Contundência, seu nome é “Tropa de Elite 2”. A continuação de um dos filmes mais emblemáticos do cinema nacional consegue a façanha de ser ainda mais pertinente e dentro de uma lógica social real e inteiramente assimilável. Se o primeiro chocava pelo extremo (verossímil, é bom dizer!) de uma espécie de conceito do que é o Bope hoje no Brasil, esta continuação se impõe justamente por relativizar não só a (hoje) icônica figura do Capitão Nascimento como toda a corporação e o Estado nacional.
Com um roteiro seguro de Bráulio Mantovani, o filme passa-se 15 anos depois do primeiro e Nascimento não comanda mais a ação no campo. Ele agora é Tenente-Coronel do Bope e lidera os Caveiras, mas que fica faz o trabalho externo é o Capitão Matias (André Ramiro). Com uma perturbadora rebelião no presídio Bangu I, a Tropa entra em campo, mas tem que passar por cima dos ideais humanísticos de Fraga (Irandhir Santos, em grande destaque), ativista dos Direitos Humanos. Ali, além da urgência dos fatos, ainda emerge a iminência de dois pensamentos antagônicos: a lei do bandido bom é bandido morto do Bope versus o apurado senso de humanidade e respeito de Fraga. A tensão é física e intelectual. E isso só nos primeiros minutos do filme, que conta com participação assustadora de Seu Jorge.
Conforme o filme vai se desenvolvendo, vemos a complexidade dos poderes que sustentam um Estado, ilustrado pelo oportunismo de governadores, hipocrisia midiática e conivência eleitoral. Nascimento vira subsecretário de segurança do Rio de Janeiro e começa a perceber que seus inimigos podem ser mais domésticos do que ele imagina, principalmente com o crescimento da tal Milícia, corroborada por muitos policiais corruptos. O diretor José Padilha é de uma competência poucas vezes vista no cinema nacional, ao incorporar e transferir esse desencanto que seu protagonista sente para o espectador, que assiste a tudo com um misto de tensão e reflexão sobre a cidade, o país, o mundo que vive.
Wagner Moura é o corpo, o sangue e a alma do filme. Tenho dúvidas se sem a sua presença e organicidade o filme teria o impacto que tem. Cada reação vista na tela é de uma humanidade (até em momentos nada diplomáticos) precisa e sua personalidade suscita amor e ódio, puxando pela razão e pela emoção, tudo num mesmo instante. O desenho dramático de seu personagem é simplesmente perfeito. E de suma importância para compreendermos que nessa guerra social em que vivemos, não são heróis que trarão o galardão.
Muito tem se falado que o filme tem respingos referenciais no cinema político de Costa-Gravas, o que faz bastante sentido, uma vez que filmes nacionais até mais notadamente políticos como “Brasília 18%”, do veterano Nelson Pereira dos Santos, se perderam na condução e no foco de seus discursos. Mas o tom politizado de "Tropa 2" tem mais a ver com a própria realidade que ele retrata, e Mantovani soube atentar para isso de forma que o panfletário fosse subjugado ao reacionário. E até a cena conclusiva aponta (muito) para tal. Se no primeiro temos uma desconsertante (!) catarse (social?) com o extermínio de um algoz dramatúrgico, mas perfeitamente real, nessa continuação temos a contemplação, um tanto metafórica, do poder federal, desembocando na bandeira oficial da nação. O impacto, no fundo, dessa vez é pior... Bem pior. Pois o nó na garganta é institucional. Muito mais do que o famoso "que país é esse?", agora a pergunta é "o que é esse país?"
Dica de Música: "Brasil" (Gal Costa)
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