terça-feira, 29 de setembro de 2009

Contigo!

Tenho poucos, mas participativos, leitores habituais que me cobram (via email) comentários de determinados filmes, séries e músicas. Queria aproveitar o espaço para agradecer demais o prestígio, principalmente agora, que o blog completará 1 ano de existência, no dia 08 de outubro. Tenho recebido “reclamações” de que pouco comento sobre a programação de TV aberta, em especial as novelas. Bem, novela é um gênero em que estou mais culturalmente habituado a assistir (como todo brasileiro), do que dizer que gosto de verdade. Na real, o que sempre me incomodou é a duração de um programa dramatúrgico como esse, e certo superficialismo, sempre presente em suas histórias. Tirando as inteligentes tramas de Gilberto Braga, do qual sou devoto confesso, nem lembro bem qual foi a última novela que eu acompanhei com regularidade. Acho que foi “O clone”, de 2001, ou seja, quase dez anos atrás.
Apesar de superior a qualquer produto do gênero no mundo, as novelas brasileiras, em sua maioria, ainda rezam pela cartilha primária do conservadorismo e do clichê. Aliás, clichê é algo que se trabalha, não necessariamente se combate, afinal, você se lembra de algum filme incensado, que não tenha seu pezinho no clichê? São pouquíssimos e, que eu me lembre, diria que “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, “Laranja mecânica” e “2001: Uma odisséia no espaço”. Estes últimos são obras do cineasta Stanley Kubrick, que se notabilizou pela estética singular, mas em vários outros filmes seus como “O iluminado” e “De olhos bem fechados”, o clichê existe e é trabalhado no todo.
Dos principais autores de novelas que estão aí, destaco alguns: a coragem de Glória Perez em criar universos que saem do conforto do gênero, e interagem com o melodrama de forma eficaz. Li recentemente uma entrevista dela na “Trip” onde dizia que não há limites para a imaginação, ao criar uma história. Por mais questionável que seja esse raciocínio (que exime a noção de lógica, numa ficção) eu a acho primordial para a manutenção das novelas, ao longo dos anos. Falar sobre barriga de aluguel, internet, clonagem humana e culturas distintas, numa época em que esses assuntos praticamente inexistiam, e com um domínio, pelo menos argumentativo da coisa, é de se admirar. “O clone”, para mim, é sua novela mais perfeita, principalmente por conseguir tratar e mesclar temas tão delicados e ainda manter-se fiel a seus princípios artísticos.


Manuel Carlos, que agora está no ar com “Viver a vida” é outro autor notável, principalmente pela qualidade de seus diálogos. Pela forma como substancializa o cotidiano, poderia ser comparado a um Woody Allen, só que com mais sacarose. Seu único defeito é deixar suas (boas) histórias soltas demais na narrativa, tanto que, invariavelmente, os finais de suas novelas são decepcionantes (a questão ética do julgamento sobre a guarda de uma criança com síndrome de Down, em sua última novela, foi grosseiramente mal discutida).
Sílvio de Abreu (da antológica “A próxima vítima”) é um autor que bebe bastante da fonte da sétima arte em suas novelas, até porque ele veio do cinema. Nem sempre essa convergência é bem sucedida, mas o cara sabe alimentar um thriller de respeito nas histórias que cria.
E, por último, quem melhor sabe verter para o melodrama as complexidades humanas e sociais do país, Gilberto Braga. Suas novelas nunca decepcionam. Ninguém escreve com um nível de inteligência e amoralidade como ele. Sua visão irônica do indivíduo e seu meio, remetem a Oscar Wilde. Critica a burguesia com tamanha propriedade por fazer parte dela (nisso espelha-se a Balzac, que tanto gosta) e ainda debocha dos assistencialismos sociais de um país que adora se fazer vítima de si mesmo. Sempre falo do autor, pois sua obra é a única hoje, em linhas gerais, a fazer frente ao nível de teledramaturgias mundo afora. "Vale tudo", para mim, é uma obra-prima. Sua premissa (tão conveniente na época, em pleno período pós-ditadura) sobre o caráter, foi de uma riqueza pouco vista na TV. Não à toa, suas novelas são sempre admiradas pela intelectualidade nacional (a novela “Celebridade” foi a única a ganhar matéria na sisuda revista “Bravo”) e pela classe, verdadeiramente, artística. Já fiz um post inteiro neste blog, apontando as divergências da programações de TVs do primeiro e terceiro mundos. Essa atual análise é um fator que dimensiona aquele cenário que descrevi. O gênero novela já é complicado, pela duração excessiva e pelo ritmo industrial em que é feita, então, para que possamos gastar nosso precioso tempo assistindo-as tem que, no mínino, não brincar com nossa inteligência. Pena que só alguns poucos, têm consciência disso.



Dica de Música: "Faz parte do meu show" (Cazuza)




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