quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um vinho chamado Woody Allen...

O novo filme de Woody Allen "Tudo pode dar certo" funciona como uma síntese da obra e da visão do próprio cineasta. O roteiro do filme foi escrito na década de 70 e o diretor resolveu filmá-lo por causa do imbróglio da greve dos roteiristas americanos. Interpretando um papel que poderia perfeitamente se vivido por Allen, Larry David (que dá uma nova perspectiva do ator Woody Allen) dá vida a Boris, ex-físico, dedicado a mecânica quântica que vive sob os maneirismos da hipocondria e do pessimismo e sempre tem uma visão um tanto cínica da humanidade. Após uma tentativa de suicídio mal sucedida (que lhe deixou manco) ele conhece uma jovem (vivida pela gracinha Evan Rachel Wood, que eu nunca compreendi o seu duradouro namoro com o (a) roqueiro (a) Marilyn Manson), um tanto tontinha mas encantadoramente pueril, engatando assim um improvável, mas tranqüilo romance. Um ano depois, com a chegada da mãe da menina (Patrícia Clarkson, que ilumina o filme), a vida de Boris passa por transformações, um tanto previsíveis. O filme traz de volta um Woody Allen da década de 70 e 80, tanto em conceito (discurso filosófico e irônico sobre o mundo) como na forma (a estrutura do ator falando para as câmeras, como em sua obra-prima "Noivo neurótico, Noiva nervosa"). E, principalmente para os fãs do cineasta - como este que vos escreve - tudo acaba tendo uma sensação de revival de uma época em que Woody professava bem mais que estilizava. Não tem como ficar indiferente à suas elucubrações cotidianas, revelando um novo ponto de vista daquilo que sempre pensamos e muitas vezes não aprofundamos. Mesmo quando deixa transparecer suas idéias judias (sua classificação de Deus, num diálogo entre o pai da ninfeta se descobrindo homossexual é hilária). Não é um Woody Allen ambicioso e perspicaz do ótimo "Match Point", ou até o sacana e surpreendente de "Vicky Cristina Barcelona", seus bons filmes recentes. Muito pelo contrário. O diretor parece que dirigiu esse longa no automático, deixando as idéias falarem pela estética. Mas como ele mesmo defende na história: "Às vezes os clichês são a melhor forma de dizer as coisas". Só essa frase já diz muito sobre como o filme é digerido ao fim da sessão. Vida longa a Woody Allen.
Dica de Música: "Cadê você?" (Bebel Gilberto)

Vida inteligente na TV

Como assim? Depois de "Damages" e "Lost" (que em breve comentarei num post especialíssimo), agora chega ao fim outra das minhas séries favoritas: "24 horas". Dona de um dos roteiros mais sensacionais e perturbadores que já foi feito, a série chega ao fim em sua oitava temporada, devido aos altos custos e limitações narrativas. Na verdade, por mais que lamente muito o seu fim, reconheço que a continuidade do programa da Fox poderia acabar por desgastando ainda mais sua premissa (que, aqui e ali, vinha demonstrando cansaço). Ainda não vi a oitava e última temporada, mas não poderia deixar de expressar minha tristeza. Só me resta o meu ópio audiovisual "Glee" rs...
Dica de Música: "Um mais um" (Skank)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Robin Hood, o Grande ???

O diretor Ridley Scott sofre do mesmo mal que muitas vezes acomete Martin Scorcese: o pecado da grandiloqüência. É quando seus filmes levam-se a sério demais ou se perdem na grandiosidade do projeto, limitando qualquer sinal de profundidade. No caso de Ridley, isso foi
visto em "Gladiador" (mesmo com o Oscar e a adoração de muitos), "O gangster" e no chatíssimo "Cruzada". "Robin Hood", seu mais recente lançamento também cai nessa armadilha, com o adendo de ser construído por um roteiro fraco e sofrendo de crise de identidade. Nem parece que estamos falando do mesmo realizador de clássicos como "Blade Runner" e "Alien, o oitavo passageiro". Retomando a parceria com o mala do Russel Crowe, que dá vida a um Robin um tanto burocrático e fora de forma (nada contra, mas é incômodo notar que, à exceção do ótimo "O informante", suas performances são sempre repetitivas), o filme se pauta sobre a origem do mito do "ladrão que rouba ricos para os pobres", numa espécie de prequel. Se levarmos em conta o cuidado na ambientação histórica, muito interessante por sinal (as intrigas na esfera do reinado do rei João), o filme é até digerível, mas o roteiro, mais preocupado em respaldar o espetáculo das batalhas que permeiam a história, vai pelo caminho do clichê em diversas situações, o que acaba revelando a fragilidade de sua narrativa (a forma como o personagem de Robin Hood entra de fato na trama principal, é digna de "Malhação"). Tecnicamente perfeito (a batalha final do desembarque dos franceses na Inglaterra é espetacularmente bem filmada), "Robin Hood" acaba por perder todo o seu potencial por preocupar-se demais em agradar às forças que dominam a bilheteria atual. A grandiloqüência aqui atende pura e simplesmente ao espetáculo. Mas, nesse caso, isso não é sinal de mérito ou relevância.

Dica de Música: "Cemeteries of London" (Coldplay)

Downey Jr é que é de ferro...

Eu só quero saber até quando a superprodução "Homem de ferro" vai ficar dependendo única e somente do carisma de seu protagonista para entregar algum fio de dignidade. Se no primeiro filme - que era uma bobagem, mas admito que divertida - essa máxima o justificou, agora na sua continuação (que obviamente está fazendo muito sucesso) o cenário é o mesmo: muitos diálogos engraçadinhos, cenas de ação arrebatadoras e um Robert Downey Jr cada vez mais à vontade. O problema é que o roteiro é conivente demais com essas premissas e a falta de uma arrojada naquele universo é visível. Isso só resulta num emaranhado de situações forçadas (a razão do embate entre o homem de ferro e seu amigo é absurdamente gratuita) e desperdiçadas (o bom papel de viúva negra, interpretada pela atriz Scarlett Johansson é confuso e deslocado). Por mais que o filme tente levantar uma boa discussão sobre como a onipotência do mito é nociva para o homem, tudo é logo dissipado por esquizofrenias visuais que servem para ilustrar trailers de Comic-Com. Jon Favreau acrescenta pouco com sua direção "clipada" (lembrando que nunca achei isso um demérito), afinal, com um roteiro apático não tinha mesmo o que fazer. É inegável que o filme é bem espirituoso, tem umas boas sacadas (os vilões, vividos por Sam Rockwell e Mickey Rourke, em suas construções, são um ponto alto) e é competente no culto à seus "Vingadores", com suas pistas ao longo da projeção, mas a sua acomodação é irritante como cinema. A questão é saber se o filme é mesmo reverente a figura irresistível de Tony Stark ou o estúdio é que é inseguro para fazer com que seus ovos de ouro alce vôos mais altos.

Dica de Música: "A última palavra" (Ecos Falsos)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Compreendendo Alice

O cineasta Tim Burton sempre pautou sua obra na falta de concessões ao onírico. E nisso ele plantou seu nome da seara dos grandes artistas de Hollywood, tornando-se uma grife. Mesmo quando dialoga com fábulas e histórias de domínio público (caso do semi-insípido "Planeta dos macacos" e do eficiente "A fantástica fábrica de chocolate") sua assinatura ocasiona num misto de simbologia própria com discurso humanístico. Burton é um eterno interessado no abismo que esconde por trás da fantasia. Das coisas e pessoas. Essa premissa não poderia faltar em "Alice no país das maravilhas" seu mais recente lançamento. A cerne da natureza criativa do diretor é muito forte e o justifica, frente as enxurradas de críticas negativas que a superprodução vem recebendo. Seria este um filme incompreendido? Primeiramente devemos levar em consideração que temos que julgar um trabalho de qualquer artista, mediante a proposta que ele quer levar ao ser analisado. Burton não queria recriar a trama original do livro de Lewis Caroll. Ele estava interessado - até partindo de sua continuação "Alice através do espelho" - em reinterpretar a obra. E nisso o filme é fiel às suas convicções. Os caminhos que o roteiro de Linda Woolverton traçam buscam essa reimaginação. A própria protagonista, vivida pela quase estreante Mia Wasikowska, em sua aparente apatia andrógena, é coerente com a fissuração do cineasta em confrontar um indivíduo deslocado com o mundo (real e imaginário) que o cerca. Quem não se lembra do Edward de Jhonny Depp em "Edward, mãos-de-tesoura", sua obra-prima? Há de se convir que a dramaturgia do filme é irregular em sua construção narrativa (entre cenas desperdiçadas ou excessivas). Depp, que não consegue fazer um filme de Burton sem cair na excentricidade (seria esse o segredo do sucesso da dupla?), parece se divertir na composição de seu chapeleiro maluco, mas o filme é de Helena Bonham Carter, como a esquisitíssima rainha vermelha. Suas cenas incendeiam toda a aquarela visual do filme. Até suas nuances são valorizadas. E, mais uma vez, Burton consegue a proeza de tornar orgânico sua visão lírica de mundo, nos dando a sensação de que aquele mundo sempre foi o de Alice, desde quando tomamos conhecimento da história na infância. É interessante notar que cada detalhe da direção de arte (destaque especial para os figurinos, realmente muito bonitos) parece ser meticulosamente estudado naquele contexto visual. Trabalho de mestre. Talvez "Alice" agrade mais aos olhos que ao coração. Mas até chegarmos a qual conclusão é a mais acertada, estaremos tão imersos no mundo paralelo "Timburtiano" que concluiremos que o processo foi mais interessante que o resultado final. Mas a fábula da Alice não fala justamente disso, de um processo?


Dica de Música: "Everything In Its Right Place" (Radiohead)




Reflexões argentinas...

Não tem como não sucumbir à rivalidade histórica, ao analisar o êxito docinema argentino no mundo hoje, principalmente após ganhar o seu segundo Oscar de filme estrangeiro, com o badalado "O segredo de seus olhos". Não que o cinema daqui fique muito atrás, mas a solidez dos portenhos talvez explique esse alto prestígio. E vamos combinar: "O segredo deseus olhos", de Juan Jose Campanella, é mesmo um filmaço. Campanella, que além de muito talentoso, tem o expertise de ser um diretor recorrente de séries americanas como "House" e "Lei e ordem", é um hábil contador de histórias, principalmente por dar atenção especiala os gestos de seus personagens, pois acredita que o implícito pode explicitar muito mais uma intenção (quem não se lembra da força dramática primordial para o sucesso de seu filme mais famoso "O filho da noiva", que fora muito bem sucedido em nosso circuito de arte, ficando quase um ano em cartaz?). Mais uma vez trabalhando com o ótimo RicardoDárin (um semideus na Argentina), o roteiro, adaptado de um livro de Eduardo Sacheri (que também atuou como roteirista junto com Campanella) fala de um oficial de justiça aposentado que decide escrever um romance baseado em um crime que aconteceu há mais de 30 anos, quando ele trabalhava como assistente da promotora do caso. Tal atitude seria um meio de aplacar sua frustração com a solução do crime na época, um tanto revoltante. Usando como pano de fundo, o turbulento cenário político da década de 70, o diretor extrai de sua fluência narrativa uma verdadeira história de amor e uma reflexão sobre como configuramos o passado na urgência do presente. Essa relação de tempo e de sentimento é muito metaforizado durante o filme. A eficiência de seu discurso se embasa nessa reflexão e no fim o ponto final é transformado em reticências, justamente por acompanhar esse raciocínio das intermitências que acompanham nossas lembranças. Parece que a vida é feita de pendências aguardando uma resolução final. Ricardo Darín e Soledad Villamil dão combustão a esse casal, com uma maturidade ímpar que nos fazem acompanhar com atenção cada gesto de seus atos. O diretor Campanella se mostra ousado em tomadas impressionantes e soluções em aberto. Na acirrada disputa com "A fita branca", o filme saiu vencedor do Oscar. Creio que o filme austríaco seja mais merecedor por sua potencialidade de instigar, mas é inegável que o filme de Campanella justifique a láurea que ganhou, até porque, muito mais do que dar forma a um discurso, o filme consegue refletir sobre o homem e sua relação com o tempo e nós, do lado de cá da tela, olhamo-nos num espelho para desvendar qual seria o segredo de nossos olhos. A resposta talvez indique que pendências temos que resolver para seguir em frente.
Dica de Música: "Blue train" (Tom Jobin)

Caso perdido

Ser cinéfilo pode ser uma tarefa árdua, às vezes. Por mais paixão que se tenha, rotineiramente (e isso em âmbito mundial, não só na seara hollywoodiana) somos reféns de bobagens, pretensões e oportunismos, em filmes cada vez mais chatos, ruins ou insossos. "Caso 39", suspense do diretor alemão Christian Alvart, estrelado por Renée Zellweger, é um destes casos. Na verdade, nem diria que é de fato um filme ruim, mas é sim uma bobagem, que cai na mesmice de seguir os diversos exemplares do gênero, como o clássico "A profecia" ou o recente "A órfã". Zellweger faz uma assistente social que, após livrar uma menina da opressão mortal de seus pais, resolve adotá-la. Óbvio que a menina acaba se revelando um ser diabólico que destrói tudo e todos a sua volta. Só esse argumento já cansa de tão batido e a realização não ajuda muito. Vale ressaltar que a direção é até caprichosa, imprimindo um clima propício de suspense, mas o roteiro é cheio de incoerências e o espectador fica se perguntando como uma atriz de renome como Renée caiu num projeto desses. E o pior são os sustos gratuitos e injustificáveis que pipocam a todo instante, só comprovando a consistência de um pires da história. Enfim, é um filme muito mais adequado para uma decadente sessão de sábado do Supercine...

Dica de Música: "Stranger in Moscow" (Michael Jackson)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Aqui a fé é relativa...

O sucesso de bilheteria recorrente dos filmes do diretor Daniel Filho são resultados de suas assertivas escolhas, ou de seu talento, propriamente dito? Os dois fatores configuram uma idéia desta resposta e, mais uma vez, esses e outros paradigmas do diretor, são corroborados vide o enorme sucesso que vem fazendo (em torno de 3 milhões de espectadores) seu último lançamento, “Chico Xavier, o filme”. Com o valioso suporte da Globo Filmes e com a experiência de dialogar com o grande público, dada a sua trajetória na TV, Daniel dirige filmes com o compromisso de alcançar o maior número de pessoas possíveis, e isso não é demérito nenhum. Spielberg casou pluralidade com qualidade e seu nome virou sinônimo de prestígio. E com muita justiça. “Chico Xavier” funciona muito bem no tocante àquilo que se propõe: biografar o médium mais famoso do país, que disseminou a religião espírita e tornou-se uma espécie de mito espiritual para boa parte da população. O problema do filme é que, para respaldar a força de seu personagem, acaba traindo sua própria essência narrativa. O desempenho dos atores em geral, principalmente dos três protagonistas, Matheus Costa, Ângelo Antônio e Nélson Xavier (que mantém uma bem sucedida linearidade de interpretação), são muito bons. Mas o roteiro do veterano Marcos Bernstein, baseado na biografia de Marcel Souto Maior, erra ao desfocar o filme para uma desnecessária trama paralela (que discute a fé através de um casal formado pelos atores Tony Ramos e Cristiane Torloni), tornando toda a situação (principalmente o desfecho) um tanto artificial e desnecessária. E, com alguns equívocos pontuais no todo, Daniel Filho acerta ao colocar uma antiga entrevista real, com o próprio biografado, nos créditos, uma vez que dá certo sentido emocional ao longa. Não à toa, na sessão que assisti, parecia ser o único que não estava visivelmente emocionado no cinema. Diria que o filme percorreu um caminho irregular, principalmente por seu roteiro não confiar plenamente na história de seu mito. Para o grande público isso não faz diferença. Entretanto, para uma produção que se propõe a falar de fé, soa um tanto incoerente não ter confiança em seu próprio discurso.

Dica de filme: “Podes crer” (Cidade Negra - versão “Acústico MTV”)

Ame-o ou deixe-o

No finalzinho da década de 90, um até então desconhecido cineasta indiano, mobilizou o mundo com um dos filmes mais sensacionais da História do cinema: “O sexto sentido”. Logo, com o impressionante sucesso e prestígio, M. Night Shyamalan foi taxado como o último ranço de renovação criativa de Hollywood e tudo que fizera posteriormente fora aguardado com exagerada expectativa (tanto que foi considerado como uma espécie de novo Hitchcock). “Corpo fechado”, seu filme seguinte ao fenômeno “do menino que via pessoas mortas”, é mais uma de suas obras-prima - sua visão iconoclasta do processo de heroicização do homem resultou num filme espetacular - ainda que boa parte do público e crítica não tenha escondido sua frustração pelo excesso de expectativa. A crítica, de uma forma geral, passou a olhá-lo com desconfiança a
partir de seus filmes seguintes. Aliás, sempre há muita discussão a cerca da qualidade de suas produções pós-“Sexto sentido”. Muitos, mas muitos mesmo, críticos e até uma considerável parcela do público o consideram como uma farsa. “Sinais”, seu terceiro filme de expressão, lançado em 2002, só reforçou essa idéia. Boa parte da opinião pública detonou o longa. Shyamalan sempre foi chegado a uma metáfora que exprima a relação do homem e o sobrenatural, ou simplesmente, o desconhecido, e neste filme, o cineasta se vale da paranóia generalizada com a possibilidade de vida extraterrestre, para falar sobre fé. Óbvio que se vale de uma alegoria pautada no entretenimento, mas é visível a substancia que Shyamalan tira do assunto. Mas controvérsia mesmo ele suscitou com o polêmico “A vila”, para mim uma obra-prima incontestável. A sensação de ser manipulado psiquicamente para enxergarmos uma verdadeira crítica ao isolacionismo norte-americano é impagável, e o diretor orquestra essa percepção de forma tão eficiente quanto estimulante. Até o ódio de alguns, com o desfecho-surpresa, é justificável. Seu filme seguinte foi “A dama na água”, que lhe rendeu muita dor de cabeça, uma vez que naufragou na bilheteria e arranhou ainda mais sua imagem nos bastidores do cinema americano. Considero um filme incompreendido. Ele simplesmente quis dar vida a seus contos infantis que só seus filhos conheciam. Sei que foi um projeto extremamente arriscado, mas gostei muito do filme, principalmente se raciocinado como um papel em branco para imaginação. Mas o mundo, neste caso, meio que lhe deu as costas. Seu último filme, lançado há cerca de dois anos, foi "Fim dos tempos”, para mim, seu único filme que sucumbe ao erro de levar-se a sério demais. Defeito este, costumeiramente atribuído ao diretor, mas que sempre contestei; entretanto neste filme, que dialoga com a vertente atual do meio ambiente e afins, seu discurso não se sustentou e o filme - muito bem filmado e fotografado, por sinal (a cena dos operários caindo de cima de um prédio é antológica) - acabou virando uma comédia involuntária.
Agora, depois destes altos e baixos, Shyamalan retorna fazendo sua primeira grande concessão como diretor: estréia em julho (veja o trailer abaixo) sua adaptação do desenho “Avatar”, cujo nome será “O último mestre do ar”. É óbvio que esse lançamento aponta para um novo recomeço do autor/cineasta na seara hollywoodiana. Pelo trailer, vemos que sua estética continua impecável. Seus filmes são muitíssimo bem filmados. Mas confesso que estou receoso, não pelo resultado, mas por não ser um filme “autoral”, como de costume. Se esse possível grande ”blockbuster” servir de ponte para uma espécie de renascimento do diretor, que seja bem vindo. A questão é isso se tornar uma regra imposta, o que ele pode reverter lutando por seus projetos. Gosto demais de seus devaneios e diálogos com a investigação humana e sua relação com o oculto. Creio que ele pague um preço caro por sua originalidade, mesmo quando esbarra em uma tentadora pretensão. Mas aonde enxergam apenas pedantismo, eu vejo inconformismo. Shyamalan não é nem será um Hitchcock, ou um Spielberg. Ele sempre será apenas M. Night Shyamalan, e sua posteridade depende apenas dele.

Dica de Música: "Great Dj" (The Ting Tings)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Somos tão jovens

O primeiro estágio saudosista de um indivíduo vem na casa dos vinte anos, quando imersos nas intempéries do início da vida adulta, lembramos da liberdade que a adolescência nos trazia. Foi essa a gostosa sensação que o filmaço “As melhores coisas do mundo” me passou ao fim de uma sessão no cinema. A diretora Laís Bondasky (que já havia acertado nos notáveis “Bicho de sete cabeças” e “Chega de saudade”) foi extremamente inteligente ao formatar o filme não como um retrato dos adolescentes de uma era, mas buscando radiografar o estado de espírito universal desta faixa de idade. Algo como o cineasta americano Gus Van Sant imprimiu na criticidade de seus filmes sobre a juventude de seu país. Com isso, Laís conseguiu com que seu longa obtenha a assimilação de qualquer público, de 8 a 80 anos. Com roteiro de Luiz Bolognesi, marido e parceiro constante da diretora, o filme é uma livre adaptação da série de livros “Mano” de Gilberto Dimenstein, que acompanha os alunos de uma escola secundária paulista de classe média e suas primeiras experiências com as desventuras que a idade lhes concede, como sexo, bebidas e afins. O “Mano” do título literário é o apelido de Hermano, sob o qual todo o filme é dimensionado. Vivido pelo estreante Francisco Miguez (nunca tendo feito nenhum trabalho de ator e escolhido durante uma pesquisa nas escolas de São Paulo), Mano torna- se a retina ampliada do filme, que conjuga com dignidade as diversidades de um meio, com certo intimismo, ao focar seu drama familiar. Procurando retratar mas não interferir, Laís entrega cenas memoráveis para endossar sua trama, como o abraço doloroso que Mano dá em seu irmão, num momento de desespero ou as cenas em que ele interage com sua mãe, vivida por Denise Fraga, com uma interpretação tocante. O elenco é uma das forças do filme, começando pelo próprio Miguez que, mesmo inexperiente, tem uma segurança cênica impressionante, muito pautado pelo instinto. Outra surpresa é o ator e cantor Fiuk, no difícil papel do irmão mais velho depressivo. Não vejo “Malhação” e não sabia que ele era bom. Assim como todo o elenco jovem da escola e até as participações de Paulo Vilhena e Caio Blat, vivendo personagens mais maduros, funcionam muito bem. O cinema brasileiro é carente de produções que dialogue com o público jovem. Se o primeiro grande passo, desta Retomada, foi dado por esse filme, a progressão será animadora. No final, o processo de maturidadeque um adolescente passa para endossar sua afirmação de que “não é tão impossível ser feliz depois que a gente cresce. Só é mais complicado” transcende a tela do cinema e reverbera em todo o estágio de evolução contínua de nós mesmos. Viramos o “Mano” aos 20, aos 30, aos 40 etc, etc...

Dica de Música: “Something” (Beatles)

Sade, Norah e ouvidos exigentes

Existe um ponto nevrálgico que relaciona os últimos CDs das cantoras Sade e Norah Jones: ambas flertam com uma renovação musical em seus repertórios, resultando em trabalhos bem maduros, refletindo o momento atual de cada uma delas. Sade passou quase dez anos sem lançar um disco de inéditas, em estúdio. Acostumada com hiatos cada vez mais prolongados, a cantora retorna com “Soldier of Love”, que comprova a lapidação de seu trabalho dada a interessante confluência de ritmos que reforçam a sofisticação perene de seu trabalho. Nota-se um diálogo discreto com hip hop na semi-épica canção que dá nome ao cd, criando uma sonoridade bem interessante. “The moon and the Sky” e “Bringe me home” são comprovações dessa inalterada maestria sonora. Entretanto, mesmo interessada em dimensionar seu universo musical, Sade será sempre Sade como quando ouvimos “The safest place”, que fecha o CD de forma costumeiramente melancólica, sensual e definitiva.
Norah Jones é ainda mais radical nessa busca pelo novo, ainda que mantendo a velha base melódica de suas composições. Em “The fall” Norah rende-se a guitarra, instrumento conceitualmente distante de seu universo pop jazzístico. E suas composições apresentam-se bem mais solares que o “coração encharcado de vinho” de seus sucessos anteriores. Eu gosto bastante do trabalho dela (assim como Sade, tenho todos os CDs) mas admito que ouvindo seus três primeiros trabalhos deforma ininterrupta, soam quase como uniformes em seus esteios melódicos. “The fall” já foge desse alinhamento e dá uma interessante oxigenada no repertório da cantora. É nitidamente um CD mais “para cima”, mesmo reverenciando suas raízes do soul e do jazz novaiorquino. A canção “Chasing Pirates”, que puxa o novo trabalho, é quase um cartão de visitas dessa “nova Norah” e é mesmo muito boa dentro e fora desse contexto todo. Norah Jones e Sade, de trajetória e tempos diferentes, afunilam suas obras na confirmação de que evoluções são necessárias, mas só as consegue que tem realmente o que mostrar.


Dica de Música? elas!!! rs...

Pânico no cinema

Clássico do gênero “terror teen” em meados da década de 90, a franquia“Pânico” está de volta: os produtores da Dimension Films já agendaramaté sua estréia para 15 de abril do ano que vem. “Pânico” foi um pequeno fenômeno que encheu os cofres da Dimension em mais de 500 milhões dólares, contando, em três filmes, a história de SidneyPrescott, uma jovem que era perseguida por um serial killer. Apesar do plot batido, o filme foi dirigido pelo mestre do terror Wes Craven,que manipulava muito bem sua cria e, com o espertíssimo roteiro de Kevin Williamson, conseguiu tornar a franquia num marco cult da época (tanto que o cinema foi inundado de cópias, como o horroroso “Lenda urbana” e o interessante “A prova final”, este também de Williamson). Tanto o diretor como o roteirista estarão de volta nesta nova versão,assim como o elenco que conta com a eterna “Friends” Courteney Cox, seu marido David Arquette (conheceram-se e casam durante os três filmes) e a protagonista Neve Campbell, que nunca conseguiu sobressair-se em outro papel relevante, mesmo tendo feito filme deRobert Altman. Eu adorava a trilogia e não resistirei a esse lançamento, pois aquela máscara defeituosa que tanto marcou época fazparte de meu imaginário adolescente. E, pelo visto, não só o meu...
Dica de Música: “Help me” (Nick Carter)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Sexos femininos...

Diretora de filmes sensíveis, mas extremamente iconoclastas, Sandra Werneck mirou sua lente para a dura realidade de um dos microcosmos da periferia carioca em seu novo longa “Sonhos roubados. Inspirado no livro “As meninas da esquina” de Eliane Trindade, o filme acompanha a vida de três amigas adolescentes: Jéssica (Nanda Costa), Daiane (Amanda Diniz) e Sabrina (Kika Farias), que gravitam sobre as limitações de uma comunidade pobre e submergem no mundo periférico da prostituição ocasional para justificar, ora suas próprias sobrevivências, ora o senso comum de sonho e desejo, que o filme acredita, lhe foram roubados. Como atestado sociológico, Sandra é bem sucedida na abordagem , principalmente por evitar qualquer ranço de romantização da situação. Ali, elas não são propriamente vítimas ou culpadas, elas são conseqüências de um meio. Nesse paradigma, o filme sustenta seu discurso e nos levar a ver/conhecer a realidade latente de uma juventude à margem da sociedade, mas que constitui um mundo próprio, dentro de suas limitações. Uma pena que, apesar de ser escrito por seis (!) roteiristas, Paulo Halm, Michelle Franz, Adriana Falcão, José Joffily, Maurício O. Dias e a própria diretora, o filme tenha uma dramaturgia tão fragilizada, que muita das vezes inibe a potencialidade de determinadas situações apresentadas no longa. O elenco principal é muito bom – as três protagonistas, praticamente estreantes, acatam o desafio de seus papéis com sucesso – e a direção de fotografia de Walter Carvalho traz uma interessante liturgia na secura estética do tema. “Sonhos roubados” almeja lançar uma lente de aumento num dos nichos da tragédia urbana do país, mas ressente-se de sua natureza ficcional, no confronto com a vida real.

Dica de Música: “Sonhos roubados” (Maria Gadu)

Ouvidos atentos


Quando quero acompanhar o termômetro do cenário POP atual procuro uma de minhas fontes certas, que é o interessante blog do jornalista e apresentador do “Fantástico”, Zeca Camargo. Zeca, que no comando do dominical (há de destacar que é uma das poucas coisas relevantes ainda em nossa TV aberta), está sempre envolto na pluralidade de suas viagens em busca do inusitado, que deveria ser a tônica de qualquer matéria jornalística, vale-se deste privilégio para vitaminar suas diversas coleções (seja de CDs, livros e filmes) e, com isso, com propriedade para antever àquilo que entrará no valioso mainstream do grande público (seria isso um oxímoro? Sim, a cultura pop é uma grande contradição). Enfim, digo que foi acompanhando seu blog que descobri que existia sim, consistência relevante na mise-em-scéne de Lady Gaga, ou que a revista americana “New Yorker” era algo de que eu deveria prestar mais atenção, dada a sua profunda investigação por um jornalismo mais embasado e original. Por isso, logo que ele fez uma citação sobre as possíveis (!?) substitutas do furacão Amy Winehouse, uma chamou-me a atenção e atende pelo nome de Janelle Monae. Com uma produção (física e musical) saudosista e melodias que flertam com o jazz e as big bands sessentistas da Black Music, Janelle imprime personalidade em seu single de estréia “Tightrope”, canção deliciosa e cheia de testosterona, com a cada vez mais onipresente base de Hip Hop contemporâneo, com participação de Big Boi, da banda OutKast (por sinal, é nítida a influência melódica da banda em seu trabalho). Mesmo com a notável performance estilística, a cantora americana da região do Kansas, de 25 anos, se justifica pela bela voz e impressionante gingado, que lhe conferem um charme carismático das divas a quem tanto tem por referência. Tanto a música como o clipe são sensacionais, comprovando que Janelle tem a oferecer o melhor da R&B/Soul, com muita personalidade (reparem na graciosidade de suas coreografias, impondo seu estilo único de dançar). O cd “The Archandroid”, ainda não foi lançado no país (tem uma composição de Steve Wonder e Prince), mas fiquem com o primeiro clipe e corram para o espelho para reproduzir a dança...

Nem precisa de "Dica de Música"...

O nobre do horário...

Mais do que agradecer o “ibope” de meu blog, eu fico super contente com a resposta efetiva que venho tendo de meus poucos leitores. Há alguns meses havia escrito um post sobre a regularidade do formato de séries americanas (que particularmente, eu adoro) em nossa TV. Talvez por isso, recebi alguns emails cobrando um comentário sobre as novas séries e temporadas que estrearam na TV aberta nos últimos meses. Reitero que ainda não consegui acompanhar a última temporada de “Filhos do Carnaval”, série elogiadíssima da HBO brasileira. Pelo pouco que vi, me pareceu uma evolução à também bem feita primeira temporada. Quanto às atrações globais, cabe aqui um comentário mais vasto:

“Força-Tarefa” : A série ganhou mais cinco minutos de duração e é perceptível que sua dinâmica acompanha esse crédito da emissora. Mas ainda acho que o roteiro (dos feras Fernando Bonassi e Marçal Aquino) ainda desalinha-se com a direção do José Alvarenga Jr. Mesmo estando muito acima da média da maioria dos roteiros da casa, a série me passa a sensação de almejar ser um produto que não consegue ser e, nesta nova temporada, continua o marasmo, digamos, institucional da procuradoria, onde se situa boa parte da trama, numa mesa redonda, envolta de personagens totalmente desperdiçados, dentre eles os ótimos Julio Cazarré e Hermila Guedes. O tenente Wilson de Murilo Benício ainda é o grande acerto dramático do projeto. Gosto e acompanho a série (e creio que seus problemas são resolvíveis), mas suas limitações ainda persistem.

“S.O.S Emergência” : O programa tem clara inspiração num tipo de humor muito disseminado com o sucesso da série americana “30Rock”, cria da comediante Tina Fey. Mas, com roteiro de Marcius Melhem e Daniel Adjafre, a graça fica mais consonante com a gratuidade histérica do “Nós da fita” e afins, do que da espontaneidade da situação almejada. Ainda que conte com um elenco muito inteirado com o gênero (Ney Latorraca, Marisa Orth, Fabio Lago e Maria Clara Gueiros são destaques) e direção competente de Mario Mendonça Filho, o resultado soa mais como um pastiche de um sitcom americano.

“Vida Alheia” : O multifacetado Miguel Falabella acertou desta vez ao retratar o universo fugaz das celebridades, através de uma revista sobre o tema. Procurando não se focar apenas no humor, a série tem acertado na crítica e no deboche ao circo que promove. O elenco também surpreende com Cláudia Jimenez e Marília Pêra, em personagens muito bem construídos. Talvez falte uma lapidação maior na direção da Cininha de Paula (o mesmo problema de “Força-Tarefa”), dada a falta de vigor em certas cenas promissoras, mas o conjunto é bem animador.

“Separação” : A melhor estréia do gênero da Globo, em 2010, até agora. Nem preciso salientar o talento de Fernanda Young e Alexandre Machado, mas nessa nova série eles conseguiram o desafio de desprender-se do absoluto sucesso que fora “Os normais”, dando um complemento divertido ao cotidiano de um casal, na urgência de um desgaste de convívio. O humor aqui é embasado entre o irônico e o nonsense, nada muito diferente do, já apresentado, universo dos autores, mas a perspectiva se renova com a qualidade do texto da série. Vladimir Britcha, que tem uma interpretação cômica marcada por gags conhecidos, surpreende ao compreender o intertexto exato do roteiro, e Débora Bloch, que já havia trabalhado inúmeras vezes com a dupla (e ainda passou pelo clássico “TV Pirata”) também cumpre seu papel de forma eficiente. Alvarenga Jr., que também dirige o já citado “Força-Tarefa”, aqui trabalha em terreno conhecido, já que firmou um estilo estético na parceria com os autores, desde 2001. O diretor consegue um resultado mais bem sucedido e orgânico do que na série policial. O saldo é que há muito que um programa não nos deixa preso em casa, em plena sexta-feira à noite.

Dica de Música: “Matizes” (Djavan)




A caixa e o outro

“A caixa” é um filme de premissa curiosa, de realização oscilante e de conclusão satisfatória. A trama lança uma pergunta um tanto perturbadora: o que você faria se lhe entregassem uma caixa com apenas um botão e, se você o apertasse lhe deixaria milionário, mas, ao mesmo tempo, tirasse a vida de alguém que você não conhece? Norma Lewis (Cameron Diaz) é uma professora e seu marido, Arthur (James Marsden,em interpretação notável), é um engenheiro da NASA. Eles e o filho formam uma família que leva uma vida normal morando no subúrbio. O filme começa em 1976, Virginia. As coisas ganham novos rumos quando um misterioso homem aparece com a proposta tentadora. Norma e Arthur têm apenas 24 horas para fazer a escolha. O filme mantém um ar de suspense setentista (contemporâneo à sua história) e a esperta direção de Richard Kelly manipula bem os códigos do gênero para instaurar um clima de paranóia, condizente com o andamento dos acontecimentos. O roteiro vacila na confluência de suas pretensões filosóficas com a narrativa clássica de sua natureza. Cameron Diaz, sempre muito subestimada, mostra-se cada vez mais versátil em sua interpretação (reparem em seu impressionante processo de mutação cênica em filmes como “Um domingo qualquer”, “O casamento de meu melhor amigo” e “Quero ser John Malcovich”), tornando-se um dos pontos altos da produção. Poderia dizer que o filme vale mais como peça de variedade discursiva hollywoodiana do que por usa relevância me si.

Dica de Música: “Cymbal rush” (Thom Yorke)