sexta-feira, 27 de março de 2009

Analgésico para corações tranquilos

Estive na pré estréia promocional do filme “Divã” de José Alvarenga, estrelado pela atriz Lília Cabral. O filme vem sendo aguardado com grande expectativa pelo mercado, já que após o imenso sucesso de “Se eu fosse você 2”, que se tornou a maior bilheteria da retomada, desbancando “Dois filhos de Francisco”, poderá vir a ser mais um candidato a êxito em nosso sofrido cinema.
“Divã” é baseado no livro homônimo de Martha Medeiros. Li esse livro há uns dois anos, uma vez que acompanho (com relativa regularidade) sua coluna dominical no Jornal O Globo. Martha é uma competente cronista da contemporaneidade sob o prisma feminino e, neste seu primeiro romance, ela desenvolveu um verdadeiro ensaio sobre o redescobrimento da vida pós – separação. A história acompanha Mercedes, que após um casamento de 20 anos, vive o revés do divórcio consensual e o bônus que essa liberdade pode oferecer.
Lília, que já havia dado vida a personagem na versão teatral do livro, confere um modelo todo próprio a sua Mercedes, fundamentando as nuances do livro e, auxiliada, por uma bem construída direção de atores. Alvarenga evolui bastante após o (tecnicamente) claustrofóbico “Os Normais, o filme”. E a opção pela comicidade na trama (que no livro é apenas complementar) funciona. Após a sessão, houve um bate-papo sobre o filme, com a autora do livro, a atriz e o diretor (a foto do post abaixo é minha). Eu perguntei ao diretor se, após ser acusado de manter a estética televisiva em seu filme anterior (“Os Normais, o filme, que ele dirigira em 2003), nesse novo filme e na continuação do próprio “Os Normais” (que estreia em agosto), essa máxima se manteria. Visivelmente irritado, ele respondeu que muito antes de ser diretor de TV (onde dirigiu a citada série e vai estrear em abril a nova série policial da Globo “Força Tarefa”) ele sempre trabalhou em cinema, portanto, tudo o que dirigiu e dirigirá seria por essa ótica original da sétima arte.
Particularmente, não acho que “Os Normais” seja propriamente televisivo, mas é inegável que, ao migrar para a telona, o projeto não abraçou completamente seu viés cinematográfico, caindo no erro de outras séries que viram filmes (daqui e dos Eua) que parecem mais um episódio longo, como ocorreu em “Sex and the city, the movie”. Assim como “Os Normais, o filme”, “Divã” é um filme simpático e que cativa verdadeiramente a platéia (e, em sua engenharia, melhor que o filme de Rui e Vani), mas o carisma dessas produções tem mais méritos por esconder suas próprias limitações. Assistam sem medo.

Dica de música: “September” (Earth, Wind & Fire)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Meus heróis morreram de overdose?

Numa aula de Estética, na faculdade onde estudo jornalismo, o professor fez uma reflexão sobre a ruptura, no campo cultural do ser humano. Alertou que nossos olhos são adestrados ao que nos é apresentado diariamente, tornando nossa visão perigosamente estigmatizadora. O remédio para isso residia na ruptura aos padrões, em favor do enaltecimento do olhar pessoal de cada um ao mundo que nos cerca. Ruptura. Ao assistir ao filmaço "Watchmen" de Zach Snyder, baseado na obra em quadrinhos de Alan Moore, lembrei-me dessa aula e dessa palavra. Moore é um dos quadrinistas mais interessantes de todos os tempos, uma vez que dignificou as subestimadas histórias em quadrinhos (hq) com criações substancialmente irônicas e politizadas. Sua obra é marcada pela ruptura aos padrões infantilóides que o gênero oferecia, trazendo ao público adulto uma alternativa de leitura sob os traços em animação. "Watchmen" é, sem dúvida, sua obra - prima pela forma genial como Moore metaforiza seu país (Eua) e o mundo, investigando a decadência de um, outrora célebre, grupo de super-heróis. Esse é o resumo mais simples que consigo contar, já que há muita complexidade embutida nessa hq, que fora lançada em 1986 em 12 volumes. E, apesar de parecer papo de fã (no meu caso, recente) "Watchmen" foi considerada pela (má humorada) revista Times, como a única hq na lista dos cem melhores romances escritos de todos os tempos. Não é algo a se subestimar.
É obvio que, ao propor a transição da hq para o cinema, qualquer diretor do planeta iria sofrer com muita celeuma. O próprio criador da série disse que a obra era “infilmável”. E, convenhamos que, quem lê a história, encontra dificuldades em vislumbrar essa adaptação. Mas, após tanta novela de bastidores, troca de diretores e afins, eis que Zack Snyder (diretor de um dos melhores filmes de terror já feitos “Madrugada dos mortos” e do estiloso “300”) enfim realiza a adaptação e com êxito. Snyder é um diretor que se destaca pelo forte enfoque na estética (ou seria estilismo?) em seus trabalhos. "Watchmen" é um ponto de equilíbrio nesse sentido. Mas ainda assim, é por esse viés que o filme entrega uma das aberturas mais brilhantes de todos os tempos, onde o diretor sintetiza o entendimento da história com apurada inteligência narrativa.


Um dos pontos altos do filme é a verdadeira façanha que fora conseguir arrojar o roteiro do filme brilhantemente (coisa que transposições como a do best-seller “O código da Vinci” feita em parceria entre Ron Howard e Akiva Goldsman, não conseguiram mesmo), já que, se não dá para transpor todos os volumes no filme (dariam mais de 5 horas) é preciso perspicácia para captar pelo menos a essência da trama. E aí que muitos fãs xiitas se equivocam: não dá para querer ver o quadrinho diluído na telona. São veículos diferentes e isso deve ser levado em conta. Fernando Meirelles não precisou levar o romance de Saramago ao pé da letra para tornar “Ensaio sobre a cegueira” respeitosamente crível ao universo do autor. Apesar das excessivas críticas, não concordo que "Watchmen", o filme, traia sua essência de hq. Snyder conduz toda a história mantendo os signos básicos de Moore, como a ironia política, a ambiguidade humana e um certo distanciamento racional do discurso. Tudo sob os alicerces da ruptura entre gêneros, e a maior prova disso é que o diretor torna os impactos sexuais e violentos (que alinhavam aquele universo) muito mais gráficos que o material original. O filme tem seus deslizes como a inconsequente opção de Snyder na condução das diversas músicas que permeam todo o filme, sem uma uniformidade (e contrastando com a própria estética do longa). Parece uma jukebox, tocando músicas a ermo (Ainda que certas escolhas dêem um clima muito próprio às cenas: “Unforgettable” de Nat King Cole, como trilha sonora para um assassinato brutal de um importante personagem do filme, foi genial). Outro ponto fraco é a atuação da maioria do elenco, muito aquém do projeto. Os pouquíssimos destaques ficam nas costas de atores como Jeffrey Dean Morgan (captando perfeitamente seu “Comediante”) e Jackie Earle Haley (este, por dentro e por fora da máscara sinistra de Rorschach, com uma atuação arrepiante, digna de Oscar).
Seguindo a linha qualitativa de outros filmes baseados em hqs como “Batman” de Tim Burton, “Batman – O cavaleiro das trevas”, “X-men 1 e 2” e “Spider-men 2 e 3”
"Watchmen" encaixa-se no panteão das melhores adaptações para o cinema. Por mais que tentem esvaziar o conteúdo da história, é um filme adulto, de apuro reflexivo e muito corajoso (tanto para o público como para o mainstrean). Afinal, num meio social tão carente de heróis (dentro e fora das telas) tanto a hq quanto o filme (estes com meios visualmente ainda mais atrativos) vem para relativizar o papel do heroísmo para o ser humano. E eu termino com uma frase emblemática do escritor russo (com suas abstrações afiadas) Fiódor Dostoievski: “Não é a Deus que o homem procura, é, sobretudo, o milagre que ele procura”.
http://www.youtube.com/watch?v=nwrSgao6I4w

Dica de música: “No Line on the Horizon” (U2)









O silêncio que precede o espetáculo: Radiohead

Em fevereiro de 2006, eu fui um dos 1,5 milhão de pessoas espremidas nas areias de Copacabana, para assistir ao histórico show dos Rolling Stones pela turnê “A bigger band”. Apesar de simpatizar com a história da banda e achar que músicas como “Sympathy for the Devil” e “Satisfaction” são de qualidades atemporais, não sou dos mais apaixonados pela trupe senil de Mick Jagger. Estava ali mais pela importância do espetáculo.
Na última sexta-feira (dia 20) fui assistir ao primeiro show da banda inglesa Radiohead no Brasil, na Praça da Apoteose, no Rio. Ao contrário dos Stones, a banda, liderada por Thon Yorke, sempre suscitou em mim grande admiração, principalmente pelo “poder” transcendental de suas melodias e complexidade das letras.
Analisando os dois shows, vejo que os caminhos do rock, ao longo do tempo, foram se diversificando não só de acordo com a demanda, mas também com a percepção artística de seus agentes. O som etéreo dos Stones serviu de contraponto ao “formosismo” de um certo grupo, de muito sucesso, chamado The Beatles (alguém conhece?) em meados dos anos 60. Essa peculiaridade fora o grande responsável por marcar o anárquico quinteto como os grandes astros do rock mundial. Mas é inegável que os Rolling Stones nunca subverteram sua própria subversão. Nesse show em Copacabana, há mais de três anos, essa impressão ficou ainda mais forte. O espectador assistia a toda misé-em-cene de Jagger com olhos apaixonadamente passivos. Havia muita veneração e pouquíssima vibração, que é vital para um show como esse. E vibração, nas mais difusas vertentes do termo, foi o que não faltou na Apoteose com o Radiohead. No campo da veneração, tínhamos a expectativa de ser o primeiro show no Rio. Poder visualizar, em casa, toda a melancolia cinza de um bom som londrino era de causar picardias em corações mais fracos, por isso, quando pontualmente o show se iniciou com a multifacetada “15 step”, os quase 30 mil presentes foram ao delírio. Consegui um vídeo feito por um presente no exato momento: apesar da qualidade ruim dá para ter uma idéia do que foi http://www.youtube.com/watch?v=f3RLQxGfH48
Com seu psicodelismo melódico e uma presença irrepreensível no palco, o grupo fez valer o tempo de espera para vir ao Brasil. Com um cenário ricamente funcional, em que a iluminação apoteótica representou bem a subversão estilística da banda, vimos que Yorke e cia conseguem fazer no palco aquilo que tão bem produz no estúdio: um show de belíssimas abstrações sonoras, principalmente nas músicas “nude” e "Everything in its right place", tecnicamente idênticas aos dos cds. Aliás, todo o show foi assim, à exceção do hino maior “Paranoid Android”, que perdeu um pouco do lirismo na versão ao vivo.
Um espetáculo como esse chega a ser uma experiência transcedental, como defini no início. Vi homens aos prantos em certas músicas. Thon Yorke, no vocal, traduz sim, toda a melancolia de uma geração em canções que diluem o rock do progressivo resultando em obras-primas como “Creep” (muito pedida pelo público) e “Jigsaws falling into place” (do último e ótimo cd “In rainbow”). Esse vídeo é uma mostra do preciosismo da banda http://www.youtube.com/watch?v=TAhrVfAp-5U&feature=PlayList&p=D62C29A2B3F08A2C&playnext=1&playnext_from=PL&index=9
Infelizmente não cheguei a tempo de assistir ao retorno dos Los Hermanos, que abriram o show, assim como o Kraftwerk (que até ouvi de longe, mas os achei datados demais), entretanto, o show principal me bastou. Foi curioso ver Yorke agradecendo ao fim das músicas com um “Obrigado!” em português vacilante (inclusive o guitarrista Ed O’Brien gritou um “Bom pra caralho!” empolgado, ao fim de uma canção). A certa altura, um rapaz ao meu lado, comentou embasbacado com um amigo: “Pô, essas músicas cravam na alma!”. E foi com a alma cravejada dessa liturgia, que quase peguei um avião com destino a Londres, para me infurnar num pub enfumaçado e tentar entender de onde vem tamanha inspiração. E, para ter essa sensação, nem foi preciso estar num show grandiloquente em Copacabana.
Dica de música: "“Paranoid Android” para entender que é o (Readiohead)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Observações tardias sobre o Oscar!!!

Enfim falarei sobre o Oscar, já que, como dissera num post passado, muitos dos filmes indicados não haviam sido lançados no país à época e, automaticamente, me impossibilitaria de fazer uma análise mais pungente sobre os indicados. Dos quantro indicados, só não pude assistir "Frost/Nixon" de Ron Haword, mas breve postarei sua "crítica" já que é um filme (por mim) muito aguardado - apesar de detestar o diretor. Sempre considerei o Oscar como uma necessidade ao glamour que o cinema sempre exigiu. Que Godard e sua intelectualóide européia não me ouça, mas até no terreno deles isso se aplica, afinal o tradicional Festival de Cannes se valeu desse mesmo showbusiness para ter o respeito que tem. Dada as devidas proporções. Voltando ao Oscar, nesse ano a premiação buscou se reinventar devido ao fraco desempenho na tv americana em anos anteriores. Inclusive suprimiu até uma de suas marcas mais representativas, escalando para apresentar, não um comediante, mas um ator de musicais: o "Wolverine" Hugh Jackman. Jackman, que tem uma prolífera carreira no teatro australiano - onde nasceu - e faz sucesso também na Broadway, trouxe certa serenidade a apresentação. E ainda mostrou carisma nos musicais que permearam toda a noite. E, confirmando as expectativas, o Oscar foi para "Quem quer ser milionário?" de Danny Boyle (na foto abaixo, com o protagonista do filme, Dev Patel) . Já falei aqui que esse filme é muito intrigante para mim mas, diferente do Oscar 2006, onde o bom (mas irregular) "Crash" surpreendentemente venceu o até então (e merecidamente) favorito "Brokeback Mountain" de Ang Lee, não foi de todo injusta a premiação ao filme. Eu, sinceramente, acho "Milk" de Gus Van Sant, mais sincero em seu discurso e em seu retrato emotivo à sua história. Dos quatro que vi, era o meu favorito. "O curioso caso de Benjamim Button" é belíssimo mas - mesmo tratanto-se de um filme de David Fincher - é um cinema mais clássico em sua forma, o que tira muito de sua força frente aos filmes citados. E "O leitor" nem deveria estar entre os cinco. Também concordo com a torcida por "Batman - O cavaleiro das Trevas", que redefiniu seu gênero e impôs um novo padrão de qualidade aos filmes baseados em Hqs. Ou até "Ensaio sobre a cegueira", este incompreendido filme de Fernando Meirelles.
Gostei bastente da premiação aos melhores atores e atrizes. Sean Penn ter ganho por "Milk" foi uma vitória da preciosista construção de personagem do ator. Mickey Rourke, por "O lutador", que abocanhou o Globo de Ouro, era uma ameaça mas, cá entre nós, apesar de sua entrega total ele interpretou a si mesmo. Brad Pitt ("Benjamim Button"), Frank Langella ("Frost/Nixon") e Richard Jenkins ("O Visitante") foram bons concorrentes e as indicações honraram seus talentos. Entre as atrizes o Oscar resolveu fazer justiça e premiou Kate Wislet por seu difícil papel em "O leitor", aliás ela é a melhor coisa do filme. Como não vi ainda "Dúvida", não sei se Meryl Streep faria frente a Kate. Tenho que admitir que sou sensível a Meryl. É uma atriz que difícilmente erra. Anne Hathaway, pelo pouco que vi, se reinventa em "O casamento de Rachel" e também seria um bom páreo. Angelina Jolie (por "A troca") e Melissa Leo (ressurgindo em "Rio Congelado") comprovam que 2009 foi um ano difícil para os votantes.
E entre os coadjuvantes, uma dúvida e uma barbada. Para atriz, Penelope Cruz era uma possibilidade incerta. Ganhou. Seu trabalho no filmaço "Vick Cristina Barcelona" de Woody Allen é irreprensível, principalmente por trafegar em cima do clichê regional. Eu estava dividido já que todas as indicadas eram boas. Quanto aos atores, Heath Ledger e seu (já antológico) Coringa, não tinham concorrentes. Não pelos outros indicados, mas pela força sem igual da interpretação do falecido ator. Foi também um meio de premiar o filme enquanto a Academia de Artes Cinematográficas não revê seus conceitos arcaicos de avaliação.
No mais, as premiações seguiram o curso previsto com algumas poucas surpresas ("Departures", filme japonês destronando o favoritismo do israelense "Valsa para Bashir"), confirmando a consagração de "Wall.E" da Disney e mostrando que a tal reestruturação do evento em sim era bem vinda, já que sua audiência mundial aumentou e agradou público e crítica. Que venha 2010.
Dica de Música: "Take me out" (Franz Ferdinand)





quarta-feira, 18 de março de 2009

Por uma Índia líricamente ordinária

A palavra "ordinário", como adjetivo, tem dois sentidos opostos na língua portuguesa, podendo ser tanto algo "de baixa condição, reles, baixo", quanto algo "habitavel, que caminha na ordem natural das coisas". E é nessa ambiguidade linguística que procuro uma classificação para o premiadíssimo filme "Quem quer ser milionário?", Oscar de melhor filme deste ano, com direção de Danny Boyle.
O filme se equilibra na linha tênue entre a fábula lírica e oportunismo discursivo. Como fábula é encantador. Ao narrar a ascenção de um garoto pobre que, dotado de uma inteligência incomum, está em vias de ganhar uma fortuna de 20 milhões de rúpias em um programa de tv, Boyle cria um verdadeiro espetáculo sócio-emocional sobre a superação e os caminhos para tal, com uma eficiência que poucos livros de auto-ajuda conseguem. Adornando com sacarose britânica sua trama, o diretor se vale de flashbacks para justificar que o êxito do protagonista é resultado de uma dramática história de vida, onde povoam vilões insanos e aventuras, a la Charles Dickens. Essa linha temporal da narrativa nos remete (claramente) ao neo-clássico "Cidade de Deus" de Fernando Meirelles, seja pela estilística fotografia, seja pela estrutura da trama em si.
É inegável o poder que esse filme incute no espectador, principalmente na primeira parte onde Jamal, o protagonista, vive as desventuras de uma infãncia marcada pela crueldade humana na inseparável companhia de seu irmão Salim e de sua amada Latika. Esse início é de suma importância para cativar a trajetória que o personagem dará até seu fim, um tanto previsível. Inclusive os atores mirins dão um show de carisma na telona.
Se como fábula o filme emociona, como cinema a inversão é inevitável. O roteiro de Simon Beaufoy (livremente baseado no livro "Sua vida vale um bilhão? de Vikas Siwarup) é de um maniqueísmo extremo, estabelecendo sempre os papéis de mocinhos versus bandidos e numa cronologia um tanto inverossímel. Cada resposta de Jamal, no tal programa de tv, acompanha cronologicamente os acontecimentos decorridos em sua vida e esse "milagre" também percorre vários trechos do filme como na cena em que Jamal tem que arrumar uma forma de entrar na mansão de mais um "malvado" em seu caminho. Essa "liberdade poética contrasta com o realismo que a miséria indiana - muito bem fotografada na tela - imprime sobre o longa. Fora que o recurso de colocar uma tortura inexplicável para respaldar os acontecimentos que dão sentido a história, é primário. Prejudica também a fragilidade dos diálogos que banalizam as questões apresentadas como se tudo se resolvesse pelo ditames do puro e simples amor(!).
Esses pecados só são perdoados se o filme for visto pelo prisma da fábula mesmo, onde tudo é possível em busca de uma lição moral. Confesso que fiquei encantado (essa é a melhor palavra) assim que o filme acabou - com um número de dança indiana bem pertinente ao discurso "low profile" que Danny Boyle defende no longa - pois é inegavelmente bem realizado. Mas foi só passar algumas horas após assistí-lo, que comecei a refletir sobre qual o verdadeiro caráter do que tinha visto. Para o diretor - que vinha de longas inexpressivos como "Sunshine - alerta solar" e "Caiu do céu" - "Slundog Milionaire" (seu título original) foi uma redenção na selva hollywoodiana. Para mim, a resposta sobre qual o verdadeiro sentido desse filme, ainda é uma incógnita.

Dica de filme: para entrar no clima "Beedi" (Sukhwinder Singh e Sunidhi Chauhan)

terça-feira, 10 de março de 2009

Ainda Pretty Woman!!!




Enfim saiu a data de lançamento (americana) do esperado filme "Duplicity" (20/03), filme este que marca o retorno de Julia Roberts como protagonista, depois de alguns anos fazendo participações pequenas em filmes como "Jogos de poder" e "Lucas, um intruso no formigueiro" devido a sua recente maternidade. Julia faz falta ao cinemão Hollywoodiano e, ainda que tenha se tornado uma peça desse circo midiático é uma atriz de extremo carisma. E talento, que fique bem claro.


Retomando a parceria iniciada na obra-prima "Closer" de Mike Nichols , Julia protagoniza o filme com o ator Clive Owen. Dirigidos por Tony Gilroy, do vigoroso "Conduta de risco". A história fala de dois antigos amantes que viram espiões corporativos rivais. Tem cheiro de "Sr e Sra. Smith"? Sim, mas como a direção é de Gilroy - que demostrou uma maturidade de thriller setentista em sua estreia - há uma esperança de que La Roberts tenha feito uma boa opção para seu retorno. Gabaritos não faltam já que "Conduta de risco" (que acaba de ser anunciado com parte do pacote cinematográfico da rede Globo em 2009) é um filme de trajetória notável: primeiro filme de Gilroy, fora indicado ao Oscar de melhor filme em 2007. Após uma bem sucedida carreira como roteirista - fora a mente criativa por trás dos excelentes roteiros da trilogia Bourne - o diretor tem se aventurado muito bem pela seara da direção. E Julia, que vamos combinar, desde seu Oscar de melhor atriz por "Erin Brocovick" não faz nenhum grande trabalho na telona (à exceção do já citado "Closer") nos deve um retorno á altura.

Dica de música: "Porcelain" (Moby)

A Insustentável leveza de ser carioca !





"O dia passa e eu nessa lida / Longa é a arte, tão breve a vida / Louco é o desejo do amador, querida, querida / Longo é o beijo do amador, bandida / Belo é o jovem mergulhador, na ida / Vasto é o mar, espelho do céu, querida, querida / Querida."

"Querida", uma das músicas mais bacanas do acervo criativo de Tom Jobim (e a preferida desse que vos fala), sintetiza bastante a sensação que me deu ao fim do musical "Tom & Vinícius", domingo passado no suntuoso teatro Carlos Gomes na Praça Tiradentes RJ. O musical é um projeto pessoal do ator Marcelo Serrado (que interpreta Tom), que, com direção de Daniel Herz, remonta a trajetória de amizade entre Tom e o poeta Vinícius de Moraes (interpretado com graça por Thelmo Fernandes) permeados pelas belíssimas músicas oriundas dessa parceria e que se tornaram clássicas e representativas para a história da Bossa Nova e da MPB (ou das duas concomitantementes).

Com roteiro da (prolífera) Daniela Pereira de Carvalho e Eucanaã Ferraz, "Tom & Vinícius" traz um panorama bem nostálgico dessa parceria e ajuda muito na compreensão da atemporalidade de suas obras. A opção por "acariocar" a narrativa dá um certo ranço despretensioso ao que se passa no palco. Os dois atores principais estão muito bem em seus papéis ainda que se sinta uma certa polarização entre os mesmos já que Marcelo imposta perfeitamente bem a voz de Jobim nas canções que interpreta, mas sob o método Bretchiano, ou seja, com certo distanciamento. Thelmo, ao contrário, parece incorporar não só os aspectos fonoaudiólogos de Vinícius, como evoca o estado de espírito perene do poeta. Serve como diferenciação de personalidades na história, mas é incontestável como Thelmo (e seu Vinícius) cativa o público em suas cenas. Guilhermina Guinle imprime elegância, fazendo as mulheres de Vinícius e Luiz Nicolau - comumente fazendo papéis marginais na tv e no cinema - surpreende com a versatilidade em que dá vida a Juscelino Kubitschek e Frank Sinatra (inclusive cantando "Girl from Ipanema" com Jobim). Um verdadeiro destaque num elenco de ótimos coadjuvantes.
Vale destacar também as soluções cênicas e a direção de palco, dispensando as referências clichê de Broadway. A homenagem a Dolores Duran emociona (ainda que a atriz escolhida para dar vida à cantora seja fraca, apesar da bela voz) e o prólogo parisiense para a canção "Eu sei que vou te amar" é um achado. Para os fãs, a não-citação de certas canções podem aborrecer (assim como as rápidas aparições de algumas clássicas, como a obra-prima "Canto de Ossanha"), mas fica mesmo difícil agregar todas a músicas e ainda agradar a todos.
Além da leveza da obra e trama apresentada, ao fim do espetáculo confirmamos a importância da Bossa Nova para a nossa música, o fim de certos mitos (já que o gênero é do sangue do samba e não do jazz como dizem) e o orgulho ufanista de nosso cancioneiro.


Dica de música: claro, "Querida" (Tom Jobim)

Um arco-íris em branco e preto


Gus Van Sant é um sádico. Um sádico e um gênio. Seu cinema sempre se propõe a trafegar pelos caminhos de uma morte anunciada. Seja investigando a ira inconsequente dos jovens que metralharam vidas em um colégio americano, como vimos no superestimado "Elephant"; seja acompanhando últimos (e depressivos) dias do "Nirvana" Kurt Cobain, no subestimado "Last days". A eloquência de um indivíduo e/ou seus atos diante da urgência de sua morte gravitam o universo de Gus assim como dá forma a sua recorrente inventividade artística. Nota-se que mesmo quando erra (vide seu imperdoável remake de "Psicose" em 98), é nesse adendo estético que ele encontra sua redenção.



"Milk - A voz da igualdade", seu mais novo filme, tem sido apontado como um de seus trabalhos que mais dialoga com o grande público (assim como no interessante "Gênio Indomável"), uma vez que Gus buscou uma narrativa mais convencional que seus costumeiros experimentalismos. Talvez essa opção tenha sido proposital: "Milk" é um dos filmes mais políticos que já assisti. Não é um filme de efeitos; É um filme de causas, e causas dimensionadas. Ao retratatar a saga do novaiorquino Harvey Milk (1930-1978) que, ao mudar-se para a cidade de São Francisco torna-se o primeiro político homossexual a ser eleito para um cargo público nos Eua, Gus estrutura um verdadeiro ensaio sobre a intolerância. O próprio diretor - homossexual assumido - não usa sua obra como panfleto de um discurso. Muito mais do que vitimizar seu "herói" e sua causa, "Milk" universaliza seus próprios limites e propõe a verdadeira discussão do filme: O amor é expressado e compartilhado de diversas formas diferentes e cabe a cada um de nós suplantar nossas tentativas de compreensões dogmáticas em favor de um item vital à racionalidade humana: o respeito.

Sean Penn brilha mais vez dando impressionante forma ao personagem (aliás não deixa de ser curioso ver o outrora homofóbico e machão ator com leves afetações em algumas cenas). Apesar do trabalho primoroso de Frank Langella em "Frost/Nixon" e da total entrega de Mickey Rourke no quase autobiográfico "O lutador", Penn merecia mesmo o segundo Oscar que rebeceu, principalmente pela bela composição que deu a seu Milk, desvencilhando com louvor dos perigos de sua forma cênica. Josh Brolin e James Franco também conseguem imprimir excelentes atuações com a ambiguidade (sã/sádica) do primeiro e a maturidade serena do segundo. Há ainda a solar presença de um irreconhecido Emile Hirsch e o "High School" Lucas Grabeel, mostrando que sua carreira caminha para a versatilidade.
"Milk" talvez seja o trabalho mais equilibrado de Gus Van Sant e onde ele pode conjugar seu talento de uma forma mais apaixonada. As tomadas de personagens reais interagindo com o ficcional, a analogia trágica com a ópera de Puccini e a cena final do filme - uma das mais belas e impactantes do cinema recente - conferem a esse diretor sua áurea de cineasta, pelo que representa e pelo o que apresenta.

Dica de Música: "I've seen it all" (Bjork)

sexta-feira, 6 de março de 2009

O Horizonte U2 !!!


Qual banda de rock atual que, a cada lançamento movimenta com tamanha dimensão, a cultura pop mundial? Qual banda de rock consegue persuadir uma espécie de grande expectativa coletiva de não-fãs, mesmo que apenas para desdenhar? Qual banda de rock que, comprovando sua relevância atemporal, tem seu clipe de lançamento de um single exibido com pompa no dominical "Fantástico", como nos idos anos 80 acontecia com Michael Jackson? Rolling Stones? Não, Mick Jagger e cia ainda mandam bem mas se esforçam para não cairem na caricatura deles mesmos. Estou falando do U2, que após quase um ano de adiamento lança seu novíssimo álbum: "No line on the horizon". Pude participar de uma audição do novo cd e garanto que, a primeira audição, o cd me arrebatou. Após o vibrante último cd "How to Dismantle an Atomic Bomb " em que o grupo mostrou por que ainda é banda mais importante do planeta com pérolas como "Vertigo" e "Sometimes You Can't Make It On Your Own" (esta, ganhadora do Grammy 2006), fora a obra-prima "City of Blinding Litghts ", o quarteto irlandês mantém o nível de suas músicas com melodias bem engendradas e letras que harmonizam inteligência e o vigor que o bom pop-rock precisa. Após lançarem o single "Get On Your Boots", que apesar de um clipe bacana e uma musicalidade bem singular, mostrou-se apenas correta para um público ávido por novas canções, o cd em si é bem coeso com seu psicodelismo pós-moderno como na maravilhosa canção dá nome e abre o cd "No Line On The Horizon", assim como "Magnificent" (com a primordial atuação do guitarrista The Edge) e "Fez". Muitos críticos - daqui e do mundo - têm dito que o cd é bom mas não representa uma evolução em termos artísticos para a banda. Qual é? Os Beatles são eternamente canonizados (e merecem tal unanimidade) mas, após o icônico álbum "Branco" não houve grandes evoluções entre "Yellow Submarine" e "Abbey Road". Ainda assim acho que "No Line On The Horizon" mais que uma evolução, é uma afirmação do talento contínuo dos finlandeses mais representativos da atualidade.

Dica de música: "Discothèque", do odiado (mas por mim amado albúm "Pop") do U2

OSCARito




Santos distribuidores! Talves vocês estejam sentindo falta de algum comentário sobre Oscar 2009 (evento esperado com ardor por todo cinéfilo, assumidamente ou não). Mas o descaso com os amantes da sétima arte do terceiro mundo é tanto que muitos dos filmes indicados ainda não foram lançados por aqui, o que impede uma análise mais abrangente da premiação. "Slundog Milionaire" (Quem quer ser milionário?) de Danny Boyle, por exemplo, só estréia hoje no país, quase duas semanas depois de ter ganho o Oscar de melhor filme. "Frost/Nixon" (que me parece ser a redenção de Ron Haword), indicado a melhor filme, só chega no fim de março. Fica registrado aqui o meu total descontentamento com esse descaso dos estúdios brazucas. Como se isso representasse alguma coisa né?


Dica de Música: "Podes crer" (Cidade Negra)