior aos outros desfiles dele mesmo, fiquei bem satisfeito com o que vi.
Paulo Barros merece o meu respeito e o espaço aqui por mostrar inconformismo diante daquilo que ele entende como arte e fazer com que não perdemos o entusiasmo de assistir
a um desfile de carnaval. Até para os reincidentes como eu...

Dica de Música: “Fazenda” (Milton Nascimento)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O que que a Suécia tem ?

A minha paixão pelo cinema não se limita a origem geográfica e isso contribui muito para que eu tenha o mínimo possível de preconceitos na hora de dedicar meu precioso tempo diante de um filme (se bem que eu acabo vendo de tudo...). Por isso que – diferente da maioria da “categoria” - não sou um crítico ferrenho do rolo compressor que o cinema americano é, em penetração mundial. Assim também como adoro embreiar-me pela cinematografia, muitas vezes desconhecida, dos diversos países do globo. Foi assim que descobri o painel de contenções humanas do cinema iraniano, a urgência do cinema coreano etc, etc... Tudo isso para dizer que assisti o insensado filme sueco “Deixe ela entrar”, de Tomas Alfredson, reafirmando o prazer que é mergulhar na pluralidade regional da sétima arte. E se o novo cinema sueco for do nível deste, creio estar perdendo muito coisa boa.
“Deixe ela entrar” conta a história de Oskar, um menino de 12 anos, ansioso e frágil, constantemente provocado pelos colegas de classe. Com a chegada de Eli, que ele descobre depois ser uma vampira, sua vida sofre uma reviravolta um tanto precoce. Essa é uma síntese bem superficial desta história que, na verdade, procura relativizar os extremos da humanidade e da perversidade confrontando os antigos arquétipos do gênero “vampírico”. Aliás, para àqueles que se entusiasmaram com o fenômeno “Crepúsculo” e suas desinências, sugiro que assista a esse filme com muita atenção para ver o quanto substancial um tema como este pode ser quando levado à sério.
Contando com uma fotografia arrebatadora (quase uma personagem do longa), o trabalho de direção do filme procura o tempo inteiro instigar a ambiguidade dos seres e coisas para criar uma assimilação conflituosa com os arquétipos da trama. Seja pela dor no olhar da menina vampira quando ataca uma vítima, seja pelo sorrivo sutil do menino ao vingar-se de um opressor, seja pelo uso estético da neve em cenas-chave na história.
De forma geral, o filme fala sobre inocência, ou a perda ou ganho dela. E o mais interessante é que o diretor Alfredson faz uma abordagem mesclando o naturalismo etéreo com o lirismo fantasioso, num equilíbrio fundamental para o êxito final de seu filme. Prestem atenção numa das últimas cenas, que acontece numa piscina olímpica, que é uma obra-prima de tão genial.




Dica de Música: “Sinkin' Soon” (Norah Jones)

Lendo lábios...

Conheço muitas pessoas que ainda tem certo preconceito com literatura nacional. Uma pena, num cenário onde temos Rubem Fonseca e Clarice Linspector. Entendo que existam lá diferenças, mas é tolice não identificar universalidade em nossa literatura. Acabei de ler “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios” do grande Marçal Aquino e vi que, mais do que universal somos atemporais na investigação humana pelas páginas dos livros.
Já conhecia alguma coisa de Aquino, mas foi o primeiro romance que li dele. O que mais me impressiona em sua escrita é a habilidade em tornar passional um ambiente de luxúria e aridez, no qual ambienta sua história. Seu estilo remete demais a Rubem Fonseca só que com com uma ironia mais complacente com o universo próprio. Pode parecer precoce mas já coloco Aquino na relação de meus autores favoritos (se bem que não vejo muito dele no roteiro de “Força Tarefa”, que escreve para Globo), pelo simples fato de ter um enorme talento em ver a vida como ela é, estilizando apenas a abordagem de encará-la. Recomendadíssimo.




Dica de Música: “Quereres” (Maria Bethânia)

Elementar, meu caro Estilo...

Os grandes estúdios americanos, procurando diversificar suas margens de lucro, ressuscitam velhos ícones da literatura universal para impulsionar um retorno seguro de bilheteria. Não à toa temos visto alguns lançamentos recentes de produções como “Van Helsing”, “Minority Report”, e futuras estréias (com superproduções) como “Lobisomem” e “Alice no país das Maravilhas”. “Sherlock Holmes” não foge a regra, e já se coloca como franquia lucrativa, dado o seu enorme sucesso nas bilheterias mundiais. O que não quer dizer que seu êxito se reflita em sua qualidade. Apesar de dirigido pelo interessante Guy Pierce (que perdeu muito de sua identidade no período em que fora casado com Madonna), o filme se perde numa trama fraquíssima e de uma engenhosidade desnecessária, esvaziando assim as tradicionais resoluções finais de Holmes. Guy imprime seu virtuosismo estético (dos créditos iniciais aos finais), mas não salva o longa de certo cansaço em suas desperdiçadas duas horas de duração. Na verdade, não fosse o estilismo do diretor (que propõe uma espécie de esquizofrenia estética em cada take que apresenta), o filme não se notabilizaria tanto. Pena que o defeito esteja justamente no imprescindível: o roteiro. E com essa deficiência no diagnóstico, não tem status quo que possa resolver... Elementar meu caro Watson, que na “parte 2” as aventuras do detetive mais famoso do mundo, sejam mais bem contadas.
Dica de Música: "This love" (Maroon 5)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um pouco de Oscar...

Meus leitores são mesmo ferrenhos. Recebi alguns emails reclamando que não havia comentado ainda sobre as indicações ao Oscar 2010, que saiu no início do mês. Então, vamos aos indicados:





Melhor Filme
"Avatar"
"Guerra ao terror"
"Preciosa"
"Up – Altas aventuras"
"Bastardos inglórios"
"Um sonho possível"
"Amor sem escalas"
"Distrito 9"
"Educação"
"Um homem sério"

Muito bom ver as indicações de “Distrito 9” , pelo que é como cinema, “Um homem sério”, mais um devaneio dos irmãos Cohen que estou louco para assistir e “Bastardos Inglórios”, com a Academia fazendo as pazes com Tarantino. Creio que a briga real esteja entre “Avatar”, “Guerra ao terror” (que confesso não me entusiasma nem um pouco), “Amor sem escalas” e “Preciosa”. Não vi todos, mas não me incomodaria se “Avatar” levasse... Assim como “Bastardos”, “Preciosa”...

Ator
George Clooney, "Amor sem escalas"
Jeff Bridges, "Coração louco"
Colin Firth, "A Single Man"
Morgan Freeman, "Invictus"
Jeremy Renner, "Guerra ao terror"



Dizem que esse é o ano de Jeff Bridges, mas ainda creio nos (altos) méritos da interpretação de Firth em “A Single Man”.

Atriz
Meryl Streep, "Julie & Julia"
Sandra Bullock, "Um sonho possível"
Gabourey Sidibe, "Preciosa"
Helen Mirren, "The Last Station"
Carey Mulligan, "Educação"



Preciosa na cabeça. Sorry, Bullock!

Ator coadjuvante
Matt Damon, "Invictus"
Woody Harrelson, "The Messenger"
Christopher Plummer, "The Last Station"
Stanley Tucci, "Um olhar do paraíso"
Christoph Waltz, "Bastardos inglórios"



Christoph Waltz não tem concorrentes.

Atriz coadjuvante
Vera Farmiga, "Amor sem escalas"
Mo'Nique, "Preciosa"
Anna Kendrick, "Amor sem escalas"
Penelope Cruz, "Nine"
Maggie Gyllenhaal, "Coração louco"

Das cinco, só vi a arrebatadora Mo’Nique em “Preciosa”, então fica difícil mensurar...


Diretor
Quentin Tarantino, "Bastardos inglórios"
Kathryn Bigelow, "Guerra ao horror"
James Cameron, "Avatar"
Lee Daniels, "Preciosa"
Jason Reitman, "Amor sem escalas"



Esse é o mais disputado, mas eu daria para Tarantino.

Melhor animação
"Up – Altas aventuras"
"Coraline"
"O fantástico Sr. Raposo"
"A princesa e o sapo"
"O segredo de Kells"



“Up” ganhará, com certeza.

Melhor roteiro original
"Guerra ao Terror"
"Bastardos inglórios"
"O Mensageiro"
"Um homem sério"
"Up – Altas Aventuras"



Sem quórum para avaliar...

Melhor roteiro adaptado
"Distrito 9"
"Educação"
"In the Loop"
"Preciosa"
"Amor sem escala"



"Preciosa" consegue ser melhor que o livro; "Distrito 9" é uma adaptação memorável e “Amor sem escalas” é brilhante. Difícil...

Melhor filme estrangeiro
"Ajami"
"El Secreto de Sus Ojos"
"The Milk of Sorrow"
"Un Prophète"
"A fita branca"



Apesar da badalação em Cannes em “A fita branca”, tenho ouvido muitos elogios pelo francês "Un Prophète".

Melhor edição de filme
"Avatar"
"Distrito 9"
"Guerra ao terror"
"Bastardos inglórios"
"Preciosa"



A edição de "Bastardos inglórios" é importantíssima, assim como em "Distrito 9", mas ainda não assisti “Guerra ao terror” para avaliar o todo.

Direção de arte
"Avatar"
"O mundo imaginário do Dr. Parnassus"
"Nine"
"Sherlock Holmes"
"The Young Victoria"



"O mundo imaginário do Dr. Parnassus" é quase rudimentar frente a força de “Avatar”. Aí é que está, artesanato ou técnica?

Cinematografia (Fotografia)
"Avatar"
"Harry Potter e o enigma do príncipe"
"Guerra ao Horror"
"Bastardos inglórios"
"A fita Branca”



Sem quorum para avaliar...

Melhor figurino
"Bright Star"
"Coco antes de Chanel"
"O mundo imaginário do Dr. Parnassus"
"Nine"
"The Young Victoria"



Destes, só assisti ao filme da Chanel, mas aí é covardia...

Documentário
"Burma VJ"
"The Cove"
"Food, Inc."
"The Most Dangerous Man in America: Daniel Ellsberg and the Pentagon Papers"
"Which Way Home"

Melhor maquiagem
"Il Divo"
"Star Trek"
"The Young Victoria"

Melhor trilha sonora
"Avatar"
"O fantástico Sr. Raposo"
"Guerra ao terror"
"Sherlock Holmes"
"Up – Altas aventuras"



A trilha de “Sherlock” é interessante... Se bem que Wenders costuma ter bom tato para trilhas de seus filmes, porém não assisti ainda "O fantástico Sr. Raposo".



Melhor música
"Almost There" de "A princesa e o sapo"
"Down in New Orleans" de "A princesa e o sapo"
"Loin de Paname" de "Paris 36"
"Take it All" de "Nine"
"The Weary Kind (Theme from "Crazy Heart") de "Coração louco"

Edição de som
"Avatar"
"Guerra ao Terror"
"Bastardos inglórios"
"Star Trek"
"Up – Altas Aventuras"



Mixagem de som
"Avatar"
"Guerra ao Terror"
"Bastardos inglórios"
"Star Trek"
"Transformers: A vingança dos derrotados"

Melhores efeitos visuais
"Avatar"
"Distrito 9"
"Star Trek"



"Avatar" deve levar os principais prêmios técnicos. Merecidamente.

Diferente do que vem sendo dito, não achei as indicações assim tão surpreendentes, uma vez que os que mais receberam indicações fgoram os mesmo incensados em prêmios recentes: “Avatar”, “Guerra ao terror”, “Preciosa” e “Bastardos Inglórios”. Vamos ver ser a premiação será mais emocionante que as indicações...

Dica de Música: "A história de Lilly Brown" (Maria Gadu)

Que rei sou eu?

Fui convidado para participar do quadro “Vídeo Game”, no diário “Vídeo Show” da TV Globo. Foi bem bacana poder sentir o quanto estressante e fascinante os bastidores da TV podem ser. Apesar de minha boa performance (acho que sei mas de TV do que podia supor), perdi na final, numa prova de sorte (era para rodar uma espécie de peão). Mas valeu, principalmente por conhecer um universo tão mítico quanto esse; e pude sentir o que é ter uns 15 minutinhos de fama, já que a repercussão está sendo grande: todo dia recebo vários telefonemas de pessoas dizendo que estão me vendo na TV e meu Orkut e Facebook estão lotados de recados. Será que precisarei de um assessor? rs.

Dica de Música: "Boa noite" (Djavan)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Lágrimas amargas de...

“Preciosa” é um filme pequeno, quase independente, que vem conquistando premiações desde que surgiu no Sundance, arrebatando o Grande Prêmio de júri. Claireece "Preciosa" Jones (Gabourey Sidibe) é uma adolescente de 16 anos que sofre uma série de privações durante sua juventude. Violentada pelo pai (Rodney Jackson) e abusada pela mãe (Mo'Nique), ela cresce irritada e sem qualquer tipo de amor. O fato de ser pobre e gorda também não a ajuda nem um pouco. Além disto, Preciosa tem um filho apelidado de "Mongo", por ser portador de síndrome de Down, que está sob os cuidados da avó. Quando engravida pela segunda vez, Preciosa é suspensa da escola, partindo assim, para uma escola alternativa, que possa ajudá-la melhor a lidar com sua vida. Lá Preciosa encontra um meio de fugir de sua existência traumática, se refugiando em sua imaginação. Sei que o roteiro remete aos costumeiros filmes de superação, tão comuns no mercado americano (de bombas como os diversos telefilmes da Disney até acertos como “À procura da felicidade”, com Will Smith), mas a produção de Lee Daniels não se ressente nunca de sua verve independente e isso equilibra a dramaticidade da história com certa crueza na condução dos fatos. O nível de realismo comunga da mesma cartilha que as doses de fantasia que Daniels ilustra os devaneios de sua protagonista. Está justamente nesse equilíbrio o grande avanço que o filme faz para o seu “gênero”: retrata a dor sem sucumbir às lágrimas gratuitas. O inusitado elenco – que conta com a superestimada participação de Mariah Carey e uma boa presença de Lenny Kravitz – é uma história à parte. Mo’Nique, uma conhecida comediante americana, impõe sua personagem pela vitalidade com que aparece na tela. Suas cenas são intensas e barulhentas, na medida certa. Contrariamente, a protagonista, vivida por Gabourney Sidibe, em seu primeiro papel no cinema, arranca expressividade na contenção com que externa suas dores e sonhos, numa interpretação baseada na desconstrução do personagem sob a ótica do instinto. É um filme doloroso e incômodo, e seu final nos leva a conclusão de que a auto-indulgência pode ser tão nociva quanto a autocomiseração.
Dica de Música: “Trenzinho caipira” (Partimpim II)

Reflexo coletivo

Sabe aquele filme que você assiste e fica com a estranha sensação de ter visto algo muito fofo e, inversamente, muito cruel? Geralmente os filmes de Tim Burton propiciam isso (o lirismo de “Edward Mãos-de-tesoura” é de uma ambiguidade perturbadora) de forma mais recorrente. O filme “500 Dias com ela” do diretor Marc Webb (cotadíssimo para dirigir o novo filme do “Homem-aranha), me deu essa sensação de uma maneira bem pessoal. Trata-se de mais um filme que aborda as desilusões do amor romântico, sob a ótica cartesiana dos anos 2000: Quando Tom, azarado escritor de cartões comemorativos, fica sem rumo depois de levar um fora da namorada Summer, ele volta a vários momentos dos 500 dias que passaram juntos para tentar entender o que deu errado. Suas reflexões acabam levando-o a redescobrir suas verdadeiras paixões na vida. Webb é extremamente habilidoso ao buscar a assimilação da trama com o expectador, amarrando com sensibilidade os flashbacks que ajudam a compreender as desilusões do protagonista, vivido com graça pelo ator Joseph-Gordon Levitt. O diretor não economizou na utilização de certa poesia gráfica para ilustrar a constância (ou o contrário) que um relacionamento costuma sucumbir até ser capaz de arrasar as emoções de certos indivíduos (e quem já não sabe o que é isso...). O que o filme tem de mais valioso é a originalidade com que relata sua história, a princípio, um tanto batida. E também a forma como expõe, de forma quase prosaica, as vulnerabilidades humanas diante daquela coisa esquisita chamada amor. Com uma trilha sonora deliciosa, com a presença da cantora Regina Spektor, “500 dias com ela” foi lançado ano passado, mas só consegui assistir agora, senão, com certeza, estaria em minha lista de “melhores do ano”, mas não importância, pois já entrou para minha lista de melhores filmes que radiografam os relacionamentos amorosos. Nada como uma liturgia para encarar melhor a dor e a delícia de se viver a dois....
Dica de Música: “Us” (Regina Spektor)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

No azeite...

Em 2005, o filme “Penetras bons de bico”, com os atores Vince Vaughn e Owen Wilson, chegou aos cinemas brasileiros depois de uma impressionante bilheteria nos EUA e endossado por boa parte da crítica. Lembro de ter ficado super ansioso para assistir, afinal eram muitas as “credenciais”, apesar de suspeitar que o filme não fosse nada demais. Não deu outra: A comédia era uma bobagem e até hoje não compreendo a aceitação quase integral que teve pelo público e crítica. Tive essa mesmíssima sensação com a repercussão de “Se beber, não case”, quando lançado, ano passado. Uma bilheteria de mais de meio bilhão de dólares e super bem cotado... Desconfiei. Só que neste caso, ainda que continue achando o entusiasmo exagerado, a satisfação é bem mais garantida. Muito pelo engenhoso roteiro, realmente divertido, e pela atuação do ator Zach Galifianakis, impagável como o inusitado irmão da noiva que sofre de debilidades emocionais. Mas, sinceramente, não é nada mais que uma comédia bem feita. O que não o torna, digamos assim, merecedor do Globo de Ouro que ganhou (reafirmo a predileção pelo verdadeiramente instigante “500 dias com ela”, que concorria com a comédia). Claro que o filme ganhará continuação, em 2011 e sua premissa será espremida ao máximo.



Outro filme que também concorria com “Se beber, não case” ao Globo de Ouro de melhor filme de comédia ou musical foi “Julie & Julia” de Nora Ephron, estrelado pela mesma dupla de maravilhoso “Dúvida”, Meryl Streep e Amy Adams. A produção é baseada entre outros na autobiografia de My Life in France, que retrata a vida de Julia Child, autora de livros de culinária e apresentadora de televisão norte-americana, e a tentativa de Julie Powell (Amy Adams) de cozinhar todas as 524 receitas de Julia Child (Meryl Streep) do livro Mastering the Art of French Cooking. A trama é contada com as histórias paralelas, o que acaba por tornar cansativa sua narrativa (até pelo desnível das tramas, já que a luminosa participação de Meryl acende o marasmo da parte atual de Adams – que faz o que pode). Nora Ephron há muito deve-nos um filme decente (“Bilhete premiado” e “A feiticeira” não conseguiram) e, desta vez, até eu imaginava que era o momento. Ledo engano. Trata-se de mais um caso em que Meryl Streep precisa salvar o filme da mediocridade...





Dica de Música: "Bad Romance" (Lady Gaga)