Gus Van Sant é um sádico. Um sádico e um gênio. Seu cinema sempre se propõe a trafegar pelos caminhos de uma morte anunciada. Seja investigando a ira inconsequente dos jovens que metralharam vidas em um colégio americano, como vimos no superestimado "Elephant"; seja acompanhando últimos (e depressivos) dias do "Nirvana" Kurt Cobain, no subestimado "Last days". A eloquência de um indivíduo e/ou seus atos diante da urgência de sua morte gravitam o universo de Gus assim como dá forma a sua recorrente inventividade artística. Nota-se que mesmo quando erra (vide seu imperdoável remake de "Psicose" em 98), é nesse adendo estético que ele encontra sua redenção.
"Milk - A voz da igualdade", seu mais novo filme, tem sido apontado como um de seus trabalhos que mais dialoga com o grande público (assim como no interessante "Gênio Indomável"), uma vez que Gus buscou uma narrativa mais convencional que seus costumeiros experimentalismos. Talvez essa opção tenha sido proposital: "Milk" é um dos filmes mais políticos que já assisti. Não é um filme de efeitos; É um filme de causas, e causas dimensionadas. Ao retratatar a saga do novaiorquino Harvey Milk (1930-1978) que, ao mudar-se para a cidade de São Francisco torna-se o primeiro político homossexual a ser eleito para um cargo público nos Eua, Gus estrutura um verdadeiro ensaio sobre a intolerância. O próprio diretor - homossexual assumido - não usa sua obra como panfleto de um discurso. Muito mais do que vitimizar seu "herói" e sua causa, "Milk" universaliza seus próprios limites e propõe a verdadeira discussão do filme: O amor é expressado e compartilhado de diversas formas diferentes e cabe a cada um de nós suplantar nossas tentativas de compreensões dogmáticas em favor de um item vital à racionalidade humana: o respeito.
Sean Penn brilha mais vez dando impressionante forma ao personagem (aliás não deixa de ser curioso ver o outrora homofóbico e machão ator com leves afetações em algumas cenas). Apesar do trabalho primoroso de Frank Langella em "Frost/Nixon" e da total entrega de Mickey Rourke no quase autobiográfico "O lutador", Penn merecia mesmo o segundo Oscar que rebeceu, principalmente pela bela composição que deu a seu Milk, desvencilhando com louvor dos perigos de sua forma cênica. Josh Brolin e James Franco também conseguem imprimir excelentes atuações com a ambiguidade (sã/sádica) do primeiro e a maturidade serena do segundo. Há ainda a solar presença de um irreconhecido Emile Hirsch e o "High School" Lucas Grabeel, mostrando que sua carreira caminha para a versatilidade.
"Milk" talvez seja o trabalho mais equilibrado de Gus Van Sant e onde ele pode conjugar seu talento de uma forma mais apaixonada. As tomadas de personagens reais interagindo com o ficcional, a analogia trágica com a ópera de Puccini e a cena final do filme - uma das mais belas e impactantes do cinema recente - conferem a esse diretor sua áurea de cineasta, pelo que representa e pelo o que apresenta.
Dica de Música: "I've seen it all" (Bjork)
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