Já havia mencionado mais de uma vez, aqui neste espaço, a minha relação de amor e ódio com o oscarizado filme “Quem quer ser milionário?”. E após assistir ao filme “O contador de histórias” do diretor Luiz Villaça, confirmei o viés de ambigüidade desconcertante do filme americano, sensação deste ano. “O contador de histórias”, que conta a jornada dramática de Roberto Carlos Ramos, ex-menor de rua, que encontra sua redenção social ao encontrar uma francesa, é uma bela surpresa por dois grandes motivos: primeiro, pelo trabalho maduro de Villaça após o apático “Cristina quer casar”; depois pela extrema sinceridade com que o filme destila crítica e lirismo na tela. Nascido nos anos 1970 em Belo Horizonte , Roberto era o caçula de uma família pobre com muitos filhos. Entregue à Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor) pela mãe, pessoa simples que acreditava que ele teria um futuro melhor ali dentro, encarou o abandono e a violência, que no seu caso incluiu espancamentos e até estupro. O diretor demonstra habilidade ao dar concisão fabular a sua trama. Ainda que, em alguns momentos o filme caminhe por trilhas burocráticas (fazendo lembrar seu filme anterior), o todo consegue suscitar no espectador quase o mesmo efeito ilusório do comercial da Febem, retratado no filme. O ponto alto é a escalação do elenco. Os jovens Marcos Antônio Ribeiro e Paulinho Mendes, que dão vida ao protagonista na infância, imprimem a graça que o personagem pede para os fatos ocorridos. E a atriz luso-francesa Maria de Medeiros (que arrebentou em “Pulp Fiction” de Tarantino) é delicadíssima em sua incorporação. Esse casamento entre o lúdico e o social, bem característico da realidade brasileira, torna o filme mais contemplativo que os demais na seara brasileira de filmes sociais. Foi aí que me lembrei de “Quem quer ser milionário?”, pois a espontaneidade que abunda no filme brasileiro é questionável no retrato indiano de Danny Boyle. As desventuras daqui são mais sinceras do que a de lá.
“O contador de histórias” tem defeitos, mas tem o dobro de alma. E não a põe a venda diante de qualquer maniqueísmo imperialista.
Dica de Música: "Água de beber" (Tom Jobim)
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