quarta-feira, 18 de março de 2009

Por uma Índia líricamente ordinária

A palavra "ordinário", como adjetivo, tem dois sentidos opostos na língua portuguesa, podendo ser tanto algo "de baixa condição, reles, baixo", quanto algo "habitavel, que caminha na ordem natural das coisas". E é nessa ambiguidade linguística que procuro uma classificação para o premiadíssimo filme "Quem quer ser milionário?", Oscar de melhor filme deste ano, com direção de Danny Boyle.
O filme se equilibra na linha tênue entre a fábula lírica e oportunismo discursivo. Como fábula é encantador. Ao narrar a ascenção de um garoto pobre que, dotado de uma inteligência incomum, está em vias de ganhar uma fortuna de 20 milhões de rúpias em um programa de tv, Boyle cria um verdadeiro espetáculo sócio-emocional sobre a superação e os caminhos para tal, com uma eficiência que poucos livros de auto-ajuda conseguem. Adornando com sacarose britânica sua trama, o diretor se vale de flashbacks para justificar que o êxito do protagonista é resultado de uma dramática história de vida, onde povoam vilões insanos e aventuras, a la Charles Dickens. Essa linha temporal da narrativa nos remete (claramente) ao neo-clássico "Cidade de Deus" de Fernando Meirelles, seja pela estilística fotografia, seja pela estrutura da trama em si.
É inegável o poder que esse filme incute no espectador, principalmente na primeira parte onde Jamal, o protagonista, vive as desventuras de uma infãncia marcada pela crueldade humana na inseparável companhia de seu irmão Salim e de sua amada Latika. Esse início é de suma importância para cativar a trajetória que o personagem dará até seu fim, um tanto previsível. Inclusive os atores mirins dão um show de carisma na telona.
Se como fábula o filme emociona, como cinema a inversão é inevitável. O roteiro de Simon Beaufoy (livremente baseado no livro "Sua vida vale um bilhão? de Vikas Siwarup) é de um maniqueísmo extremo, estabelecendo sempre os papéis de mocinhos versus bandidos e numa cronologia um tanto inverossímel. Cada resposta de Jamal, no tal programa de tv, acompanha cronologicamente os acontecimentos decorridos em sua vida e esse "milagre" também percorre vários trechos do filme como na cena em que Jamal tem que arrumar uma forma de entrar na mansão de mais um "malvado" em seu caminho. Essa "liberdade poética contrasta com o realismo que a miséria indiana - muito bem fotografada na tela - imprime sobre o longa. Fora que o recurso de colocar uma tortura inexplicável para respaldar os acontecimentos que dão sentido a história, é primário. Prejudica também a fragilidade dos diálogos que banalizam as questões apresentadas como se tudo se resolvesse pelo ditames do puro e simples amor(!).
Esses pecados só são perdoados se o filme for visto pelo prisma da fábula mesmo, onde tudo é possível em busca de uma lição moral. Confesso que fiquei encantado (essa é a melhor palavra) assim que o filme acabou - com um número de dança indiana bem pertinente ao discurso "low profile" que Danny Boyle defende no longa - pois é inegavelmente bem realizado. Mas foi só passar algumas horas após assistí-lo, que comecei a refletir sobre qual o verdadeiro caráter do que tinha visto. Para o diretor - que vinha de longas inexpressivos como "Sunshine - alerta solar" e "Caiu do céu" - "Slundog Milionaire" (seu título original) foi uma redenção na selva hollywoodiana. Para mim, a resposta sobre qual o verdadeiro sentido desse filme, ainda é uma incógnita.

Dica de filme: para entrar no clima "Beedi" (Sukhwinder Singh e Sunidhi Chauhan)

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