sexta-feira, 29 de maio de 2009

Pop Jornada!

J. J. Abrams é, sem dúvida, uma das mentes mais criativas e prolíferas da seara hollywoodiana atual. Eu já havia esboçado um comentário sobre ele há alguns meses atrás neste blog. Tinha acabado de sair o trailer de “Star Trek”, reinvenção do clássico, dirigido por ele e aquele pequeno trecho me deixou muito entusiasmado. Abrams é roteirista, produtor e agora, diretor de algumas das melhores e mais representativas séries da tv americana. Começou a (me) chamar atenção com “Felicity”, série, aparentemente descompromissada, mas que traçava um interessante painel sobre os relacionamentos jovens na pré-maturidade. Logo depois, emplacou “Alias”, série pop de espionagem, que tinha um roteiro tão esquizofrênico quanto inteligente (o que virou sua marca incontestável). “Alias”, que durou cinco temporadas, até chegou a perder sua linha de “raciocínio” ao longo da temporada, mas o arremedo narrativo dele sempre foi preponderante para o sucesso da série. Em 2004, eis que surge “Lost”, criado por ele e seus dois parceiros Damon Lindelof e Carlton Cuse. A inventividade da trama – ainda que suscite muita irritação em boa parte da audiência – e a extrema habilidade em criar tramas que segurem o espectador, fez da série uma das melhores já produzidas no mundo. “Lost” é o emblema máximo de seu criador: criatividade, hiperatividade e substancialidade.
Em sua estréia nos cinemas, transformou o terceiro “Missão Impossível” no melhor dos três filmes, com sua visão estratégica para a premissa batida que tinha em mãos. Fora seu trabalho como produtor: a forma como “Cloverfield: Mostro” foi vendida e divulgada, é para se estudar em escolas de marketing.
‘Star Trek” veio para coroar todas essas qualidades. Nunca fui fã da cinessérie e todas as tentativas de ressuscita-la foram risíveis (o que que é “Nêmesis” ?) . Entre a cafonice espacial “trekiana” e o verdadeiro ensaio sobre o poder que “Star Wars” oferecia, ficava com a segunda opção. Imagino que Abrams tenha tido muito trabalho nesta adaptação, já que o mesmo também se diz avesso aos filmes anteriores. Mas o resultado é muito bom. O filme consegue sintetizar bem o clima dos anteriores sob uma perspectiva moderna e, narrativamente, bem respaldada. O diretor é mestre na estruturação de suas tramas e aqui, essa proeza é vital para agradar aos fãs xiitas e ainda angariar novos públicos.
Diferente de “Watchman”, que apesar de ser um filmaço, conta com um elenco muito aquém, “Star Trek” atualiza-se com um elenco bem escolhido. Chris Pine e Zachary Quinto dão a precisa intensidade que o histórico duelo entre Kirk e Spok necessita. Aliás, Pine é uma surpresa. Camuflado em insossas comédias românticas, o ator nunca mostrou muita expressividade no cinema, mas no filme, sua atuação é solar.
O filme remonta a infância dos protagonistas para, assim, recontar a saga da tripulação da USS Enterprise. Nesse contexto, Abrams e seus dois roteiristas (Alex Kurtzman e Roberto Orci) subvertem o antigo conceito da franquia, amparando assim muitas possibilidades para futuros filmes (que com o sucesso deste, já está certo que dentro de dois anos teremos uma nova aventura). Assim como feito no filme de Tom Cruise, a reinvenção que J. J. propõe em “Star Trek” é preponderante para a perenidade do filme, porque ele manipula como ninguém a dualidade (tão rara) entre adrenalina narrativa e inteligência discursiva. Spielberg já tem um substituto a altura.

Dica de música: “Feel good” (Gorillaz)

Muso híbrido

“Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim”
Quando o grande Caetano Veloso professou a complexidade de seus anseios e sentimentos nesta canção, ficou mais fácil entender de onde vinha a insurreição criativa que marcou sua carreira até aqui. Político, prolixo, poético. Caetano sempre nivelou melodias – com sua voz marcante – de acordo com uma visão de mundo e sua relação com a arte. O exílio setentista, a maresia baiana, o saudosismo jazzista, enfim, todas as referências empregadas são convertidas em versatilidade musical. O que ele tem a dizer (e a cantar) é sempre bem interessante e vai dando sentido a um tempo, espaço e estado de espírito.
Há três anos – e após ter lançado um respeitoso cd de standarts de músicas americanas e inglesas – Caê surpreende com o ótimo cd “Cê”, onde comprovou que seu talento é inerente a sua condição de ícone. “Cê” é um encontro do cantor com a nova geração (afinal, Caetano ouve bandas novas como Radiohead) e com a energia melódica que marcou sua fase pós-exílio. A crueza das canções encontrou abrigo certo na voz do baiano. Como esquecer “a dor e delícia” da música “Eu não me arrependo de você”.
Neste ano, Caetano retorna com “Zii Zie”, cd que mescla a curiosidade contemporânea e seu classicismo habitual. O cantor compõe para seu meio e canta para o mundo os versos de uma cidade (Rio), de um homem comum e de um sentimento (o amor?!). “Zii Zie”, tios e tias em italiano, é o resultado de uma série de shows feitos por ele, que o ajudaram a construir o conceito daquilo que ele queria falar. É um disco muito bom. Hábil em cimentar a fase atual do cantor. Não vou falar aqui especificamente de todas as músicas pois cd de Caetano é para se digerir com calma e com alma. Sério. Suas composições e melodias requerem mais que uma simples “escutada”. Mas destaco aqui a belíssima “Sem cais”, de arranjo simples e etéreo, que tece sobre a ingenuidade e suscetibilidade de um ser apaixonado. É simples e precisa. Gostosa e dolorosa. Provando que o mundo que resta guardado no coração de Caetano tem muito a nos apresentar ainda.

Dica de música: “Sem cais” (Caetano Veloso)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

E o Oscar vai para Cannes!

E mais uma vez o Festival de Cannes chega ao fim, cumprindo sua premissa de apresentar ao mundo os aguardados filmes de grandes cineastas mundiais. Com boa dose de polêmica e bastante burburinho.
O vencedor da Palma de Ouro foi o filme austríaco "Das weisse band", do diretor Michael Haneke (“A professora de piano”). Filmado em preto – e – branco, o filme fala sobre o extremismo conservador de uma pequena aldeia alemã, no início do século XX. Desde que foi exibido para imprensa, já era dado como um dos grandes favoritos. O filme soa interessante e vai de encontro a corrente politizada do festival.
Mas em Cannes a performance pública dos filmes acaba sempre importando mais que o vencedor. E, num ano em que, entres os candidatos, tinha nomes como Lars Von Trier e Almodóvar as atenções não poderiam mesmo ficar restritas a um único dia.
Coppola voltou a forma com o elogiado “Tetro”, filmado na Argentina e com fortes tintas autobiográficas. Outro veterano, este sempre marcando presença em Cannes, desde a consagração de seu filme mais emblemático, "Hiroshima, meu amor", é Alain Resnais, que competiu com seu elogiado “Les herbes folles”. Ken Loach, botou o pé no freio de seus filmes político-ideológicos para brincar de futebol, com seu filme “Looking for Eric”, comédia dramática sobre um carteiro apaixonado pelo esporte.
Neste ano também houve a forte presença de filmes de terror em Cannes. Sam Raimi, de férias da franquia “Homem-aranha” apresentou seu mais novo (e pelo trailer, assustador) produto do gênero “Drag me to hell”, que marca o retorno do diretor a esse tipo de filme, uma vez que esteve por trás do emblemático “Evil dead”, anos atrás. “Thirst” e “Anticristo” também causaram alvoroço na Riviera francesa. O primeiro é do diretor sul-coreano Park Chan Wook, do ótimo “Old boy”, que provocou risos enérgicos na platéia por seu humor negro, contando a história de um padre que se oferece para um experimento e vira um voraz consumidor de sangue humano.
“Anticristo” (foto macabra do começo do post) talvez tenha sido o filme mais polêmico de todo o festival. Lars Von Trier é um diretor que alimenta polêmica em cima de seu nome (disse em entrevista que era o melhor diretor de cinema do mundo) e num filme que contém cenas de sexo explícito e mutilação genital, a celeuma já era esperada. Vi o trailer e gostei bastante. Acho que, pessoalmente (digo pela entrevistas e extras em que o vi) ele me pareceu um grande babaca, mas como artista, o cara manda muito bem. Seus filmes, geralmente, são geniais e “Dançando no escuro” – já premiado em Cannes – é uma obra-prima. Fiquei curiosíssimo para assistir. Charlotte Gainsbourg, que fez cenas complicadíssimas, foi premiada com a palma de melhor atriz.
Ang Lee também marcou presença com seu “Taking Woodstok”, tido como um filme bem simpático fazendo um painel do famoso festival americano. Heath Ledger (o já eterno Coringa) foi lembrado com o filme “póstumo” "The imaginarium of Doctor Parnassus" dirigido por Terry Gilliam. O longa traz a última - e inacabada - participação de Ledger em um filme. Para preencher o vazio deixado por ele, Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell entraram no projeto, doando o cachê para a filha do ator.
“À deriva”, filme de Heitor Dhália, agradou bastante na mostra paralela “Um certo olhar”. Também assisti ao trailer e me soou como um passo evolutivo na carreira do diretor. “No meu lugar”, estréia em longas de Eduardo Valente, não gerou muita repercussão.
E, por falar em repercussão, duas grandes promessas do Festival, “Los abrazos rotos” de Almodóvar e “Inglórios Bastardos” de Quentin Tarantino parece não ter agradado a crítica e o júri. O filme do cineasta espanhol (ilustrado nesta foto acima, com Penélope Cruz) foi acusado de ser mais do mesmo na carreira do autor. Não sei, parece uma constatação apressada. Resta esperar o lançamento no Brasil. Já sobre Quentin o que se disse era que seu novo filme é um tanto arrastado, apesar de ter atuações interessantíssimas como a de Christoph Waltz, premiado com a palma de melhor ator, por seu esquizofrênico general nazista.
O francês "Un prophète", favorito até os últimos dias, levou o Grande Prêmio e o chinês “Spring fever”, de Lou Ye, que versa sobre as dificuldades do sub-mundo gay no país, levou o prêmio de melhor roteiro.
Cannes mantém seu prestígio por todos esses fatores que estimulam as discussões dos cinéfilos. E ainda traz um panorama do que de melhor tem se feito no mundo. Para nós, ávidos consumidores da sétima arte, isso é uma catarse e tanto.


Dica de música: “Call me” (Chris Montez)



quarta-feira, 27 de maio de 2009

In the deep



Há um quê de Dostoiéviski no último e belo filme de Jonathan Demme, “O casamento de Raquel”. Os personagens escritos pelo escritor russo parecem viver num conflito crônico de inadequação social, gerando histórias humanas riquíssimas. E foi essa sensação que tive ao assistir ao filme, que rendeu uma indicação ao Oscar (e prestígio) para a atriz Anne Hathaway.
O filme acompanha a história de Kyn (Hathaway), que após nove meses internada numa clínica de desintoxicação, recebe alta para ir ao casamento da irmã mais velha, Raquel (defendida com inteligência pela atriz Rosemarie Dewitt). Kyn foi responsável pela morte de seu irmão, num acidente de carro. É nesse reencontro com a família – em um momento festivo – que o filme procura discutir as complexidades da culpa em contraponto ao perdão. Kyn procura a redenção no convívio familiar, pois a culpa interna ainda a atormenta, assim assemelha-se a Raskolnicov, protagonista de “Crime e castigo”, um dos livros mais conhecidos de Fiodor Dostoiéviski. O conflito interno questiona seu lugar no mundo. No filme, essa inadequação é mútua: a família também precisa aprender a lidar com o paradoxo que se estabelece na relação com a personagem, afinal, o amor de filha e irmã é latente, mas a mágoa da mesma ter se transformado num corpo estranho naquele microcosmo, por vezes, fala mais alto.
Demme é um diretor habilidoso. Não à toa, alguns de seus filmes viraram clássicos, como os ótimos “O silêncio dos inocentes” e “Filadelphia”. Em “O casamento de Raquel”, foi muito influenciado pelo movimento Dogma 95, com câmera na mão e estética crua e naturalista. Essa opção técnica ajuda a radicalizar o conceito intimista que a trama precisava para se impor. Há vários subtextos nessa festa familiar. Desde os relacionamentos inter-raciais até as esporádicas citações políticas. Demme demonstra convicção em sua direção – e auxiliado pelo roteiro maduro de Jenny Lumet - procura sempre imprimir uma atmosfera íntima entre os atores, e diga-se que, a construção dos personagens do pai (Bill Irwin) e da mãe (Debra Winger) é genial. Fato este, muito ajudado pelo excelente nível dos atores. Anne Hathaway reinventa sua carreira ao dar vida a Kyn, com uma garra cênica impressionante e tenho certeza que brilhará ainda mais em seu anunciado próximo filme, dando a vida a atriz Judy Garland, em uma cinebiografia.
A dor da perda, neste filme, é o que move as ações de cada personagem. Talvez num livro de Dostoiéviski essa revisão venha impregnada de pessimismo. Jonathan Demme (e sua roteirista) procurou não polarizar a moral de sua história com o otimismo. Ficou no inquietante caminho do realismo, que é onde reside a melancolia do trajeto que aquela família ainda terá que seguir para encontrar a difícil superação.
Enfim, mais um filme do diretor candidato a clássico.

Dica de música: “Aos nossos filhos” (Elis Regina)

terça-feira, 26 de maio de 2009

Melodias Visuais


Não tem nada mais controverso, para os espectadores de cinema, do que o gênero musical. Os que amam possuem suas defesas apaixonadas (como ignorar a grandiosidade literal de um “Cantando na chuva?”). Já os que odeiam, desdenham das costumeiras interrupções narrativas para músicas piegas. Eu, particularmente, gosto bastante, mas tenho a ciência de ser um gênero delicado e que, para ficar bom, precisa ser muito bem feito (casos recentes? “Hairspray”, apesar dos defeitos, nos ganha pela graça. “Dreamgirls” é um equívoco só).
No início dos anos 2000, começou a crescer na indústria Hollywoodiana um verdadeiro revival dos musicais, puxados pela obra-prima de Baz Luhrmann “Moulin Rouge”, um dos musicais mais interessantes e bem feitos da história do cinema. Assim, tivemos o remake de “Chicago” de Rob Marshall, que acabou levando o Oscar de melhor filme de 2002 e não parou mais (inclusive influenciando o cinema europeu - “Oito mulheres” - e até o brasileiro, com o equivocado “Maré, Nossa história de amor”). E a tendência – com o contínuo sucesso em filmes como o carismático “Mamma Mia!” e o fenômeno teen “High School Musical” – é cada vez mais termos os cinemas inundados de filme do gênero. Isso sem contar o irretocável número do ator Hugh Jackman com a cantora Beyoncé na noite do Oscar deste ano, onde homenageavam os musicais mais emblemáticos do cinema. Vale a conferida no Youtube...
http://www.youtube.com/watch?v=2WvJa2ZxFco
E a nova estréia aguardada é “Nine, o musical”, do mesmo diretor de “Chicago” (que vem do decepcionante “Memórias de uma gueisha”) . O Estúdio acabou de liberar o trailer (no link abaixo) e me pareceu um filme e tanto (apesar de “Chicago” ter sido bem convencional). O filme tem um elenco extraordinário com Nicole Kidman, Penélope Cruz, Marion Cottilard, Judi Dench, Sophia Loren, Kate Hudson e a cantora Fergie. Protagonizado pelo fera Daniel Day-Lewys, o musical é uma adaptação de um musical da Broadway (jura?), consequentemente inspirado no clássico filme “Oito e meio” do gênio Fellini, onde um cineasta (no filme italiano, vivido com graça por Marcello Mastroianni) entra em crise criativa e passa e rememorar as mulheres de sua vida.
O filme tem cara de Oscar (tanto que só será lançado lá fora em novembro e aqui, em janeiro de 2010) e um elenco, no mínimo, persuasivo. Bem, é esperar para ver se ele conseguirá converter mais alguns fãs para o gênero... Fred Aistaire agradeceria muito.


Dica de música: “Cheek to cheek” (Ginger Rogers & Fred Aistaire)

Antes fosse somente Sodoma...


Platão dizia que “a parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos”. E ele falou isso tendo como referencial a sociedade a qual vivia.
É interessante analisar como cada país tem a sua ferida, muitas vezes exposta, no âmbito social. Seja a violência urbana das grandes cidades do Brasil, a paranóia cotidiana nos Eua, a inconstância estatal da China, etc, etc. Quando paramos para entender a gênese destas anomalias, a complexidade do esclarecimento é tamanha que o cinema não poderia ficar de fora desta discussão.
Assim como “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles, que se colocou como espelho de uma realidade escamoteada pelas convenções sociais, o cinema italiano também devia a seu território, uma visão emblemática de suas chagas sociais. O crime organizado na Itália tem uma difusão e um poder impressionante no país. Pela sofisticação e influencia em diversos cânones da estrutura social, a máfia italiana há muito, tornou-se uma espécie de poder paralelo que ditam as (suas) regras em boa parte da Europa e no mundo, tendo uma de suas bases instaladas até aqui no Brasil. Baseado no premiado livro homônimo de Roberto Saviano, o filme “Gomorra”, que foi lançado em dvd, depois de ter feito barulho pelo mundo, destrincha toda a rede que comporta as atividades da organização criminal Camorra no país. Não li o livro, mas acompanhei uma interessante reportagem do autor – que vive sob severa proteção policial desde que publicou o livro – no Caderno Mais, da Folha de São Paulo. Saviano teve a vida transformada após o livro. Assim como adquiriu prestígio no mundo (apesar de em seu país, ser costumeiramente acusado de oportunista), perdeu o direito à liberdade, já que os grandes líderes do crime organizado oferecem milhões por sua cabeça.
O filme, dirigido por Matteo Garrone, despe-se de qualquer glamour que o universo mafioso cinematográfico costuma evocar, e faz um retrato cru e assustadoramente verossímil das atividades deste crime organizado. O diretor optou por uma estética documental, o que confere um ar de urgência ao espantoso dia-a-dia dos atores deste conflito napolitano. Acompanhamos quatro tramas que incidem sobre a máfia e suas co-relações e vemos o quanto seu poder é multifacetado. Dos desfiles de moda de Milão ao comércio de exportação, o Camorra estende seus domínios e o filme (e o livro) vão destrinchando toda a trajetória e implicações disto. É engraçado notar que, assim como acontece deste lado dos trópicos, as autoridades permitiram que a organização tomasse toda essa proporção e hoje, fazem dessa possível redenção, um plano de governo.
O filme não se propõe a dar respostas, mas a levantar questões. A violência gráfica das cenas conflita com a violência psicológica que esta relação filme-espectador nos impõe, pois em tempos de milícias e afins, a assimilação pode ser perturbadora. E a frase de Platão infelizmente traduz um pouco àquilo que tentamos entender na condição de vítimas de um sistema degradante. Filmaço.

Dica de música: "Haiti" (Caetano Veloso)

Brutas páginas da vida

Há cerca de um ano atrás, eu fiz um trabalho sobre o livro de contos de Rubem Fonseca “Feliz ano novo”. Foi um trabalho bem prazeroso, uma vez que sou amante da obra do escritor desde que li o já clássico “Agosto”. Pois agora, tardiamente, acabei de ler um de seus últimos livros “Ela e outras histórias” e minha admiração só aumentou. Rubem é um dos escritores mais coléricos que o mundo já viu. Existem várias teses dizendo que (a seu tempo) sua obra se equipara a do bruxo Machado de Assis. Discordo. Apesar de reconhecer a atemporalidade de ambos, para mim Machado sempre soou eficiente, mas querendo muito ser Eça de Queiroz. Creio que isso pode gerar certa celeuma, entretanto é o que penso. Já a obra de Rubem – que se prepõe a discutir as idiossincrasias sociais sem soar como tese de mestrado – tem a urgência da identificação cotidiana. A reflexão aqui é persuadida pelos diversos extremos dessa fauna. O classicismo de Machado (ainda que com boas doses de ironias sociais) é emblemático para nossa literatura, mas é o impacto causado a cada livro de Fonseca que ilustra com precisão o meio onde vivemos.
(Deixando claro que “Dom Casmurro” de Machado é, para mim, um dos livros mais bem escritos da História. Porém, na lista de meus livros inesquecíveis, é Rubem Fonseca que tem mais títulos com o já citado “Agosto” e o maravilhoso “Buffo e Spalanzanni”, que reúne o preciosismo analítico com a perfeita estruturação de uma trama literária do autor)
“Ela e outras histórias” reúne uma série de contos intitulados por nomes de mulheres, buscando emoldurar um/o perfil feminino para cada história contada. São histórias bem corajosas, onde o discurso fica na linha tênue entre a misantropia e a misoginia, e com uma naturalidade desconcertante. Mais da metade dos contos dariam bons roteiros de filmes, o que é natural já que o autor já se disse influenciado pelo cinema em sua obra.
Ainda não tive a oportunidade de ler o seu último livro “O romance morreu” – que talvez seja sua publicação mais pessoal. E agora, com a polêmica saída do autor de sua editora, a “Companhia das Letras”, um novo livro deva demorar a sair. Mas se um livro faz um autor, uma obra faz leitores apaixonados como esse que vos escreve.
Dica de música: "Até quando?" (Gabriel o pensador)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Pelas garras da mediocridade


A força da franquia “X-men” é, realmente, impressionante. E após ter assistido ao medíocre “X-Men Origens: Wolverine” e depois ver que o filme tem feito um sucesso absurdo nas bilheterias mundiais, essa constatação só foi potencializada.
O grande responsável por essa “força” junto ao público mundo afora, chama-se Bryan Synger, mente criativa por trás dos dois primeiros filmes. O primeiro (de 2000) é considerado o marco zero da proliferação (e êxito) dos filmes baseados em super-heróis de Hqs. “X-men” unia o bom entretenimento ao seu viés filosófico, sob a estética marcante do diretor. “X-men 02” (de 2003) é um dos melhores filmes do gênero. Aqui, Synger aperfeiçoou o que tinha em mente no primeiro filme, conseguindo romper a barreira de sua premissa quadrinista e tornando a adaptação num dos filmes referenciais do gênero e (por que não?) da cultura pop nos anos 2000, arrastando milhões de fãs.
Em “X-men 03”, Bryan, que resolveu sair da franquia para dar um novo sentido a um tal de “Super-man” (e até hoje me pergunto se conseguiu!), deu lugar ao histriônico Brett Ratner, resultando num filme apenas mediano.
Mas a sagacidade dos produtores não poderia deixar sua mina de ouro infrutífera por muito tempo, e eis que é lançado o mais novo filme da franquia, dando destaque para seu personagem mais interessante: Wolverine.
Quando essa espécie de spin-off foi divulgada, confesso que fiquei entusiasmado com idéia, já que Wolverine é um personagem muito bem concebido e isso renderia bons caminhos narrativos. Logo depois, com a contratação do interessante diretor Gavin Hood (de “Infância Roubada”) para dirigir, minha expectativa só aumentava. Daí entende-se minha frustração com o decepcionante resultado final. O filme tem um roteiro capenga, que tenta justificar a mitologia de seu protagonista com uma trama rala e preguiçosa. O pior é que para alegorizar a história (e render mais alguns dólares com franquias de brinquedinhos e afins), os roteiristas David Benioff (dos irregulares “Tróia” e “O caçador de pipas”) e Skip Woods (“A senha”!!!) enxertaram vulgarmente vários personagens de outros filmes e hqs dos mutantes, sem qualquer função na história. Afinal, o que os papéis de Dominic Monaghan e Ryan Reynolds acrescentam ao filme?
Tudo se torna ainda mais lamentável quando comparamos esse lançamento aos filmes anteriores. Aliás, frente a esse, X-Men 03 parece uma obra-prima.
Óbvio que esse sucesso reside mais na expectativa do que no filme em si. O público – acostumado com a qualidade da franquia – entra no cinema achando que verá uma aventura do nível dos anteriores e se depara com essa bomba, que se equipara a outras superproduções de igual mediocridade como “Electra”, “O vingador” e “A liga Extraordinária”.
Pelo visto, antes dos poderosos mutantes se reunirem novamente para salvarem a Terra, os produtores terão de formar uma super equipe de roteiristas para salvar seu produto. E isso sem brincar com a nossa inteligência. Tarefa árdua?

Dica de Música: “Dani California” (Red Hot Chili Peppers)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Caminhos dos sons indianos




Todo mundo já sabe que o filme "Quem quer ser milionário" papou o Oscar de melhor filme deste ano e fez considerável sucesso no mundo todo. Reafirmo aqui que, apesar de sua importância, é um filme ambiguo e intrigante. Mas não tem como ficar indiferente a sua trilha sonora (assim como a lindíssima sequencia de dança, no fim do filme). "Jai ho" também ganhou o Oscar de melhor canção, esse sim, incontestavelmente merecido. Como temos visto na novela das oito - "Caminho das Índias" - a música indiana é de uma riqueza impressionante e tem sido cada vez mais descoberta (e trabalhada) pelo resto do planeta.
Deixo aqui, esses vídeos do Youtube, com o trecho do filme e a maravilhosa apresentação da canção na noite do Oscar. "Jai ho" pra vocês também...

http://www.youtube.com/watch?v=PjN_q8feoa4

http://www.youtube.com/watch?v=UAAEG_drnZ8

Meu mundo abriu...


Já havia escrito neste blog sobre a fragilidade qualitativa de nossa televisão, principalmente nivelando com a maturidade de conteúdo da teledramaturgia americana (aliás, o que é a série “Damages” com Gleen Coose? Extraordinária. Breve comentarei por aqui.). Mas quando acerta, a tv brasileira consegue se fazer notável.
Essa semana será exibida a segunda parte da série “ 9 MM ” do canal Fox, que foi lançada com sucesso no ano passado. Pelo pouco que vi do programa, fiquei bastante entusiasmado. Ainda que trafegue pelos clichês do gênero (como o bom “Força Tarefa”) é uma série de nível acima da média. Vale conferir.
Também acaba de ser lançada em dvd (num boxe luxuoso, repleto de extras) a micro série “Maysa”, escrita por Manuel Carlos e dirigida por Jayme Monjardim. Numa comparação tecnicamente esdrúxula, acho os textos do Maneco parecido com os de Woody Allen, pela concisão de seus diálogos e importância do coloquialismo cotidiano em suas prosas. Ainda que (ultimamente) lhe falte em estruturamento, suas novelas possuem grande força dramática, mas pelo viés da inteligência com que se são desenhados seus conflitos e falas. E é isso que notamos na bela série que foi ao ar em janeiro. O diretor Jayme Monjardim – sabidamente filho da cantora retratada – conteve seus arroubos épicos, que marcaram seu trabalho ao longo dos anos e fez um grande trabalho na lapidação de uma trajetória inteira – e de uma personagem real com tanta complexidade – conseguindo isenção emotiva, mesmo com sua condição de filho.
A Globo surpreendeu ao contratar o hollywoodiano Afonso Beato, diretor de fotografia de filmes como “Tudo sobre minha mãe” de Almodóvar, para dimensionar a fotografia da micro série.
Tudo isso resultou num trabalho que verdadeiramente procura retratar a polêmica figura de Maysa e não, como costumeiramente ocorre, romantizá-la. A experiência do autor em desvendar a alma feminina foi bem pertinente nesse êxito. Seu texto dá a verdadeira importância ao aspecto humano (e não ao espetáculo) que foi a vida da cantora e isso gerou uma identificação, que resultou no sucesso absoluto do programa.
Os extras trazem mais de duas horas de material da cantora Maysa, alguns inéditos.
Minha relação com a cantora começou em outra minissérie do autor, “Presença de Anita” de 2001. A interessante abertura vinha com a canção francesa “Ne me quittas pas”, na voz da cantora. Lembro-me de ter ficado encantado com a interpretação dela. Quando “Maysa” foi ao ar, além da assustadora performance de Larissa Maciel, dando vida a artista, fiquei muito entusiasmado com o revival sobre a mesma, descobrindo assim que clássicos como “Meu mundo caiu” e “Ouça”, apesar da áurea de brega, tinham sim muita personalidade.
Biografias serão sempre complicadas de fazer e por diversos motivos (e no nosso caso, o didatismo é um grande vilão, que derrubou trabalhos como “JK” e “Um só coração”), mas com “Maysa – quando fala ao coração”, a teledramaturgia brasileira voltou a ser um campo fértil que um dia Dias Gomes pavimentou.

Só para constar: Assisti no cinema o filme “Delírios de consumo de Beck Bloon”, baseado no best seller homônimo. É nítido que o filme se ressente de não ser um “Sex and the city” (e olha que tentou, já que o extravagante figurino é assinado por Patrícia Field, da série e do filme inspirador). Apesar do carisma da da atriz Isla Fisher, que protagoniza o filme, e da premissa crítica sobre o consumo, seu argumento não se sustenta até o fim, caindo nos clichês do gênero “mulherzinha”.


Dica de música: a deliciosa versão de Maysa para "O barquinho" de Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal