Se a arte é mesmo produto de um estado de espírito, o novo e polêmico filme do controverso cineasta Lars Von Trier, “Anticristo” é a simbologia mais precisa desta máxima. Trier, que causou polêmica ao apresentar o filme no Festival de Cannes, disse que criou seu filme quando estava em avançado estado depressivo; e o longa aponta esse estado febril. A trama acompanha a via crucis de um casal que acaba de perder um filho, que cai de uma janela, enquanto os mesmos fazem sexo. Apesar de sua plástica remeter a um filme de terror, o diretor estimula o tom macabro mais para situar a dor da perda (e suas consequências de formas distintas) entre o casal do que para representar a produção como gênero. É um filme que choca. Choca pelos extremos com que as coisas são jogadas ao expectador: seja na explícita cena de penetração sexual no belíssimo prólogo do filme, seja pela crescente radicalização emocional da personagem interpretada com pulso pela atriz Charlotte Gainsbourg (responsável pela acusação de misoginia do filme), seja pelas opções semióticas que dão novos sentidos à lógica daquilo que vemos (como a fala de uma raposa). Confesso que não sei se gostei ou não. Na verdade, o filme comprova o extremo talento de Lars em filmar sua visão de mundo, um tanto complexa (como sua eterna fixação em desnudar a cultura americana) e quando consegue, é sempre transcendendo e desafiando aquele que se propõe a investigá-lo (“Dançando no escuro” é seu mais bem sucedido exemplo). “Anticristo” incomoda e impressiona, mas talvez não chegue de fato a um fim reflexivo. Seu prólogo e epílogo arrematam bem o preciosismo estético do cineasta (e um aperfeiçoamento de seus chiliques dos anos 90, como o tal movimento Dogma 95), mas seus objetivos, num âmbito mais geral de sua trama não ficam claros, creio que nem para ele mesmo. Enfim, é um filme de (bons) meios que tem dificuldade de justificar seus fins. Seria o choque por choque? Confesso que até hoje não consegui me responder.
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