O excesso de paixão de um diretor por um projeto pode ser nocivo para seu resultado final. Martin Scorcese caiu nesse paradigma em dois de seus últimos filmes: “Gangues de New York” e “O aviador”. Almodóvar também, no recente “Los Abrazos rotos”. Como se pode ver, esse é um pecado dos grandes, e depois de acertar, tanto na trilogia “O senhor dos anéis”, quanto no remake de “King Kong”, o neozelandês Peter Jackson caiu nas armadilhas passionais de suas pretensões em seu novo e aguardadíssimo filme “Um olhar do paraíso”.
Baseado no romance da norte-americana Alice Sebold, “Uma vida interrompida”, publicada em 2002, o filme narra a história de Susie Salmon, que aos 14 anos foi estuprada, assassinada e estripada, mas não morreu completamente. Algo estranho aconteceu com ela. De onde está - não é o paraíso, mas também não é o inferno, e não parece ser o purgatório - ela pode observar sua família e seu assassino e torcer para que ele seja preso.
A trama em si é muito boa e, talvez seja o contraponto positivo frente às irregulares escolhas do diretor. Jackson tratou o tema com excessivo enfoque lisérgico o que fez com que todo peso da história seja enfraquecido. Mesmo sendo lindamente interpretada por Saoirse Ronan (que conquistou meu coração em “Desejo e reparação” e vem trilhando um caminho certo em Hollywood), aquele paralelismo que se dá entre o mundo real e o pós-morte não se justifica e nem ajuda no decorrer da história. Parece que Jackson ficou tão encantado com o livro que quis inflar toda sua transposição acabando por expor personagens sem contexto (uma “personagem emo” que tem ligação com os mortos), tramas totalmente desconexas (a participação de Susan Sarandon, a fuga da personagem de Rachel Weisz) e soluções constrangedoras (o desfecho do antagonista e o beijo final dos protagonistas). O longa não consegue impor um ritmo ou fluência narrativa, uma vez que se perde em desvios equivocados e que acabam distanciando o espectador da história.
Se o filme tem um ponto forte é seu elenco que, além da ótima Saoirse, tem as sempre brilhantes performances de Susan Sarandon (aqui fazendo o que pode num personagem perdido na trama) e Rachel Weizs (suas lágrimas são sempre verdadeiras). Mark Whalberg me surpreendeu pela sensibilidade com que expõe a perda de uma filha, assim como o bom trabalho de Rose McIver, irmã da Susie, que vira o grande esteio do filme em sua metade final. Mas é Stanley Tucci, que vive o psicopata assassino – indicado ao Oscar de ator coadjuvante – quem entrega o melhor desempenho, provando que sua versatilidade não tem limites, vide seus trabalhos em “O diabo veste Prada” e “Julie & Julia”. A construção que fez de sua personagem é para aplaudir de pé (e só nos faz lamentar a forma idiota que o roteiro encontrou para seu desfecho).
É difícil de entender como Peter Jackson conseguiu transpor um livro bem mais complexo e difícil como “O senhor dos anéis” para os cinemas e neste, relativamente mais “filmável”, tenha errado tanto. Ainda que o filme deixe transparecer a mão forte e criativa do cineasta, a sensação é que, entre a grandiloquencia e a pretensão, o filme acabou perdendo o seu sentido. Não foi dessa vez, Peter Jackson...
Dica de Música: "Um dia, um adeus" (Vanessa da Matta)
"Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte." Goethe não imortalizou essa máxima à toa. Sua teoria fundamenta a minha prática nesse blog que se propõe a discutir a arte em todas as suas vertentes: pois seja na cultura de massa, seja na linha da erudição, toda a forma de expressão artística vale a pena. O cinema que o diga...
terça-feira, 16 de março de 2010
Vão se os anéis...
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