Já passava da meia noite de uma quarta-feira, eu estava vendo algum jornalístico na TV quando o meu celular tocou. Era uma amiga íntima que, aos prantos, falava com dificuldades. Como essa amiga é uma das pessoas mais engraçadas que já conheci, fiquei em dúvida se o pranto era real ou uma brincadeira (ela é muito jocosa!). Nas poucas sílabas que fui conseguindo entender, ela dizia: "Acabei de assistir ao último episódio de "Lost". Estou desolada!". Não pude conter a minha gargalhada ainda acreditando ser uma de suas tiradas. Mas ela retrucou: "Não estou brincando, Renan. São seis anos em que acompanho fielmente todos àqueles enigmas. Não adianta, pois me apeguei aos personagens, suas tramas... Agora, parece que estou perdendo esses vínculos!". Desliguei o telefone chocado, ora com minha insensibilidade, ora com o real poder que a série "Lost" conseguiu estabelecer no imaginário mundial e na cultura Pop, como um todo.
Acompanhei a série com muito interesse em sua estréia. Roteiro de mistério, inteligentemente engendrado seriadamente, sempre me atraiu (Agatha Christie foi o meu Monteiro Lobato). A partir do meio da segunda temporada, mesmo tendo sido um ano eletrizante, comecei a perceber que "Lost" não era uma série para 22, 23 episódios anuais. Na terceira e quarta temporada meu interesse se esvaziou, quando os caminhos que a série estava percorrendo, por mais criativos que fossem, tornavam o prazer de assistir quase um suplício (e minha tese ampliaria a noção de que "Lost" agora não deveria ter mais de 4 temporadas para não se esgotar, como quase aconteceu). Abandonei. Essa amiga insistia para eu voltar a ver e cedi. Com um amigo Lostmaníaco, consegui todos os boxes e me situei até a quinta temporada. Nesta quase imersão - obviamente com muita irregularidade nas tramas - percebi que "Lost" é mais que uma atração de TV americana. É uma experiência midiática. A insanidade dos roteiros foi propositalmente criada para que o expectador de hoje (que não é o mesmo de 10 anos atrás, ou seja, não quer sentar e ver. Ele quer assistir, sentir, dialogar e interagir) se sentisse desafiado a compreender não só um mistério, mas a humanidade resultante deste mistério. A Ilha deixava de ser então o personagem principal para ser a motivação metalingüística de uma história. Vejamos como exemplo o fim da terceira temporada: todos sabem que o que os personagens mais queriam era sair da tal ilha. Na terceira temporada alguns deles conseguem e temos nossa catarse no sofá. No finalzinho do episódio final, aparece um flashwoard (antítese do flashback) com dois desses personagens que saíram da ilha se encontrando, totalmente descaracterizados. Até que o protagonista vira-se para a mocinha (!) e diz em tom desesperador: "Precisamos voltar a Ilha!". Ela, claro hesita, mas ele continua: "Temos que voltar, Kate. Temos que voltar para ilha!" E acaba o episódio. Isso é cruel, é perturbador, subvertendo qualquer noção de lógica. Isso foi "Lost". Uma das poucas atrações de TV que me fizeram retorcer do lado de cá da TV.
A sexta e última temporada foi esperada com entusiasmo pelo planeta. Mas já imaginava que ficaria aquém das expectativas. "Lost" cresceu muito mais do que seus criadores imaginavam. E a última temporada começou mesmo de forma inacreditavelmente medíocre, com tramas desinteressantes, repetitivas e irrelevantes. A minha teoria da falta de concisão estava clara: a série teve mais episódios que o necessário. Da metade para o final é que os episódios pretendendo desvendar o todo, realmente foram encontrando algum sentido. Mas o final - didático e sentimentalista, totalmente anti-Lost - foi realmente frustrante. Mas, ainda que olhando com o distanciamento de um fã crítico, não posso dizer que não foi válido. As pontas soltas ficarão em nossa mente para reafirmar a perenidade da série. E a atração se tornou tão mitológica que nenhum final seria digno de seu alcance. Neste caso, até os criadores são perdoados. Como disse num post sobre o início desta última temporada, há alguns meses, "Lost" nos ensinou que um pouco de insanidade criativa legitima uma posteridade. Quando teremos outra atração assim? Não se trata de uma responsabilidade, mas de um desejo. "Lost" nos deixou mal acostumado. E, de tudo o que li e ouvi (muito) de ruim ou de bom, o que achei mais interessante foi o comentário da correspondente internacional cinematográfica Ana Maria Bahiana que como saldo final atestou sábiamente: "Escrever para TV fechada é fácil. (Mentira: é difícil, tão difícil quanto produzir qualquer boa obra audiovisual. ) Difícil mesmo é escrever para TV aberta , com o nível de sofisticação e profundidade que Lost atingiu, consistentemente, nestes seis anos. Escrever para TV aberta durante seis temporadas é ser Scheherazade eternamente adiando a decapitação por ordem do soberano mal humorado e todo poderoso, insatisfeito com os índices de audiência, os indicadores demográficos e o retorno dos anunciantes. Ser capaz de tirar uma história de dentro de outra história de dentro de outra história, fiel ao princípio da narrativa que deu partida a tudo mas capaz de manter o sultão feliz é feito para poucos". Bahiana sintetizou perfeitamente o alcance e a iminência da série, em termos práticos, artísticos e icônicos. Mais do que uma possível insensibilidade com uma amiga de ombros ou mais do que um final aborrecente, está a relevância que "Lost" vai deixar para a história da TV mundial.
Acompanhei a série com muito interesse em sua estréia. Roteiro de mistério, inteligentemente engendrado seriadamente, sempre me atraiu (Agatha Christie foi o meu Monteiro Lobato). A partir do meio da segunda temporada, mesmo tendo sido um ano eletrizante, comecei a perceber que "Lost" não era uma série para 22, 23 episódios anuais. Na terceira e quarta temporada meu interesse se esvaziou, quando os caminhos que a série estava percorrendo, por mais criativos que fossem, tornavam o prazer de assistir quase um suplício (e minha tese ampliaria a noção de que "Lost" agora não deveria ter mais de 4 temporadas para não se esgotar, como quase aconteceu). Abandonei. Essa amiga insistia para eu voltar a ver e cedi. Com um amigo Lostmaníaco, consegui todos os boxes e me situei até a quinta temporada. Nesta quase imersão - obviamente com muita irregularidade nas tramas - percebi que "Lost" é mais que uma atração de TV americana. É uma experiência midiática. A insanidade dos roteiros foi propositalmente criada para que o expectador de hoje (que não é o mesmo de 10 anos atrás, ou seja, não quer sentar e ver. Ele quer assistir, sentir, dialogar e interagir) se sentisse desafiado a compreender não só um mistério, mas a humanidade resultante deste mistério. A Ilha deixava de ser então o personagem principal para ser a motivação metalingüística de uma história. Vejamos como exemplo o fim da terceira temporada: todos sabem que o que os personagens mais queriam era sair da tal ilha. Na terceira temporada alguns deles conseguem e temos nossa catarse no sofá. No finalzinho do episódio final, aparece um flashwoard (antítese do flashback) com dois desses personagens que saíram da ilha se encontrando, totalmente descaracterizados. Até que o protagonista vira-se para a mocinha (!) e diz em tom desesperador: "Precisamos voltar a Ilha!". Ela, claro hesita, mas ele continua: "Temos que voltar, Kate. Temos que voltar para ilha!" E acaba o episódio. Isso é cruel, é perturbador, subvertendo qualquer noção de lógica. Isso foi "Lost". Uma das poucas atrações de TV que me fizeram retorcer do lado de cá da TV.
A sexta e última temporada foi esperada com entusiasmo pelo planeta. Mas já imaginava que ficaria aquém das expectativas. "Lost" cresceu muito mais do que seus criadores imaginavam. E a última temporada começou mesmo de forma inacreditavelmente medíocre, com tramas desinteressantes, repetitivas e irrelevantes. A minha teoria da falta de concisão estava clara: a série teve mais episódios que o necessário. Da metade para o final é que os episódios pretendendo desvendar o todo, realmente foram encontrando algum sentido. Mas o final - didático e sentimentalista, totalmente anti-Lost - foi realmente frustrante. Mas, ainda que olhando com o distanciamento de um fã crítico, não posso dizer que não foi válido. As pontas soltas ficarão em nossa mente para reafirmar a perenidade da série. E a atração se tornou tão mitológica que nenhum final seria digno de seu alcance. Neste caso, até os criadores são perdoados. Como disse num post sobre o início desta última temporada, há alguns meses, "Lost" nos ensinou que um pouco de insanidade criativa legitima uma posteridade. Quando teremos outra atração assim? Não se trata de uma responsabilidade, mas de um desejo. "Lost" nos deixou mal acostumado. E, de tudo o que li e ouvi (muito) de ruim ou de bom, o que achei mais interessante foi o comentário da correspondente internacional cinematográfica Ana Maria Bahiana que como saldo final atestou sábiamente: "Escrever para TV fechada é fácil. (Mentira: é difícil, tão difícil quanto produzir qualquer boa obra audiovisual. ) Difícil mesmo é escrever para TV aberta , com o nível de sofisticação e profundidade que Lost atingiu, consistentemente, nestes seis anos. Escrever para TV aberta durante seis temporadas é ser Scheherazade eternamente adiando a decapitação por ordem do soberano mal humorado e todo poderoso, insatisfeito com os índices de audiência, os indicadores demográficos e o retorno dos anunciantes. Ser capaz de tirar uma história de dentro de outra história de dentro de outra história, fiel ao princípio da narrativa que deu partida a tudo mas capaz de manter o sultão feliz é feito para poucos". Bahiana sintetizou perfeitamente o alcance e a iminência da série, em termos práticos, artísticos e icônicos. Mais do que uma possível insensibilidade com uma amiga de ombros ou mais do que um final aborrecente, está a relevância que "Lost" vai deixar para a história da TV mundial.
Não tenho lágrimas, mas tenho essas certezas.
Obs: fiquem com o belo trailer-promo que a ABC fez para divulgar o fatídico último episódio
Dica de Música: "Bedshaped" (Keane)
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