Existem escritores literários que impõem uma marca nas obras que deixam. Ian McEwan e Gabriel Garcia Marquez se inserem nesse contexto. No Brasil, temos vários exemplos desse paradigma, como a urgência urbana de Rubem Fonseca ou o viés humanístico de Lya Luft. Jorge Amado talvez seja o exemplo mais emblemático ao construir sua literatura regionalista em cima de uma identidade, que obviamente se refere a idiossincrasia social da Bahia. Dentro desse raciocínio é possível supor que qualquer adaptação literária implique numa complexidade formal de transferência de veículos, o que o cinema por vezes encontra dificuldades em resolver. E esse é o grande problema da adaptação do famoso livro de Amado “A morte e a morte de Quincas Berro D’água”, “Quincas Berro D’água”, feita por Sérgio Machado para o cinema. Sergio, que demonstrou ter um domínio narrativo promissor em seu ótimo filme anterior “Cidade Baixa”, ao narrar a história do ex-funcionário público que, ao morrer, é levado pelos amigos “bebuns” para uma noitada fúnebre pelas ruas da Bahia, pecou ao deixar sua trama excessivamente reverente à marca do autor, tornando o filme quase uma caricatura de sua matéria prima literária. Mesmo que com um elenco em sintonia com o “espírito da coisa” de Jorge Amado (alguns remanescentes do ótimo “Bando do teatro de Olodum, ou seja, “Opaíó”) e uma boa dose de criticidade social implícita na picardia humorística do subtexto, no geral, a produção carece de vida cinematográfica, ficando muito presa as matizes do autor. Veja que ironia: um filme baiano carente de vida. Isso só se explica pela certeza de que uma marca literária possa até ser adaptada ao audiovisual, mas a efetividade do resultado dependerá do respeito dispensado aos efeitos do cinema.
Dica de Música: "Luz de Tieta" (Caetano Velsoso e Gal Costa)
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