segunda-feira, 27 de abril de 2009

Pelos poderes de Cannes !

Maio, para os cinéfilos, é um mês de grandes expectativas, já que é quando acontece o Festival de Cannes. Isso porque ocorrem estréias esperadas de diretores dos mais prestigiados na cena atual. Ano passado, pudemos acompanhar como a crítica mundial, presente no evento, reagiu (mais negativa que positivamente) ao ótimo “Ensaio sobre a cegueira” de Fernando Meirelles. Assim como Clint Eastwood, deu início a trajetória de seu “A troca”, com a musa, Angelina Jolie.
Este ano, na seleção oficial, está o novíssimo filme de Almodóvar “Abrazos Rotos”. O cineasta espanhol, que há cerca de três anos havia passado por Cannes com seu filme anterior, o passional e divertido “Volver”, retorna ao balneário com este filme que – segundo a crítica espanhola – evoca o bom e velho Almodóvar de sempre.
Ainda na competição, Lars Von Trier (“Dançando no escuro”) lança o seu “Anticristo”. Qualquer coisa que o diretor lance virá sempre acompanhado de certa celeuma no meio. Se bem que seus últimos lançamentos foram bem desanimadores.
O grande Ang Lee (“Brokeback Mountain”) é outro que aparece na lista com “Taking Woodstock”, uma história ficcional sobre o festival histórico. Aliás, “Just, Caution”, seu longa asiático anterior, ainda está sem previsão de lançamento por aqui, quase dois anos depois de lançado lá fora. Esses distribuidores...
Destaco ainda o retorno de Jane Campion, com “Bright star”. Campion é uma diretora esquisita. Depois de despontar para o mundo com o belíssimo “O piano”, no distante ano de 1992, nunca mais conseguiu se recolocar artisticamente. Seu último filme de destaque foi o desastroso “Em carne viva”, na verdade, um exercício hedonista para que Meg Ryan provasse (para si) que havia cinema além das comédias românticas novaiorquinas. Será que “Bright star” servirá como redenção para a diretora?
Entre os selecionados, há ainda a presença de veteranos europeus, como o inglês Ken Loach (presença constante no Festival) com "Looking for Eric" e Alain Resnais com "Les Herbes Folles".
Mas o que o mundo (cinematográfico ou não) mais espera, é a estréia de "Bastardos Inglórios" de Quentin Tarantino. Pode-se dizer que o cineasta americano é cria de Cannes, pois foi no próprio festival europeu que ele despontou para o mundo com o eletrizante “Pulp Fiction”. Tarantino é uma espécie de Andy Warhol do cinema: uma profusão de referências que ajudam a definir o ideário da cultura pop. Esse empirismo não tem nada de inconseqüente, pois a base de sua obra é criar universos próprios, e nisso ele nunca erra. É pela substancial imprevisibilidade de filmes como “Kill Bill 1 e 2” que compreendemos o que gravita pelas mentes geniais de nerds confessáveis, como o Tarantino. Inexplicavelmente, ainda não fora lançado nos cinemas do país, seu último filme, “À prova de morte”, que junto com o filme “Planeta Terror”, de Robert Rodriguez, integrava o projeto “Grindhouse”.
"Bastardos Inglórios", que é estrelado por Brad Pitt, é um filme que fala sobre a segunda guerra e o nazismo alemão. Um tema estranho ao mundo “Tarantinesco”. Pelo virtuosismo do trailer, que caiu na internet, percebemos que esse casamento promete.
O Brasil também marcará presença na Riviera Francesa, com "À deriva"(foto abaixo), do cineasta Heitor Dhália, que será apresentado na mostra competitiva, “Um certo olhar”, que conta a história de uma jovem que descobre, na adolescência, as infidelidades do pai. O filme conta com os internacionais Vicent Cassel e Camille Belle, além de Débora Block. Dhália só tem três filmes, mas já se destaca pelo talento em dar forma às angustias pessoais de seus personagens, como vimos em “Nina” e “O cheiro do ralo”. É o Brasil muito bem representado em Cannes.
Então, é aguardar para ver como o Festival vai receber tamanha expectativa cinéfila.

Obs: O grande prêmio Vivo de Cinema foi para “Estômago”. Foi de certa forma merecido, pela qualidade do filme, como um todo. Discordo imensamente com o prêmio de melhor ator dado a Selton Mello (não por ele, mas por achar que seu “Johnny” era repetição de seus tiques em personagens anteriores). Também foi de estranhar que “Linha de passe” de Walter Salles, não tenha ganho, absolutamente nada. Mas foi uma premiação, na medida do possível, justa.


Dica de música: “Trem da juventude” (Paralamas do Sucesso)



quarta-feira, 22 de abril de 2009

Entre a cruz e a bandeira



No clímax de uma das cenas mais importantes do filme “Sobre meninos e lobos” (2003), um personagem, deixando o instinto agir sobre a razão, diz: “Nossos pecados, nós enterramos aqui”. E ali, entendemos que não são aqueles fins que justificam os meios, afinal, a vida é feita de intermináveis meios.
O cineasta Clint Eastwood, diretor desta obra-prima, baseada no livro de Dennis Lehane, sabia muito bem no que consistia aquela frase. Aliás, toda a sua obra – seja como ator ou diretor – sempre procurou radiografar esses meios que justifica o todo. Se, em seu início de carreira, ele fazia parte da alegoria da bravura com seus westerns setentistas, depois, sofisticando-se pela esquizofrenia de seu célebre Dirty Harry, ao longo dos anos, e acompanhando a vertente revisionista de seus EUA, Clint procurou relativizar o seu papel icônico no cenário político americano, utilizando para isso o que sabe fazer melhor: o seu cinema. Agora, ao lançar dois novos filmes: “A troca” e “Gran Torino”, do início do ano para cá, o diretor confirma esse papel e ainda comprova a sua boa forma artística ao persuadir reflexão de seu soturno universo analítico.
“A troca”, assim como ocorreu com ótimo “Erin Brocovick” de Soderbergh, vem sendo acusado de ser um mero veículo para uma atriz ganhar o Oscar, no caso, Angeline Jolie. Mas isso é uma grande tolice. O filme, que remonta a verídica história de uma mulher que luta para descobrir o paradeiro de seu filho desaparecido, nos anos 20, é sim um veículo, mas para a reafirmação do talento de Eastwood na firmeza com que conta suas tramas. Como é de praxe em seus filmes, o cineasta utiliza uma fotografia escurecida, como que para passar ao expectador o seu discurso, pela perspectiva das sombras, que ilustra o desespero daquela mãe. Ainda que mire suas críticas para diferentes alvos sociais, a trama se esgueira de maniqueísmos, conseguindo com isso uma interessante assimilação com a protagonista, muito bem defendida por Jolie, fazendo desaparecer seu DNA de Marilyn Monroe em favor de uma persona mais Jackie Onassis. Atriz e diretor convergiram para a contenção emotiva de suas escolhas cênico-narrativas, e isso é de grande importância para a dignidade dos sentimentos dolorosos retratados na tela.
O fel desta vez, é derramado sobre as bases sociais de um Estado. Para os mais atentos, vemos ali uma crítica a Guantánamo. E vemos também, que um “happy end” pode ser, paradoxalmente, de uma tristeza arrasadora.
“Gran Torino” seria, por assim dizer, o resultado do caminho que Clint vem seguindo ao longo dos anos. É um filme-síntese, por isso até perdoamos alguns deslizes dele. Contando a historia de um veterano da Guerra da Coreia, que se vê obrigado a conviver com seus vizinhos, imigrantes asiáticos, o filme metaforiza uma nação xenófoba, que se vê levada a olhar para si para entender que sua posição no mundo, não compreende limitações geográficas. A figura de Eastwood no filme – que interpreta o protagonista Walt – é o retrato da decadência dos heróis que um dia o próprio deu vida, para enaltecer a prepotência de sua bandeira.
Olhando a produção com uma boa dose de cinismo, percebemos que para estruturar esse discurso, Clint procurou soluções primárias. O roteiro peca por (muitas vezes) procurar soluções fáceis para dar um sentido àquilo que ele defende em prosa. É um desvio perdoável, uma vez que a representatividade do filme grita mais alto que sua forma. Essa representatividade é o que vem definido a cinematografia recente do cineasta, de “Bronco Billy” a “As pontes de Madison”; de “Unforgiven” a “Cartas de Iwo Jima”. O denominador comum? Os meios como justificativa tanto para princípios, quanto para fins. E foi entendendo a importância dos meios, que Clint Eastwood desenterrou os pecados de um ideário republicano e ultrapassado.


Dica de Música: “Gran Torino” (Clint Eastwood e Jamie Cullun)



quarta-feira, 8 de abril de 2009

Inversões Siamesas


Uma exposição de arte pode ter efeitos surpreendentes para um visitante. Parece papo de “Revista Bravo!” mas é verdade! Neste final de semana, fui assistir a exposição “Osgemeos I Vertigem”, dos irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, no CCBB, e cheguei a algumas conclusões interessantes. Sempre tive uma atração especial pela dualidade, decadência e redescoberta, que gravitam lugares como a Lapa, aqui no Rio e a região do Soho, em Nova York. Dualidade essa, que se transforma numa interessante multiplicidade de pessoas e coisas que estão por ali. E a exposição me fez elucidar esse meu fascínio.
Os irmãos, artisticamente conhecidos apenas por “Os gêmeos”, redefiniram o conceito de pintura em grafite, transformando em arte suprema, uma expressão relegada aos signos da marginalidade. Naturais da periferia de São Paulo, os rapazes construíram uma carreira promissora, levando seus trabalhos para países como Eua, Alemanha e Cuba. Inclusive, ano passado, eles deixaram sua marca na fachada do Tate Modern, em Londres, para a badalada exposição “Street Art.
Como foi escrito em um dos murais da exposição, a arte desses rapazes é sintetizada pela rajada de um jet de spray. Os desenhos, basicamente, possuem um gracejo de crítica social, mas sem a formalidade do discurso. As cores e o trabalho artesanal de seus quadros, imprimem o baú de referências que ditam a produção final dos dois. Há muita interatividade nas instalações presentes: é bem bacana uma casa, praticamente alegórica, onde se pode entrar, sentar, enfim, interagir. Há outras instalações interativas remetendo a sonoridade e o exercício do hedonismo (!).
Apesar de já conhecer o trabalho desses rapazes há algum tempo (e ser, assumidamente, fã), nunca havia visto uma exposição deles. Talvez por isso não tenha “linkado” que, se hoje jovens e artistas buscam o novo no velho, como vemos na ascensão dessas regiões que citei no início (e em outras, como a redescoberta da região central da França, pela nova geração) isso é resultado de uma incessante busca pela redefinição de velhos conceitos. Afinal, no terreiro de Madame Satã, hoje passeiam as patricinhas do Alto Leblon. E, através de uma “pichação” estilizada, Os Gêmeos se posicionaram como grandes nomes da renovação das artes plásticas do planeta.


Dica de música: "Valerie" (Amy Winehouse)

terça-feira, 7 de abril de 2009

O estandarte carioca !

Antes tarde do que nunca. Estou para postar esse comentário há algumas semanas, e, só agora consegui terminá-lo. É que saiu a listagem anual com os dez melhores filmes de 2008, segundo a Associação de Críticos de Rio de Janeiro (ACC-RJ). Trata-se da visão dos críticos para os principais veículos de comunicação da cidade, sobre o que passou pelos cinemas no ano passado. “Onde os fracos não têm vez” dos irmãos Joel e Ethan Cohen, foi considerado o melhor filme de todos .
Gosto do filme. Aliás, qualquer filme dos Cohen é digno de atenção pela forma peculiar e original de filmar suas improváveis tramas. Esse filme, baseado no difícil livro de Cormac McCarthy, consegue provocar uma espécie de tensão pitoresca no expectador, principalmente pela arrepiante performance de Javier Barden. Apesar das qualidades, não o considero o melhor filme de 2008. É um bom filme, mas não excelente: Os Cohen reverenciam demais o ranço literário da história, o que fica notório em seu desfecho, quando o discurso – expansivo em seu conteúdo – fica limitadíssimo na forma.

“Sangue Negro” também é um trabalho de autor, já que o singular cinema de Paul Thomas Anderson não tem como ser avaliado de forma diferente. A trajetória de um homem e sua co-relação com o petróleo descoberto, é contada de forma impactante pelo cineasta. As reflexões levantadas, espelham o estado de espírito político de um país (Eua) tão conflituoso quanto seu personagem principal. Daniel Day-Lewis é tão eloqüente, na defesa de seu protagonista, que até hoje me pergunto se o filme é bom por causa do ator ou o ator tem aquela (oscarizada) performance por causa do poder do filme.

“Não estou lá” se propõe a fazer um painel evolutivo da vida do cantor Bob Dylan, através das mensagens de suas músicas. Não gosto do filme, apesar de reconhecer sua ousadia. O diretor Todd Haynes até fez um interessante ensaio sobre a obra desse artista, mas limitou essa ousadia aos fãs (“clubes”) dele. Portanto, acaba que seu hermetismo enfraquece o alcance a um público mais amplo.

“Estômago” de Marcos Jorge, como já disse num post anterior, tem um roteiro primoroso. A produção é de uma simplicidade artística interessante, e a direção de Marcos – segura e apaixonada – confere uma áurea cult ao projeto. Protanizado por um João Miguel muito à vontade, o filme merecia carreira melhor nos cinemas.

“Vick Cristina Barcelona” é mais um filme que vem para derrubar a (tola) teoria de que Woody Allen havia perdido o senso criativo de seus filmes das décadas de 70 e 80. O filme, nada mais é, que uma observação saliente das relações amorosas na modernidade. O sarcasmo Woodialliano ainda está calibrado para refletir as gerações futuras e manter-se relevante. Dos sete filmes que vi, dessa lista de dez, é, sem dúvida, o melhor e mais interessante de todos.

“Wall-E”, trata-se de uma animação que respeita a inteligência do público, independendo da faixa etária. O diretor Andrew Stanton já é um expert nessa façanha, principalmente, ao aliar um roteiro espirituosamente crítico com um depuramento visual atraente. Creio que a principal razão dessa animação estar na lista, além da qualidade, é a ousadia narrativa que o filme oferece. Uma pérola improvável.

“O escafandro e a borboleta” de Julian Schunabel, é dos melhores filmes da safra atual do cinema francês. A história verídica do ex-editor da Revista Elle, que fica tetraplégico, e precisa se comunicar com o piscar dos olhos, é uma aula sobre o sentido de sobrevivência e o afeto que isso pode resultar. Schunabel foge do comodismo de uma narrativa comum de biografia, para emoldurar sua fábula, dando ênfase, não na apresentação de uma trajetória, mas na construção uma história de vida.

Os outros filmes citados são “Antes que o diabo saiba que você está morto” de Sidney Lumet; “Queime depois de ler”, também dos irmãos Cohen e “Paranoid Park” de Gus Van Sant. Três filmes de diretores que gosto bastante, mas que, infelizmente, não os assisti ainda. E não posso deixar de salientar que senti muito a ausência dos filmaços “Batman – o cavaleiro das trevas” e “Desejo e reparação” (que acho que deveria ter ganho o Oscar do ano passado).
Para quem ainda não assistiu, ficam as dicas desses filmes.

Dica de música: “Kiss from a rose” (Seal)







segunda-feira, 6 de abril de 2009

O sangue de Che Guevara tem poder?

“Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder. Ideologia, eu quero uma pra viver.”
Os anseios geracionais que um inquieto (e genial) Cazuza professou em “Ideologia”, na década de 80, nos dão uma noção da ingenuidade revolucionária que fez parte da vida (política) de Che Guevara. Ingenuidade essa, vista pelos cínicos olhos dos tempos atuais, onde o capitalismo alcançou sua suprema forma de ser.
Nada mais pertinente que, em tempos de violenta recessão econômica (e com o próprio capitalismo sendo questionado), estar, enfim, chegando aos cinemas o filme “Che – o argentino”. Primeira parte do aguardado filme (em duas partes) do diretor Steven Soderbergh.
A produção remonta a trajetória política de Guevara, dando ênfase à tomada de Cuba para a recuperação nacionalista de seu país. Soderbergh, como fez em “Traffic”, imprime uma narrativa fragmentada, tracejada por diferentes planos estéticos de fotografia. Aliás a forma como ele inicia o filme, em preto e branco, com Che sendo entrevistado por um programa na América, dá a tônica do que o filme apresentará até o fim.
Benício del Toro é o que eu chamaria de Sean Penn da América Latina, dada a sua total entrega (inclusive psíquica) aos personagens que faz. Ao incorporar a figura mítica de Che, ele busca (e consegue) a verossimilhança icônica do personagem, que o próprio filme, como um todo, não consegue. Pelo menos para alguns.
“Che – o argentino” é mais um filme brilhante de Soderbergh, em termos puramente cinematográficos. É de se admirar a segurança com que o diretor maneja toda a complexidade do roteiro. Fora o trabalho dos atores, que fica sempre muito acima da média (e, mais uma vez, temos uma performance ricamente equilibrada de Rodrigo Santoro, interpretando Raúl Castro, irmão de Fidel). Mas o que incomoda na produção é o quanto o filme é eclipsado pela mitologia de seu protagonista. Che Guevara não está ali para ser questionado ou discutido. Toda a trajetória do líder político é apresentada, praticamente pela tela de um relicário, dada a recorrente canonização que se estabelece ao que é retratado na tela. E aí que o filme expõe sua fragilidade devocional ao mito: o aspecto humano é substituído pelo viés heróico (e romântico) de um homem que, antes de figurar em bottons e camisas, sangrou e fez sangrar em seu passado conhecidamente referencial.
Por isso, a ingenuidade de Cazuza não está em acreditar que uma ideologia lhe daria uma direção, mas sim, por talvez não ver que essa ideologia pode ser perigosa quando uma geração não a canta em uníssono.


Dica de Música: “Al outro lado del río” (Jorge Drexler)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Oscar e progresso

Na próxima semana (dia 14 de abril) acontecerá a entrega do troféu Grande Otelo – o Oscar tupiniquim – no Grande Prêmio Vivo de Cinema, aos melhores filmes nacionais de 2008. Apesar de não amplamente divulgada, o Brasil possui (assim como Hollywood) uma Academia de Artes Cinematográficas, que respalda essa premiação. A meu ver, seria interessante para o evento (e sua consolidação) que fosse coberto pela Tv aberta, mas só será passado no Canal Brasil (Net).
Ao longo dos anos, diferentes patrocinadores foram alternando-se na nomenclatura da premiação, o que acabou por fazer com que a mesma não tenha uma identidade forte com o grande público. Nos últimos anos, essa operadora de telefonia tem se mantido constante no posto, o que parece ser fator decisivo para a regularidade da festa.
Os indicados a melhor filme são: “Ensaio sobre a cegueira” de Fernando Meirelles; “Linha de passe” de Walther Salles e Daniela Thomas; “Estômago” de Marcos Jorge; “Meu nome não é Jhonny” de Mauro Lima e “O banheiro do Papa” de César Charlone e Henrique Fernandez.
“Ensaio sobre a cegueira”, para mim, é o mais ousado de todos, em termos tanto artísticos, quanto técnicos (com o conhecido apuro estético de Meirelles). Por isso, é o melhor dos cinco. Claro que, por não ser um filme com DNA 100% brasileiro, dada a sua subvenção financeira partir de países como Japão e Canadá, possa perder um pouco na avaliação final. É um filme lamentavelmente incompreendido, pois a opção do cineasta em evocar a metáfora de José Saramago de forma estéril e desglamourizada,não foi digerida facilmente tanto pelo público (americano, onde o filme foi fracassado, ao contrário daqui, onde cravou mais de 1 milhão de espectadores) e crítica.

“Linha de passe”, é mais um excelente laboratório social da dupla Walther Salles e Daniela Thomas. Mais complexo que a obra maior de Salles (“Central do Brasil”) e mais bem acabado que a última contribuição dos dois (“Terra estrangeira”), esse filme mostra o quanto essa parceria evolui na radiografia de um Brasil imerso em suas próprias contradições sociais. Um belo filme, com chances reais de sair premiado.

“Estômago” se destaca como um dos roteiros mais interessantes do cinema brasileiro. Marcos Jorge demonstra destreza ao sublinhar a construção do poder num indivíduo, com humor negro e, paradoxalmente, sofisticado.

“Meu nome não é Johnny” é o elo mais pop dos cinco indicados. O diretor Mauro Lima fez um filme correto, mas com uma energia impressionante. Acho que Selton Mello se repete um pouco dando vida ao personagem, mas, ao alinhar o desfecho de seu filme, Lima mostra que não existe gratuidade na adrenalina de seu cinema.

“O banheiro do Papa”, outra co-produção brasileira, só que com países da América Latina e França, eu não vi inteiro, mas a improvável história de um homem que constrói um banheiro para o possível grande número de fiéis que compareceriam a visita do Papa a uma pequena cidade que faz fronteira entre o Brasil e o Uruguai, é bem simpática, com cara de sessão da Tarde de luxo.

Dos indicados a melhor ator: João Miguel (“Estomago); Seltom Mello (“Meu nome não é Jhonny”); César Trancoso (“O banheiro do Papa”); Ary Fontoura (“Guerra dos Rocha”); Stepan Nercecian (“Chega de saudade”) e Wagner Moura (“Romance”); torço para o domínio cênico de João em “Estômago”. O ator consegue imprimir credibilidade à mudança que seu personagem sofre do início para o fim do filme. Nercecian e Wagner, também estão muito bem em seus papéis.
Para melhor atriz – Cássia Kiss (“Chega de saudade”); Cláudia Abreu (“Os desafinados”); Darlene Glória (“Feliz Natal”); Leandra Leal (“Nome próprio”) e Sandra Corveloni (“Linha de Passe”) – fico dividido entre as três últimas. Leandra é a entrega em pessoa no irregular filme de Murilo Salles. Sandra, dentro de seu comedimento, torna-se a alma de “Linha de passe” e Darlene Glória injeta substancialidade à família desestruturada do (primeiro) filme dirigido por Seltom Mello. Talvez ela mereça o Grande Otelo por se manter tão viva em cena, mesmo há anos longe da carreira.
Dentre os demais indicados, destaco o mesmo duelo para filme, na direção, entre Meirelles e Walther Salles/ Daniela Thomas; para ator coadjuvante, a briga parece feia entre Babu Santana (perfeito com o bandido de "Estômago"), Lúcio Mauro (“Feliz Natal”), Gael Garcia Bernal (iconoclasta em “Ensaio sobre a cegueira”) e o surpreendente Paulo Miklos (também por "Estômago"). Já atriz, deve ficar entre o charme de Alice Braga no filme de Meirelles e a versatilidade de Andréa Beltrão em "Romance".
Vale conferir essa competição, que nada mais é que um grande estímulo ao nosso cinema. Só espero que, ano que vem, não tenhamos um patrocinador com um sub-título de "dedicação total a você!"
Dica de música: "Sá marina" (Wilson Simonal)









quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sexo, política, Tv e um grande espelho

Sempre questionei bastante esses termos que definem as disparidades econômicas dos países. Se a linha niveladora é pontuada por dois extremos, chamados 1º e/ou 3º mundo, o que viria a ser (e qual critério definiria) o 2º mundo? Discussões à parte, esse nivelamento, só que num amparo cultural, é gritante na linha que separa os países desenvolvidos dos sub-desenvolvidos (no nosso caso, “país em desenvolvimento”). Não estou aqui, levantando bandeiras de que o lado mais atrasado do mundo seja culturalmente inferior, até porque em várias vertentes, estamos equiparados (ou até à frente) do primeiro mundo. Hollywood redefiniu sua indústria, pelos tripés de uma “nueva onda” latina no cinema. E, muito antes de Frank Sinatra descobrir a graça de Tom Jobim nos anos 70, praticamente toda a Europa já conhecia o assobio contemplativo da bossa nova. Isso sem falar da influência multinacional das cores de Frida Kahlo nas artes plásticas.
Esse feito, inversamente colonizador, parece não transparecer no veículo televisivo. A Tv que os países sub-desenvolvidos geralmente produzem, não acompanham esse êxito. É um veículo que se ressente do exercício da auto-crítica e, à exceção de alguns bons exemplos na tv a cabo e uma minoria na tv aberta, um incômodo predomínio da repetição de si mesma e plasticidade crítica. Não existe uma canonização generalizada da Tv do lado de lá do mundo (!). Há sim, muita porcaria, principalmente nas Tvs americanas e japonesas. A questão é que o contrário ainda é maioria e, por isso, mais representativa.
Cheguei a essa (extensa) conclusão, após fazer uma análise sobre duas das mais importantes séries norte-americanas: “Sex and the city” (que, embora tenha chegado ao fim há quase cinco anos, só agora consegui assistir a todas as seis temporadas) e “24 horas” (prestes a estrear a sétima temporada).
O nível de qualidade da moderna dramaturgia americana é realmente muito bom. São obras singulares pela inteligência e engenhosidade, tanto de tramas quanto de discursos, tornando-se emblemáticas como as citadas que, com suas particularidades, refletem o mundo em que vivemos.
“24 Horas”, que em todas as seis temporadas até aqui, manteve a qualidade estrutural de suas tramas, mergulha no realismo da política externa americana para justificar os extremos de seu herói, Jack Bauer. Buuer, em tempos pré-Obama, tornou-se o anti-herói mais polêmico da tv, uma vez que, se valendo de suas próprias leis (mas em nome de seu país),tortura e mata em favor da catarse que os herdeiros de Bush teoricamente buscam, já que a política do texano era bem semelhante àquilo que se vê no programa (que foi parar no Congresso americano pois estaria estimulando os soldados americanos a agirem imprudentemente no Iraque). E o que se vê, reproduz a urgência descabida de uma nação sem autoridade moral para conduzir sua autoridade diplomática. Só espero que a série não seja profética, já que, muito antes de se falar em Obama, nas primeiras temporadas, havia um ético presidente negro que morria em um atentado político.
“Sex and the city” poderia ser definida por Karl Marx como uma espécie de ópio perigosíssimo, dada sua inclinação agressiva ao capitalismo. Exagero. A série é um caldeirão de futilidades que se revertem em utilidades, pela dinâmica das discussões que a mesma levanta. Muito mais do que um programa que mostra o dia-a-dia de quatro amigas acima dos 30, solteiras, bem sucedidas e habitantes do microcosmo chamado Manhattan, NY, “Sex” não tem nada de superficial. Talvez por se tratar de uma visão de um determinado nicho social (e, extremamente bairrista) não gere uma identificação com o expectador comum num primeiro momento. Mas não demora muito para se ver preso aquele universo, principalmente pelo alto nível do roteiro que desvia de caricaturas e clichês modernos para mostrar que, entre grifes milionárias e restaurantes badalados, o real papel da mulher (pós-queima de sutiãs) é aquele em que a mesma se enquadrar, sem padrões determinantes. E ainda faz um verdadeiro arremedo das relações pós-modernas, despidos de qualquer moralismo e vestido de muita amoralidade (tanto no discurso, quanto na prática). Seja você homem, mulher , homo, hétero, animal , vegetal ou mineral, garanto que, pela diversidade de situações que ilustram a série, a assimilação é garantida. Se hoje, quando vemos um filme “bala Juquinha” de Audrey Hepburn, como “Bonequinha de luxo” e afins, entendemos um pouco da áurea clássica que permeava toda a década de 60, amanhã será com exemplos como “Sex and the city” (e sob sua aquarela de figurinos de Patricia Field) que relembraremos muito do comportamento de um nicho de nossa geração.

Ambas são séries que refletem o mundo pela tela desmistificada da tv. São exemplos vivos do desnível do que se vê por aqui. Não importa o gênero (seja série, seja novela...), o que é imprescindível é a qualidade do que se produz. Produções da HBO como “Mandrake”, “Filhos do carnaval” e “Alice” não podem ser só exceções. Assim como os inteligentes textos de Gilberto Braga e de Fernanda Young na televisão aberta. Mas fica aqui registrado a minha análise/desabafo quanto a isso tudo.
Obs: A Globo vai estrear uma nova série chamada “Força Tarefa”, com texto do fera Marçal Aquino (dos livros “O amor e outros objetos pontiagudos” e “Eu receberia aspiores notícias de seus lindos lábios”) e do roteirista Fernando Bonassi (roteirista do nervoso “Os matadores” de Beto Brant e do bem sucedido “Carandiru” do Babenco), com direção de José Alvarenga. É um alento a empresa querer investir em algo que não seja as costumeiras comédias com cara de Projac. O elenco é bom (tem a maravilhosa Hermila Guedes de “O céu de Suely” e o hours-concurs Milton Gonçalvez) e, apesar das chamadas nada criativas, parece funcionar, com uma trama que fala de uma corregedoria de polícia que investiga a própria polícia. Veremos.
Dica de música: "O que sobrou do céu?" (O Rappa)





quarta-feira, 1 de abril de 2009

O estranho mundo das palavras

Enfim li o livro infantil (!) de Tim Burton "O triste fim do pequeno menino Ostra e outras histórias" e me surpreendi bastante. Que Burton é um cineasta de primeira, em sua meticulosidade artística, todos sabemos, mas para mim é uma novidade seu traquejo na literatura. Engraçado que, ano passado, eu tive a oportunidade de conhecer (e me iniciar) no universo de Oscar Wilde por seu livro de contos "O príncipe feliz", onde o autor usa da sagacidade para criticar a sociedade de seu tempo. O humor corrosivo de Wilde faz com que a leitura se torne um misto de prazer e dor, ao ilustrar suas histórias impiedosamentes dramáticas.
Apesar de se propor infantil, "O triste fim do pequeno menino Ostra" também parte desse contexto crítico para deixar sua mensagem. A ironia do autor/cineasta (já vislumbrada em sua obra-prima "Edward mãos de tesoura") anda pelo terreno do lirismo para falar da relação entre os incompreendidos e seu lugar no mundo, questionando assim a noção de ingenuidade daquilo que se lê. Tim Burton pode ter dirigido esquisitices como o remake de "Planeta dos macacos" (2001), mas a sua inteligência está acima do que podemos supor. E, que venham novos livros corrosivos e filmes idem (Obs, ano que vem ele estreia nos cinemas, sua versão dark de "Alice no país das maravilhas", mais uma vez estrelado por seu alter-ego Johny Depp. É para esperar roendo unhas!!!)

Dica de Música: "Eu não sei dançar" (Marina Lima)