quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Duas versões do presente?


Assistindo sequencialmente às duas versões do filme “Fama” (o original, de 1980 e o remake, lançado ano passado), eu cheguei a uma indagação: Será que o mundo encaretou?
O filme original, dirigido por Alan Parker (do polêmico musical “Evita”) tinha a efervescência underground do início da década de 80 e isso conferia a trama um ar subversivo na visão sobre as ilusões juvenis de uma geração pós-libertação setentista. A própria dislexia do roteiro frente a multiplicidade de personagens, aponta para isso. Parece que Parker estava mais interessado em externar esse universo libertador, do que em focar nas histórias paralelas que gravitam o longa. Isso afeta alguns pontos, como o fato de apresentar algumas tramas bem interessantes e não desenvolvê-las. Por outro lado, as oportunidades cênicas para os atores são bem pulverizadas e aproveitadas.
Nesta nova versão, lançada quase no final de 2009 e dirigida por Kevin Tancharoen (coreógrafo e diretor de clipes de Madonna e Britney Spears) o discurso geracional é envernizado e o olhar (de certa forma) periférico do mundo, abolido. A crítica (e, pelo jeito, o público, já que fracassou na bilheteria) destruiu o filme, o que achei um exagero. Não é ruim. Em certos pontos consegue ser superior ao original, claro que com as facilidades dos tempos modernos. Na verdade, o que me incomoda é um certo conservadorismo com que o filme é levado. Óbvio que essa refilmagem foi feita para angariar o valioso público teen, carente de “High School Musical” e isso sacrifica sua natureza. Digamos que se eu fosse contemporâneo da primeira versão e fosse pautar o as coisas por esse remake,dos dias de hoje, ia achar o mundo atual bem insosso. Olhando esses dois filmes vemos que a energia jovial da época era bem mais libertária e interessante. Fora que o nível dos atores da primeira versão é muito superior à plasticidade da maiotia dos jovens atores da atual.
O novo filme tem lá seus bons momentos, inclusive a apresentação final é mais empolgante que sua matriz, mas é bem mais tragável se for assistí-la isoladamente, sem ter em mente a versão da década de 80... Se pela arte, vemos quanto o mundo encaretou (ou tornou-se pasteurizado???), tenho medo que para compreender o presente, tenhamos que imergir na realidade, em detrimento do (atual) cinema. Que medo...






Dica de Música: "Out Here on My Own" (Irena Cara)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Quem precisa de prêmios?


O resultado do “Globo de Ouro” 2009 foi bem surpreendente e, por isso, interessante, ainda que passível de discussões, como sempre. A “cerimônia” em si parece sempre mais interessante para os presentes, já que se trata de um grande jantar no pomposo The Beverly Hilton Hotel, em Los Angeles, do que para nós, simples expectadores, uma vez que os prêmios são distribuídos de forma tão descontraída que quase não parece ser televisionado. E nem ser organizado para tal. Vamos a algumas observações dos vencedores...
FIL ME (Drama): “Avatar” de James Cameron
Surpresa total. Na verdade, nem achei que fosse indicado, afinal, é um épico fantasioso, que geralmente não tem a adesão de nenhuma Academia. Se bem que os jornalistas estrangeiros, que concedem esse prêmio, sempre são mais democráticos que os octogenários do Oscar... Gostei da coragem e o filme merece.
FILME (Comédia/Musical): “Se beber, não case” de Todd Phillips
Outra surpresa. Neste caso, não tão entusiasmada. Não achei o filme essa “Coca-cola” toda (breve postarei sobre ele) que ficam dizendo; e como ainda não vi nem “Nine”, nem “Simplesmente complicado”, ficaria com o delicioso “500 dias com ela”.
DIRETOR: James Cameron
Categoria bem disputada, mas muito bem premiada, principalmente pelo êxito da ousadia.
ATRIZ (Drama): Sandra Bullock (“Um sonho impossível”)
Esse filme ainda não foi lançado por aqui e a atriz anda em um bom momento, mas meu coração bate por Gabby Sidibe e sua Preciuos.
ATRIZ (Comédia/Musical): Meryl Streep (“Julie & Julia”)
Ela é a melhor coisa desse filme chatinho à beça, e merece o prêmio só por isso. Se bem que dizem que Marion Cotillard é a alma de “Nine”...
ATOR (Drama): Jeff Bridges (“Coração louco”)
Não sei por que, mas acho que vou gostar mais da performance de Colin Firth no filme de Tom Ford “A single man”, mas Bridges é um ator respeitável.
ATOR (Comédia/Musical): Robert Downey Jr. (“Sherlock Holmes”)
Hummm será? Por esse prisma, o trabalho de Joseph Gordon-Levitt em “500 dias com ela” é até mais interessante. Mas é a categoria que menos posso opinar, já que não vi a maioria dos indicados...
ATRIZ COADJUVANTE: Mo’Nique (“Preciosa”)
Gosto bastante de Penélope Cruz, mas Mo’Nique é arrepiante em seu trabalho como antagonista em “Preciosa”.
ATOR COADJUVANTE: Christopher Waltz (“Bastardos Inglórios”)
Esse é a barbada do ano. Não tem concorrentes.
ROTEIRO: “Amor sem escalas”
Pela abordagem curiosa, é merecedor assim. Mas tenho um carinho especial pelo discurso de “Distrito 9” e o inusitado de “Bastardos Inglórios”
TRILHA SONORA: “Up – Altas Aventuras”
CANÇÃO ORIGINAL: “The weary kind”, cantada por Ryan Bingham (“Coração louco)
Nas categorias musicais também não posso avaliar melhor por não ter visto todos os filmes, mas gostei da música do U2 para o filme “Entre irmãos”.
FILME ESTRANGEIRO: “A fita branca” de Michael Haneke
E o “Globo de Ouro” confirmando a láurea de Cannes...
FILME DE ANIMAÇÃO: “Up – Altas aventuras” de Peter Docter e Bob Peterson
Mais um bom filme da Pixar, ainda que “Coraline” e “O fantástico Sr. Raposo” sejam tão merecedores quanto ele.
Não posso deixar de citar “Glee” que, como todos já sabíamos, levou o seu globo por série de TV. Merece, vai...

E como prêmios vem para complicar, não para esclarecer (principalmente para quem tentar desvendar os escolhidos ao Oscar...) a 16ª edição dos prêmios Screen Actors Guild (SAG) escolheu o meu querido “Bastardos Inglórios” como grande vencedor de interpretação conjunta. E tem mais prêmios por aí...



Dica de Música: "Toda forma de amor" (Lulu Santos)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A dor e a delícia


Corinne Bailey Rae "I'd Do It All Again"

Corinne Bailey Rae Vídeos de Música do MySpace
Em 2006 foram lançadas duas cantoras inglesas no mercado, com grande repercussão: Lilly Allen e Corinne Bailey Rae. Lilly, que surgiu após fazer sucesso em sua página virtual no MySpace, tem uma voz delicada com música e atitudes ousadas, mas sempre graciosas. Atualmente está em seu segundo cd e com muitos discos de platina na parede. Das duas citadas é a que atingiu mais popularidade, em escala mundial. Porém o meu coração bate mais forte pela sofisticação de Corinne, com sua mistura de soul, Black music e leves pitadas jazzísticas. A cantora reúne certo refinamento britânico com a pulsação negra, que a mistura de suas sonoridades propõe, nas canções e composições que canta. Por aqui, ficou muito conhecida pela baladinha “Put your records on”, que fez sucesso nas rádios e figurou até em novela das oito. Mas seu ótimo cd de estréia vai muito mais além, principalmente por não limitar suas músicas a um gênero só, ao mesmo tempo em que consegue evocar uma sonoridade bem uniforme. A simplicidade de “Like a star” justifica qualquer elogio que eu faça a cantora por aqui... Agora, após quatro anos, Corinne lança seu segundo cd de estúdio “The Sea”. Eu, assim como seus milhares de fãs, tive que ter paciência de esperar esse tempo todo, mas por um motivo bem dramático: em 2008, seu marido, o saxofonista Jason Era, com quem era casada desde 2001, foi encontrado morto, com suspeita de morte por overdose. Aos que já ouviram, dizem que a maioria das letras deste novo cd trata (lógico) sobre dores e perdas, o que pode, diferente de seu trabalho de estréia, resultar num cd mais melancólico. O primeiro single “I’d do it all again” mostra bem esse estado de espírito latente. Mas a canção, assim como seu clipe, é belíssima e comprova que Corinne Bailey Rae veio mesmo para ficar. E fica mais difícil querer me aprofundar em Lilly Allen.

Se chorei ou se sofri...

“Acima de inúteis expectativas
Ridicularizado pelos deuses
E agora o lance final
O amor é um jogo de azar”

Esse trecho da tristíssima canção de Amy Winehouse “Love is a losing game” resume (muito) bem o filme “Amantes”, novo filmaço do cineasta promissor James Gray (“Caminho sem volta” e “Os donos da noite”). Apesar de seus títulos (tanto o original “Two Lovers”, quanto o brasileiro) remeterem ao gênero romântico (o que não é um demérito, pois soa até irônico) o filme é um drama humano bem mais universal, principalmente por ser protagonizado por um homem, o que já confere uma retórica aos exemplares recentes. A maneira como o filme destrincha sua trama, busca suplantar a conhecida premissa do homem dividido entre duas mulheres, pela sinceridade que se estabelece entre o amor por fuga e por compensação. É quando o sentimento se revela tão cruel quanto assimilável. O ator Joaquim Phoenix dá vida ao (literalmente) atormentado Leonard, recém saído de uma relação traumática, onde fora abandonado por incompatibilidades. De tradicional família judaica, Leonard é cooptado pelos pais a se aproximar de uma pretendente da mesma comunidade. Ao mesmo tempo em que conhece uma vizinha (interpretação luminosa de Gwyneth Paltrow) com tormentos emocionais tão ou mais profundos que o dele. A aproximação entre os dois é imediata e o conflito está estabelecido.
Muito mais do que contar os revezes de um triângulo amoroso, Gray está interessado em investigar as profundezas dos sentimentos humanos. E o filme procura isso: questionar as certezas que temos (ou queremos ter) daquilo que seus personagens sentem. Ou seria carência àquilo que pensamos ser amor? As escolhas que fazemos são certezas ou compensações?
Phoenix divulgou que esse seria seu último filme como ator, já que agora que se dedicar a carreira de rapper (!!!). Sua sanidade vem sendo questionada desde suas últimas aparições bizarras, como na já clássica participação no programa de David Letterman. Por isso, nem sei se a precisa atuação dele no filme é uma interpretação ou ele mesmo (!). Destaco também a surpreendente aparição (totalmente desglamourizada) de Isabella Rosellini, que faz a mãe judia de Leonard com dignidade, e a fotografia de tons soturnos, que dá a impressão de isolamento, tão presente em cada personagem do longa.
“Amantes” figura ao lado de “Closer”, “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, “Match Point”, Fale com ela” e “Antes do pôr do sol”, como um dos grandes dramas humanísticos (travestidos de simples romances) da década.
Amy Winehouse tinha razão...


Dica de Música: "Love is a losing game" (dela)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

The Best 2009 !!!

Como bom aspirante a jornalista, eu adoro listas. Seja para contestá-las ou para conhecer níveis de variações, as listas são sempre um bom termômetro (ultra questionável) de um cenário, no nosso caso, cultural. O hypado autor inglês Nick Hornby (de “Alta fidelidade”) já escreveu uns dois livros só sobre o tema (muito ligado a música), gerando grande repercussão. Tenho recebido alguns emails cobrando uma lista com os melhores filmes de 2009. É dificílimo chegar a uma conclusão final, fora que tiveram grandes filmes lançados ano passado que não consegui assistir, como o novo de Alan Resnais “Ervas daninhas”; os últimos ganhadores da Palma de Ouro “Entre os muros da escola” e “A fita branca”, respectivamente; o filme-sensação “Apenas o fim”, do promissor Matheus Souza e os vários documentários musicais que foram muito incensados por aqui. Isso sem contar a grande sensação sueca “Deixa ela entrar”. Por isso, não se trata de uma lista definitiva, mas um panorama daquilo que mais conseguiu me atrair durante todo o ano passado. Geralmente por conjugar bem a aritmética de emoção, inteligência e reflexão.
Obs.: A ordem dos 15 filmes é aleatória.
Foi apenas um sonho
Depois de colocar uma lente de aumento no modo de vida americano, em “Beleza Americana”, o diretor inglês Sam Mendes investiga o abismo que pode existir entre duas pessoas que se amam. E um dos mais belos trailers já feitos, com canção de Nina Simone... Filmaço.

Dúvida
Um filme que discute as ramificações da ambigüidade conseguindo com que nós mesmos relativizemos nossos valores. Maravilhoso.

Milk
Cinebiografias acabam sempre caindo no clichê do didatismo histórico, só que Gus Van Sant não é um cineasta de filmes-clichê, e esse filme tem um alcance bem mais amplo do que podemos supor.

Watchman
Uns odeiam, outros veneram. Eu o considero como uma evolução significativa aos filmes de heróis de HQs. É ousado, é amoral e um dos melhores do gênero.

O casamento de Raquel
É disparado o melhor filme sobre a desmitificação do conceito de família já feito nos EUA. Casa de ferreiro...

A festa da Menina Morta
Matheus Nachtergaele, em sua estréia como diretor, mantém o alto nível de seu trabalho como ator, num filme que investiga as bases da fé entregando cenas tão belas quanto chocantes. Promete...

Frost/Nixon
Com esse filme, Ron Howard não só provou que consegue fazer um filme decente, como verteu um fato político do passado em parábola do presente.

Amantes
Não é um romance. Não é um drama. É um dos filmes mais cruéis que já foi feito. Do que trata? De relações humanas, sob a ótica da imperfeição.

Avatar
A ambição de James Cameron era fazer literalmente um grande filme; e acabou conseguindo revolucionar a História do cinema. Mais uma vez.

Abraços Partidos
É até um filme irregular, mas frente a obra do próprio autor. Frente aos demais, é, sem dúvida, uma das melhores experiências cinematográficas de 2009.

Distrito 9
Melhor do que um eficiente blockbuster panfletário, o filme injeta sangue novo e criativo na atual seara Hollywoodiana.

É proibido fumar
A diretora Anna Muylaert provou que existem caminhos que o cinema brasileiro ainda precisa desbravar para se impor no cenário mundial. Um dos filmes mais inteligentes do nosso cinema.

Bastardos Inglórios
O que Quentin Tarantino foi fazer em plena Segunda Guerra ??? Mostrar que seu liquidificador de referências, além de genial, é atemporal.

Inimigos Públicos
Está para nascer um filme de Michael Mann ruim... E neste, onde procurou tratar do “gênero gangster” com um misto de elegância e crueza, a excelência é mantida à regra.

Simonal... Ninguém sabe o duro que dei
Um dos grandes responsáveis pelo bom momento dos documentários musicais no país. Se bem que a inusitada história de vida de Simonal ajudou muito...
Dica de Música: "Fidelity" (Regina Spektor)





























































































sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Achado...

Eu nunca vi uma série como “Lost”. Em todos os níveis. Nunca uma série gerou tanta discussão, tanta devoção, tanta rejeição, enfim, nunca uma série americana foi tão presente na cultura pop de uma geração. Eu mesmo, já tive uma relação de amor e ódio com o programa, até compreender que realmente não se trata de um produto de fácil absorção. Comecei muito interessado, depois achei cansativa e sem foco, até que a redescobri através dos boxes (por insistência de uma amiga, a quem agradeço) e pude “reapaixonar-me”. Criado pela tríade formada por J.J. Abrams (e sua mente insana), Jeffrey Lieber e Damon Lindelof, “Lost” realmente frustra àquele que espera por uma história que apenas procura decifrar o que é, de fato, aquela ilha misteriosa. E talvez até seja essa a grande reclamação de seus detratores. Mas a série vai muito mais além do jargão “o que é?”. Para quem está acompanhando e, nesse momento, está se contorcendo de ansiedade para a estréia da sexta e última temporada, sabe que o que a série tem a oferecer é uma história muitíssimo bem amarrada (ainda que muitas pontas ainda estejam soltas), com uma qualidade dramatúrgica impressionante, com diálogos e atuações de primeira linha (O que são as atuações dos atores Michael Emerson e Elisabeth Mitchel?) e uma sagaz capacidade de surpreender a cada episódio. Mas para compreender essas qualidades, realmente é necessária certa dose de paciência, pois ao longo de suas cinco primeiras temporadas a ousadia dos roteiristas são tão bizarras, que muitas vezes nos indagamos sobre o que estamos vendo na tela.
Desde pequeno sempre tive a intenção de tornar-me um escritor, seja em literatura, seja em roteiros. E uma grande lição que “Lost” me passou foi que uma dose de loucura e insanidade é muito importante para uma boa história. E a série é isso: resultado de um devaneio, muito bem embasado que mexe com nosso raciocínio e nos impulsiona a pensar. E não há nada de pretensioso nisso. Há sim uma boa dose de inteligência direcionada a cultura de massa. E que seja bem vinda.
O que motivou esse post é que, além de estarmos próximos da estréia da derradeira temporada, prevista para o início de fevereiro, que tem a difícil missão de explicar todas as perguntas que estão sem respostas desde sua estréia, em 2004, também porque acabei de assistir (quase que na íntegra) a quinta temporada (pois é, estou sempre atrasado nas séries) em DVD, e, ao fim do último episódio só posso dizer que fiquei desorientado. Esses roteiristas tem uma capacidade surreal de conduzir suas tramas, o que só torna qualquer tentativa de compreensão mais engenhosa, e ao mesmo tempo mais estimulante.
Se você anda sentindo a TV meio chata e sem criatividade, assista (e acompanhe) “Lost” para ver que nem sempre ficar perdido é um mal sinal, muito pelo contrário....
Obs: Pode parecer, mas esse não é um “Informe Publicitário” (Quem dera...) apenas um relato de um admirador de boas histórias.


Dica de Música: "My cherry amour" (Steve Wonder)

Sínteses...

A decisão da Rede Globo em produzir suas tradicionais minisséries de janeiro, mais curtas, onde casa a boa demanda de anunciantes com uma economia de custos, é acertada, mas perigosa. O poder de síntese é tão complicado quanto o contrário. Ano passado, com a minissérie “Maysa”, esse recurso foi muito bem aproveitado pelo autor Manuel Carlos que procurou condensar a vida da artista, sob os aspectos emotivos que a regiam, o que já geravam grandes conflitos por si só. Daí o grande êxito no resultado final.
Esse ano foi a vez da autora Maria Adelaide Amaral mostrar (mais uma vez) seu trabalho com “Dalva e Herivelto”, e o saldo ficou bem irregular. É inquestionável a qualidade técnica da minissérie, com uma direção de arte impecável e figurinos notadamente adequados ao período retratado. O diretor Dennis Carvalho também comprova sua experiência, buscando um aprimoramento na fotografia e direção de cena (com o auxílio luxuoso da dupla Cláudio Botelho e Charles Müller na direção dos musicais no Cassino da Urca). O grande problema é o roteiro, carente de dramaturgia e que se sustenta em repetitivas cenas de brigas, muitas vezes sem qualquer contextualização. Tudo bem que a vida conjugal do casal foi marcada pelos atritos constantes, mas na transposição para a ficção é quase um pecado tratar disso de forma tão episódica. Para usar como exemplo, numa cena em que a cantora beija um cantor argentino para vingar-se no marido, é nítida a superficialidade com que isso é tratado, sem nenhum pingo de conflito, meio que fora escrito só para evocar mais uma homérica briga do casal. A autora Maria Adelaide Amaral, que escreveu a maioria das minisséries “globais”, costuma pecar sempre pelo didatismo com que apresenta seus fatos históricos. À exceção de “Os maias” e “A muralha”, todos os seus trabalhos seguintes sofreram desse mal, com “Um só coração” (que retratou a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922) sendo o caso mais gritante. Em “Dalva e Herivelto” esse defeito foi sufocado pelos poucos capítulos, mas em compensação, a autora não soube expandir àquelas histórias de vida de forma mais propositiva.
Adriana Esteves (que redefiniu sua carreira com esse trabalho) e Fábio Assunção estão perfeitos na composição do casal, assim como o bom elenco de coadjuvantes, como Leona Cavalli e Thiago Fragoso.
Apesar desse deslize, foi uma minissérie muito bem produzida e que reacendeu um período áureo de nossa História, que vale a pena ser explorado.
Dica de Música: "Minha flor, meu bebê" (Cazuza)

Velhos prismas

Um cineasta vira grife quando sua obra não só fala por si, como também se auto justifica. Bertollucci é um exemplo perfeito: “Assédio”, seu filme de 1998, é asséptico frente à força estética do cineasta, mas ainda assim se insere no contexto “Bertolluciano”. Pode parecer conformismo diante de nomes intocáveis do cinema (nem sou um grande fã de Bertollucci), mas é apenas uma constatação de que talento e sensibilidade suplantam certas irregularidades em obras de gênios. E isso é ratificado com o lançamento do novo filme de Almodóvar “Abraços partidos”. Com exceção de “A flor do meu segredo” (1995), que eu não consigo gostar de jeito nenhum, todos os filmes de Almodóvar são invariavelmente acima da média. Seu domínio de suas cores e extremos (formais e afetivos) nos joga num turbilhão de sentimentos humanos, que revela o quão somos homogêneos frente às invariáveis da paixão. Mútua ou platônica.
“Abraços partidos” mostra um homem que perde a visão e a mulher da sua vida em um acidente de carro. Depois do desastre, ele passa a viver apenas sob o pseudônimo com o qual assinava obras literárias e roteiros, esquecendo-se de seu verdadeiro nome. Cuidado pelo filho de sua produtora, o homem acaba contando o que havia lhe acontecido há 14 anos.
A trama, que conjuga duas histórias paralelas, é personalizada por uma interessante homenagem ao cinema, usando os bastidores de uma filmagem, claramente inspirada num dos filmes mais originais do próprio diretor “Mulheres a beira de um ataque de nervos”. Como de costume, o noir e o melodrama ganham intimidade pela habilidade kitsh com que Almodóvar desenvolve suas tramas. O problema é que, apesar de, mais uma vez, o diretor conseguir imprimir um roteiro criativo e bem sustentado, o filme perde força em sua meia hora final, com uma reviravolta fraca e sem o brilho que a história vinha mantendo, inclusive dando a sensação de que Almodóvar não conseguira conter alguns excessos estilísticos. Não fosse pela hilária auto-referência que, praticamente, encerra o longa, “Abraços partidos” perderia muito de seu sentido final, que o redime de maiores críticas ao todo.
Um grande filme imperfeito de um dos cineastas mais humanos e instigantes da atualidade.
Dica de Música: "Strange love" (Koop)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Ainda Invicto


É impressionante o equilíbrio qualitativo da filmografia recente do diretor Clint Eastwood. Nos últimos anos, não teve um filme lançado pelo ator e diretor que não seja bom. Fora que, invariavelmente, seus filmes são muito premiados e figuram entre as principais indicações do Oscar. Em fins de 2003, ele lançou a obra-prima “Sobre meninos e lobos”, uma alegoria sobre o paradoxo que se estabelece entre o instinto e a razão, que eu considero como um dos melhores filmes americanos da História, e tenho uma história muito pessoal com ele. Cerca de dois anos depois, ele lançou o oscarizado “Menina de Ouro”. Um filme surpreendente ao aprofundar o batido tema da superação em ringues de boxe. Logo depois, mostrou vitalidade e ousadia ao lançar dois filmes complementares e idiossincráticos sobre a Segunda Guerra, com “A conquista da honra” e “Cartas de Iwo Jima”, este último, considerado pelos críticos americanos como o melhor filme da década. Há pouco mais de um ano ele novamente lançou dois filmes, quase que simultaneamente: o ótimo “A troca”, veículo para Angelina Jolie mostrar que pode ser mais do que um sex symbol e o bom “Gran Torino”, que, embora, resvale pela ingenuidade, faz um retrato das raízes xenófobas que caracteriza boa parte da sociedade americana.
Ainda buscando radiografar o contexto político, só que em escala mundial, ele lança “Invictus”, estrelado pelo ator Morgan Freeman. O filme narra a tentativa de Mandela usar a Rugby World Cup 1995 para ajudar o país após sua libertação da prisão, a queda do apartheid e a sua própria eleição como presidente da África do Sul. O título Invictus batiza um poema citado frequentemente por Mandela sobre a força de vontade em superar as adversidades da vida. O trailer representa bem a força que a história possui e reforça a tese de que Eastwood, a exceção de muitos promissores cineastas da contra-cultura americana (como Scorcese, que excetuando a mão firme em "Os infiltrados", encaretou com seus últimos filmes), é um dos grandes responsáveis pelo vigor do cinema hollywoodiano.

Dica de Música: "Summertime" (Ella Fitzgerald)

O verdadeiro sonho americano

A grandiloquência do cinema de James Cameron continua imbatível, assim como sua capacidade de fazer o espectador se impressionar, como nos tempos áureos da construção daquilo que hoje se entende como indústria cinematográfica.
Há cerca de doze anos (Meu Deus!) o mundo parava para assistir a um dos filmes mais espetaculares de todos os tempos, “Titanic”, em que Cameron fundiu sua ambição artística e estrutural, numa das mais belas histórias de amor já retratadas em celulóide. “Titanic” foi tudo o que “...E o vento levou” tentou e não conseguiu ser, principalmente por levar a sério sua premissa melodramática, ainda que dialogando com suas bases de “cinema-catástrofe”. Esse equilíbrio sempre foi o grande responsável pelo talento do diretor em entreter a platéia, afinal, quem pode negar que por trás de toda a exuberância tecnológica (e revolucionária, para a época) de “Exterminador do futuro 2” (1991) o que mais ficava exposto na trama era a força da relação materna de Sarah Connor, em meio ao caos apocalíptico vigente.
“Avatar”, seu mais novo e badalado longa, se firma sobre esses paradigmas de Cameron. A suntuosidade do projeto (que começou a ser esboçado no distante ano de 1995) impressiona a cada take. Eu diria que ele faz com a tecnologia, o que Tim Burton faz com sua direção de arte: criam universos, dando-os identidade própria. Tudo em “Avatar” exala uma exuberância e organicidade impressionantes (principalmente para os que o virem em 3D) e se complementam com o discurso ecológico da história. A trama, com sua premissa clássica, ramifica o heroísmo em metáforas pertinentes ao nosso tempo. É como se o diretor (e também roteirista) procurasse espetacularizar nossa consciência. Mas, assim como em seus filmes anteriores, o que mais chama a atenção é mesmo o fato de ele conseguir dar forma a suas ambições e fazer parecer tudo tão simples. E o filme consegue respaldar essa capacidade de Cameron em nos fazer acompanhar suas perspectivas, como se fizéssemos parte delas. Isto seria o mais próximo que um mago real pode fazer, sob as ferramentas do cinema.
Se em “Titanic”, James Cameron bradou ao planeta que era “o rei do mundo”, em “Avatar” ele mostra-se mais provocador ao propor que o mundo não é o bastante para suas pretensões.


Um pequeno adendo sobre minha odisséia para assistir “Avatar”. Como não tenho o hábito de ir ao cinema ver filmes infantis (mesmo os ótimos filmes da Pixar), ainda não tinha tido a experiência de ver uma sessão em 3D, por isso fiz questão de que fosse assim. Foram necessárias quatro tentativas de ir ao cinema para conseguir ingresso para ver o filme (só vi coisa igual quando tive que ver o filme “Titanic” no chão de um cinema de rua, em 1998). Ainda assim, achando que na véspera de ano novo, ninguém ligaria para cinema, fui e, acredite, estava esgotado. Só consegui ver no dia seguinte, porque comprei antecipadamente. E já está virando tradição eu passar o primeiro dia do ano no cinema. Só que esse ano, com “Avatar” tive mais sorte, afinal, comecei 2009 assistindo a “Sete Vidas”, com Will Smith, um filme tão pretensioso quanto insuportável.

Dica de Música: “Samba de verão” (Caetano Veloso)