terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"O Garoto de Liverpool" aponta caminhos para Lennon e para cinebiografias

É sabido que muito do que somos é consequência do que fomos. Mas há casos em que o “fomos” não só justifica o “somos” como também esclarece muito do processo até chegarmos lá.

O garoto de Liverpool que biografa a adolescência de John Lennon (1940 – 1980), vai por esse caminho ao destrinchar de forma fortemente psíquica a degradada formação familiar do cantor. A diretora Sam Taylor Wood tem profunda sensibilidade ao abordar o complicado envolvimento de Lennon com a mãe que o abandonou e a tia que o criou. Nesse conflito, tanto personagem quanto filme crescem pois é onde ficam visíveis as possibilidades dramáticas de ambos. E Sam conduz tudo com certo frieza ortodoxa, que é de muita ajuda para evitar a banalização sentimental que uma trama como essa pode cair.

O roteiro de Matt Greenhalgh, nivela bem o crescimento do ídolo com o gradativo amadurecimento pessoal pelo qual perpassa. É interessante observar o trabalho de contraposição do nascimento de uma possível rebeldia juvenil indo de encontro com a amplitude de percepção de que a vida é bem mais complexa do que as vezes enxergamos. E o roteiro explora essa dualidade muito bem. E isso até nos pequenos detalhes pessoais do biografado como a crescente paixão e curiosidade musical e uma indefinida relação com um jovem e centrado Paul McCartney (brilhantemente interpretado porThomaz Sangster).

Aliás, o elenco é um dos fatores que fazem o filme ser maior do que a prosaica história que conta poderia ser. Dando vida ao protagonista, o jovem Aaron Johnson (Jack Ass) deixa claro um interessante trabalho “Stanislaviskiano” de composição mas da persona do Lennon do que da aparência propriamente dita. É um ator que tem um caminho grande pela frente, mas já demonstra muito vigor nesse caminho.Anne Marie Duff tem uma papel dificílimo como a multifacetada mãe do cantor. E a defende de forma gloriosa. Mas quem realmente arrepia o espectador é Kristin Scott Thomas dentro do cartesianismo de sua tia Mimi, fria dona de casa londrina, tipicamente anos 50, que suprimia as emoções pela razão de justificar tudo e todos. Sua composição é assustadora e inteiramente livre de julgamentos. Trabalho preciso mesmo.

Muito foi dito sobre a real necessidade de se fazer mais uma biografia de um Beatle, mas o resultado do filme revela que a diretora estava mesmo interessada em investigar o sentido de um mito, pela sua natureza embrionária. Esses focos distintos (seja a metalinguagem mitológica de Bob Dylan em Não Estou Lá ou a investigação estética intrínseca em Control, sobre o obscuro Ian Curtis) norteiam caminhos que as cinebiografias podem seguir, e por mais que a de Lennon pré-Beatles soa mais conservadora em sua forma, ela é reveladora em seu conceito, pois não se deslumbra com o poder de seu protagonista e sim tira dele todo o sumo que pode para nos fazer compreender do que é feito a genialidade dos que se perpetuam pela arte.

Dica de Música: "Fake Empire" (The National)

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