O cineasta Tim Burton sempre pautou sua obra na falta de concessões ao onírico. E nisso ele plantou seu nome da seara dos grandes artistas de Hollywood, tornando-se uma grife. Mesmo quando dialoga com fábulas e histórias de domínio público (caso do semi-insípido "Planeta dos macacos" e do eficiente "A fantástica fábrica de chocolate") sua assinatura ocasiona num misto de simbologia própria com discurso humanístico. Burton é um eterno interessado no abismo que esconde por trás da fantasia. Das coisas e pessoas. Essa premissa não poderia faltar em "Alice no país das maravilhas" seu mais recente lançamento. A cerne da natureza criativa do diretor é muito forte e o justifica, frente as enxurradas de críticas negativas que a superprodução vem recebendo. Seria este um filme incompreendido? Primeiramente devemos levar em consideração que temos que julgar um trabalho de qualquer artista, mediante a proposta que ele quer levar ao ser analisado. Burton não queria recriar a trama original do livro de Lewis Caroll. Ele estava interessado - até partindo de sua continuação "Alice através do espelho" - em reinterpretar a obra. E nisso o filme é fiel às suas convicções. Os caminhos que o roteiro de Linda Woolverton traçam buscam essa reimaginação. A própria protagonista, vivida pela quase estreante Mia Wasikowska, em sua aparente apatia andrógena, é coerente com a fissuração do cineasta em confrontar um indivíduo deslocado com o mundo (real e imaginário) que o cerca. Quem não se lembra do Edward de Jhonny Depp em "Edward, mãos-de-tesoura", sua obra-prima? Há de se convir que a dramaturgia do filme é irregular em sua construção narrativa (entre cenas desperdiçadas ou excessivas). Depp, que não consegue fazer um filme de Burton sem cair na excentricidade (seria esse o segredo do sucesso da dupla?), parece se divertir na composição de seu chapeleiro maluco, mas o filme é de Helena Bonham Carter, como a esquisitíssima rainha vermelha. Suas cenas incendeiam toda a aquarela visual do filme. Até suas nuances são valorizadas. E, mais uma vez, Burton consegue a proeza de tornar orgânico sua visão lírica de mundo, nos dando a sensação de que aquele mundo sempre foi o de Alice, desde quando tomamos conhecimento da história na infância. É interessante notar que cada detalhe da direção de arte (destaque especial para os figurinos, realmente muito bonitos) parece ser meticulosamente estudado naquele contexto visual. Trabalho de mestre. Talvez "Alice" agrade mais aos olhos que ao coração. Mas até chegarmos a qual conclusão é a mais acertada, estaremos tão imersos no mundo paralelo "Timburtiano" que concluiremos que o processo foi mais interessante que o resultado final. Mas a fábula da Alice não fala justamente disso, de um processo?
Dica de Música: "Everything In Its Right Place" (Radiohead)
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