quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Somos os pais???

Essa é exclusiva: assisti ontem a pré estréia do aguardado e polêmico filme “Lula, o filho do Brasil”, do diretor Fábio Barreto. Apesar de tudo o que se põe contra a produção – das primeiras críticas ruins, do fato de não ter gostado de nenhum filme anterior desse diretor... – posso dizer que gostei muito do filme.
O filósofo alemão Walter Benjamin tem uma frase que gosto bastante, que diz que “a construção da vida encontra-se mais em poder dos fatos do que das convicções”, e por mais que tenha a consciência de que não é por uma ação dramatizada que se compreende um homem, digo que o filme se coloca como metáfora para figura, um tanto controversa, de nosso presidente. Primeiramente gostaria de dizer que não compactuo com essa corrente que defende o filme como uma arma política para a campanha presidencial de 2010. Até porque se fosse usado para o isso, o filme não seria o mais apropriado. Mais forte do que uma suposta produção cinematográfica panfletária é a popularidade impressionante de Lula, que beira os inéditos 70% de aprovação. Quanto a esse fato não há argumento. Se formos olhar a influência, digamos, estética do filme, os votos seriam vertidos para a candidata do PV, Marina Silva (pela leve similaridade de trajetória), e não para Dilma Rousseff. E quando se discute o momento, dito não apropriado ao lançamento do filme, uma vez que o personagem ainda está vivo e na presidência, não sejamos ingênuos. O filme foi pensado e produzido por empresas privadas, que visam o lucro. A política aqui é retratada, e não rechaçada.

Dito isso, vamos ao filme: O diretor Fábio Barreto não tem um currículo animador. Seus filmes trafegam entre o ruim e o insípido. Até hoje me pergunto a razão da escolha de “O quatrilho” como um dos candidatos ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1995. Ainda que seja um de seus melhores filmes (!), não classificaria em nada além do “acima da média”. “Bella Donna” (filme de 1997), é pavoroso e “A paixão de Jacobina” (uma superprodução de 2002, que tinha um argumento interessantíssimo), é uma das piores coisas que o cinema brasileiro já lançou. Mas, surpreendentemente, Fábio dirige o “Lula, o filho do Brasil” com uma maturidade impressionante. Com auxílio da precisa fotografia de Gustavo Hadba, Barreto desfila referências (do Cinema Novo no início do filme, aos thrillers políticos da década de 70 em sua conclusão) durante a projeção e impõe um bem sucedido trabalho cênico com os atores. Seu filme consegue dar forma a um mito sem apelar para as armadilhas épicas que o gênero atrai. E ainda resgata a noção de “emocionante” suplantando o “cinismo” que o gênero invariavelmente evoca. O roteiro pode até ser condescendente demais com o personagem, só que diferente de filmes como “Che”, que personificou a saga embrionária de Che Guevara de forma incomodamente devocional, essa mitificação acaba por ser coerente com sua desmistificação: se hoje relativisamos a figura de Lula, com suas incoerências éticas e políticas, é por que tínhamos uma figura (ou uma visão romântica) idônea e heróica que o tempo e o poder teriam corrompido. E é sobre esse período de construção, o início de sua trajetória política que o diretor sabiamente se propôs a mostrar e, ainda que em certos momentos fiquem expostas algumas fragilidades de direção e uma fabulação do discurso retratado, é na justificação desta dicotomia entre o homem e o político, que o filme revela sua grandeza e pertinência.
O desconhecido ator Rui Ricardo Dias incorpora com precisão seu Lula, sem se importar com as caricaturas que o mesmo suscite em humorísticos. Juliana Baroni, dando vida à primeira-dama Marisa Letícia, brilha em suas breves cenas, assim como os atores que cobrem a infância do presidente. Mas a grande presença é mesmo da arrepiante atriz Glória Pires que, em um ano produtivo no cinema (brilhou em “Se eu fosse você 2” e agora ganhou prêmio inédito de melhor atriz no sisudo Festival de Brasília com “É proibido fumar”), rouba todas as cenas como a mãe do presidente, que é o grande esteio dramático da história. Além de compor uma nordestina com inteligência, comprova sua entrega e experiência ao audiovisual dominando todos os desafios cênicos de sua personagem.
Destaco também a linda trilha instrumental de Antonio Pinto e Jaques Morellembaum, que age como complemento atmosférico às catarses que o diretor propõe, com uma presença entre o intimista e o espetacular.
Quando disse que o filme é uma metáfora de seu protagonista é justamente por conotar suas imperfeições pois como o próprio Lula, o filme é cheio de fragilidades, mas nos ganha pelo carisma e espontaneidade com que nos emociona. A última cena reverbera a sensação de ambigüidade que futuro trouxe, ainda que o presente não descaracterize o passado de forma totalitária. A vida real é mesmo bem mais complexa, mas ainda assim Benjamin tinha razão: fatos sobrepõem-se a convicções.



Dica de Música: "Roda Viva" (Chico Buarque)



2 comentários:

Willian disse...

Posso dizer que não vi nenhum dos filmes do Fábio Barreto, mas esse eu quero realmente ver, e sua crítica me deixou mais empolgado! =)

Cinerenan disse...

Faça isso que é a melhor porta de entrada para a irregular filmografia dele. Só não se assuste depois...rs!