sábado, 4 de julho de 2009

A certeza das incertezas


Nossas certezas são mais perigosas que nossas dúvidas? Essa pergunta não pede necessariamente respostas, mas cabe nela um raciocínio sobre a ótica complementar de seus dois pesos: certeza versus dúvida, e é esse paradoxal embate que sustenta o filmaço “Dúvida”, filme escrito e dirigido por Patrick Shanley, baseado em sua própria peça teatral homônima.

 Ambientado numa escola da década de 60, administrada pela igreja, o filme narra a discussão à respeito de um possível caso de pedofilia cometido pelo padre principal do lugar com um dos alunos. A desconfiança começa por uma freira inexperiente e ganha dimensão com a adesão irrestrita da madre superiora Aloysius, vivida pela excelente Meryl Streep. O roteiro é simplesmente genial, pois deixa a ambigüidade do fato falar por si durante toda a projeção. O padre, interpretado por Philip Seymour Hoffman com maestria, polariza com a personagem de Meryl as “certezas” do espectador, num jogo de complexidades que há muito o cinema não nos oferecia (saudades de Hitchcock). Como seu título bem resume, o longa evoca as desinências dessa desconfiança e o roteiro joga isso semióticamente a todo o momento: seja na direção de arte condescendente, como o vitral de olhos atrás do padre numa cena, seja na antologia cena entre madre Aloysius e sra. Miller, mãe do menino que teria sido molestado, quando vemos a desconstrução do paradigma sobre valores e necessidades (aliás, cabe ressaltar a arrepiante interpretação de Viola Davis que, mesmo com apenas duas cenas, chegou a ser indicada ao Oscar pelo papel).

 Meryl Streep é quase um monumento da arte cênica. Suas performances a cada filme, firmam seu nome na história do cinema (“As pontes de Madison” é um belo exemplo). A precisão de seus gestos, o seu trabalho de brutal incorporação, enfim, sua persona é arrepiante, tanto para os personagens do filme, quanto para nós, espectadores. Já Philip Seymour consegue o mérito de jogar de igual para igual com ela, uma vez que os diálogos ora ressentidos, ora explícitos entre os dois, são tão bons que devem entrar no panteão das mais antológicas. Até Amy Adams, numa personagem que poderia desaparecer naquele meio, defende sua alcunha com dignidade.

 “Doubt” (título original em inglês) é daqueles tipos de filmes que dão satisfação de sermos cinéfilos. Sua inteligência e consistência emitem essa sensação, principalmente por dimensionar tão ricamente um sentimento tão comum. A ambigüidade é um terreno fértil tanto para realidade quanto para ficção.


Dica de Música: "Via láctea" (Legião Urbana)

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