quarta-feira, 31 de março de 2010

Mais uma dose de sangue, por favor!

Há poucas semanas da estréia da aguardada terceira temporada de “True Blood”, a HBO liberou o mais novo cartaz da série que, mantém a mesma criatividade da atração. Lógico que, como a maioria das séries que gosto e acompanho, estou atrasado, mas não posso deixar de salientar o retorno da série. Ainda vou escrever melhor sobre o programa em si (assim que eu acabar a segunda temporada, mas no momento estou submerso no último ano de “Lost”), mas olhem que bacana esse cartaz que traduz muito do que a série representa hoje no cenário pop. Não adianta, a HBO continua trazendo o melhor e mais ousado para um veículo tão careta e apático como a TV.



Dica de Música: “Calada noite preta” (Vange Leonel)

A razão de Cristo

Os filmes dos Irmãos Cohen geralmente causam dois tipos de reações a quem os assiste: estranhamento ou encantamento. Como trabalham sob as matizes de um universo muito próprio, os diretores produzem filmes que se auto-ironizam e levantam discussões sob perspectivas bem originais, ainda que, muitas vezes inusitadas.
Apesar de só ter visto (e conhecido) a filmografia deles a partir do primeiro sucesso de crítica, com “Fargo”, ou seja, não assisti a seus primórdios com “Gosto de sangue” e “Arizona nunca mais”, gosto bastante da loucura embasada de seus filmes (à exceção do fraco “O amor custa caro”). Até para evocar os desígnios de uma América decadente, no oscarizado “Onde os fracos não têm vez” (que conjunturalmente é até imperfeito), os Cohen buscam uma forma interessante (na forma e no conteúdo) para persuadir reflexão de onde menos esperamos.
Indicado ao Oscar de melhor filme desse ano, “Um homem sério” é mais um desses exercícios estéticos dos diretores. Nesse caso, o exercício foi levado ao extremo, quase ao nível do hermetismo. Mais surpreendentemente, de forma positiva.
Ambientada no final da década de 60 (em uma direção de arte estilística) “A serious man” (título original) é a história de Larry Gopnik (vivido pelo ator Michael Stulhbarg), um professor de física infeliz que se esforça para fazer o certo e se sente perseguido pela incerteza e o desespero que toma sua vida com o pedido de divórcio da esposa, a estagnação de seu desequilibrado irmão, dentro de sua casa e as ameaças de um aluno que quer melhorar sua nota. Utilizando o terreno conhecido do humor negro, os Cohen satirizam o universo judaico de uma região suburbana dos EUA e, atrelam a essa sátira um melancólico tratado sobre a relação homem-valores-Deus. E tudo sob um verniz técnico primoroso e, assim como o ótimo filme anterior deles “Queime depois de ler”, uma trilha sonora perfeitamente integrada a trama.
Assumo que não é um filme para todos os gostos, principalmente pelo final, que não determina idéias e aposta na imaginação conclusiva do espectador. Mas vale a pena acompanhar as abstrações do roteiro (que foi escrito pelos próprios), pois o embate proposto entre as bases da razão e da doutrinação da fé resulta num filme, no mínimo, estimulante.



Dica de Música: “Autumn in New York ” (Billie Holliday)

sexta-feira, 26 de março de 2010

A ilha de Scorcese

Martin Scorcese é quase uma unanimidade no meio daqueles que tem o cinema como religião. Muitos o consideram como “o” maior cineasta vivo. Apesar de reconhecer a sua genialidade em “filmes-marco” como os interessantíssimos “Táxi Driver” e “Caminhos perigosos”, apenas o vejo como um dos mais talentosos diretores em Hollywood hoje, mas que também sucumbe a sua própria pretensão. Afinal, filmes como “Cabo do medo” não são exemplares de grandes diretores. “Vivendo no limite”, minha estréia traumática em seu universo, é o cúmulo do discurso vazio. “Gangues de Nova Iorque” e “O aviador” são filmes tão ambiciosos que se bastam em suas próprias idiossincrasias: Não há diálogo com o espectador. Nos últimos anos, parece que Scorcese vem procurando reavaliar esse diálogo, casando seu talento e audácia estética com certa despretensão ideológica; consequentemente o seu primeiro Oscar de melhor filme veio com sua adaptação de um filme asiático, o ótimo “Os infiltrados”, em 2006.
Seguindo esse raciocínio artístico, ele acabou de estrear seu mais novo filme “A ilha do medo”, adaptação de um livro de Dennis Lehane (com o qual eu falei num post, no início do mês) “Passageiro 67” . Mantendo a bem sucedida parceria com Leonardo DiCaprio (parceria essa, que só trouxe maturidade ao astro) e seguindo um caminho seguro,pela literatura deste autor (que já rendeu uma obra-prima “Sobre meninos e lobos” e um bom filme “Medo da verdade”), o cineasta comprovou sua genialidade mesmo em um filme tão intricado e complicado de se adaptar.
Em 1954, Teddy Daniels (DiCaprio) investiga o desaparecimento de um paciente no Shutter Island Ashecliffe Hospital, que fica numa ilha um tanto medonha. No local, ele descobre que os médicos realizam experiências radicais com os pacientes, envolvendo métodos ilegais e antiéticos. Óbvio que em se tratando de um livro de Lehane, nem tudo é o que parece ser. E, neste caso, os conflitos internos legitimam ainda mais o andamento da história. Por isso até que o mistério, neste caso, é o menos importante; e esse descompromisso só estimulou a inteligência de Scorcese. Utilizando referências estéticas de filmes antigos como “O gabinete do Dr. Caligari”, de 1920, o diretor potencializou a áurea de suspense psicológico, com espertos maneirismos claustrofóbicos que confabulam com clima conspiratório da trama.
Mais uma vez é preciso destacar a grande performance de DiCaprio, que se firmou mesmo como grande ator desta geração. Mark Ruffalo é outro que tem uma atuação brilhante, num personagem dificílimo. Ben Kingsley, Patrícia Clarkson e Michelle Williams também se destacam, pela dignidade com que encaram seus papéis.
Apesar de tido como um filme menor do diretor, particularmente, considero esse um de seus melhores filmes. Na verdade, fica claro o desprendimento da grandiloqüência dele, até porque esse filme é tão grandioso e complexo como “O aviador”, mas a forma como encara esse desafio é bem mais orgânica. E isso é magistralmente comprovado no fim do filme, quando se concentra em relatar a história trágica da família do protagonista. São cenas tão fortes (no sentido mais substancial da palavra) e filmadas de uma forma tão vigorosa, que ali nos lembramos o que e até aonde pode ir o cinema de Scorcese.

Dica de Música: ”O mundo” (Pedro Luís e a parede e Ney Matogrosso)

quinta-feira, 25 de março de 2010

O que será o amanhã?

Dentre os 10 indicados ao Oscar de Melhor Filme, em 2010, destacou-se um título que pouca gente acreditava que poderia estar ali: “Educação”, filme inglês dirigido por Lone Scherfig, que surpreendeu também por uma indicação (merecida) de melhor atriz para a quase novata Carey Mulligan.
“An education” (título original) tem uma trama aparentemente singela sobre o processo de transição da jovem Jenny (Mulligan) da adolescência à idade adulta, na Grã-Bretanha dos anos 60. Mas não se engane. O filme vai muito mais além, principalmente por investigar com um olhar britanicamente corrosivo, a perda da inocência numa época de passagem entre o duro período pós-Segunda Guerra e a futura década da liberalidade. Quando somos lançados ao dilema pessoal de protagonista – seguir uma carreira acadêmica promissora ou largar todas as convenções para viver a vida de forma mais aventureira e excitante – acabamos participando dos efeitos da complexidade de uma escolha. E é aí que o filme se mostra tão grandioso. E o roteiro, do hypado escritor Nick Hornby, tão valioso.
Carey Mulligan, que deu uma turbinada na precoce carreira com sua indicação, tem um charme indiscutível e consegue entender todas as (difíceis) nuances de Jenny. Sua ingenuidade não é um arquétipo, o que comprometeria todo o resultado. Já em seu primeiro filme, quando fazia uma das irmãs de Keira Knightley em “Orgulho e preconceito”, já demonstrava no mínimo, muito carisma em cena. Merece o reconhecimento (já está escalada para, pelo menos dois grandes filmes para este ano, dentre eles, o esperado “Wall Strret 2” ).
“Educação” é um filme que levanta discussões. E talvez a maior delas seja a de que o mundo mudou, e a sociedade mantém o seu constante movimento de translação em volta dele.

Dica de Música: “Meu” (Djavan)

terça-feira, 23 de março de 2010

Dança Freudiana

Um de meus grandes ídolos no cinema é o cineasta italiano Federico Fellini, que me arrebatou com a obra-prima “Noites de Cabíria” (de 1957). Ainda não assisti a toda sua filmografia, mas se existe uma consonância em sua obra é a forma idílica com que olha para a relação de um personagem com a vida. Para muitos sua verdadeira obra-prima, “Oito e meio” é um de seus filmes mais emblemáticos, onde retrata a crise criativa de um diretor que busca nas lembranças de mulheres importantes de seu passado, uma perspectiva para o futuro.
Depois que o argumento fez sucesso na Broadway, eis que o cinema americano resolveu encarar a difícil missão de adaptá-lo, como um musical. E a grandeza do projeto começou pelo elenco: Daniel Day-Lewis, Nicole Kidman, Judi Dench, Marion Cotillard, Penélope Cruz, Kate Hudson, Sophia Loren... desses, só Kate Hudson nunca foi premiada com Oscar. E o filme é dirigido por Rob Marshall, que fez um trabalho convencional (mas premiado) em “Chicago” e excessivamente melodramático em “Memórias de uma gueixa“. Apesar das credenciais, o filme – como um todo – não funciona, ou melhor, não entusiasma. Os números musicais são ótimos, mas creio que quando um musical só engata quando entram os números musicais, isto se torna um problema. Ao narrar esse hiato criativo de Guido, personagem de Day-Lewis, o roteiro e a direção não conseguiram imprimir um ritmo plausível ou uma solução narrativa mais coerente com a energia de um musical, mesmo os mais sombrios, como neste caso. Marshall restringe demais as possibilidades cênicas da crise existencial de seu protagonista, o que torna o filme monótono e irregular. No que sabe fazer melhor, o diretor capricha, como nas apresentações de Hudson e (na melhor música do filme) em “Be italian”, com uma participação inesperada (e esquisita) da cantora Fergie.
Pode ser que tenha havido aqui um excesso de expectativa, mas “Nine” não disse a que veio como cinema... Talvez como inspiração para futuros clipes musicais a coisa desça melhor. Neste caso, creio que Fellini nem se importaria...

Dica de Música: “Be italian” (Fergie)

Quero ser grande!

Spike Jonze é um diretor “esquisitamente” genial. As metáforas implícitas em “Quero ser John Malcovick” e o deboche velado em “Adaptação” revelam que seus filmes seduzem nossas retinas pela arte da instigação. Isso é quase uma anomalia no cinema atual. Quando decidiu dirigir “Onde vivem os monstros”, uma adaptação de um famoso (lá fora) livro infantil do estadunidense Maurice Sendak, lançado há mais de 40 anos, eu não sabia mesmo o que esperar. O livro, mais ilustrativo, tem pouco mais de dez frases e verter isso para um longa de uma hora e meia era um desafio e tanto. “Onde vivem os monstros” segue as aventuras de Max, um menino carente de atenção – como todos da sua idade – que parte para um mundo paralelo e desconhecido, a dos Monstros Selvagens, onde a travessura é a lei e ele vira o rei. Resquícios de “Crônicas de Nárnia”? Esqueça. O filme é até vendido como infantil, para capitalizá-lo, mas se trata de uma produção muito mais dimensionada do que esse alcunha possa supor (mesmo com a dignidade atual dos filmes infantis da Pixar). Com sua estética crua e monocromática, Jonze continua mantendo seu interesse em justificar um indivíduo pela simbologia de sua mente, como feito brilhantemente no já citado “Quero ser John Malcovick”, já que o filme se vale de seus aparentes “monstros” para decodificar todas as faces da personalidade da criança. Num mundo paralelo, Max exercita sua imaginação e acaba encontrando um caminho para amadurecimento. E o filme fala justamente desse processo precoce, ainda que sob as bases da fantasia, resultando num paradoxo que só o cineasta conseguiria evocar, de forma tão perene.
Impressionante também o trabalho feito com os bonecos animatrônicos, que incluem expressões faciais (digitais) e em nenhum momento deixam de passar verossimilhança, assim como todo o design do filme que opta eficientemente em situar toda a história em um ambiente real, sem alegorias que esse universo poderia sugerir.
Enfim, como todo filme De Spike Jonze, é uma história estranha, mas absolutamente reconhecível. E, dessa vez, esse reconhecimento também se dá pelo encanto com que seu resultado alcança no espectador.

Dica de Música: “Amie" (Damien Rice)

A última ceia

O primeiro filme de cineastas promissores geralmente causa expressiva expectativa, principalmente quando se trata da estréia na direção de um dos atores mais incensados do país. Lançado no ano passado, “Feliz Natal” marca o lançamento de Selton Mello na carreira de diretor cinematográfico, e ele não procura caminhos fáceis para tal.
“Feliz Natal” conta a trama de um homem (Caio, personagem de Leonardo Medeiros) que após muitos anos, visita sua família na noite de natal (e com toda liturgia que isso implica). A presença dele faz com que a vida de todos seja alterada, enquanto ele próprio está em busca de sua identidade. A propriedade com que a história é apresentada na tela é conseguida pelo paralelismo que se dá com o trabalho de Selton, que também busca uma identidade seja pela estética, seja pelo discurso. O filme, que tem o roteiro do próprio, consegue verter em opressão todo o paradigma de uma ceia familiar desestruturada, onde cada ponto de vista torna-se legítimo quando olhado de perto. É emocionalmente pesado e racionalmente complexo. Nota-se também que cai um pouco na armadilha do estilismo excessivo, típico de que quem está experimentando em uma primeira produção. O elenco é muito bom, com as curiosas participações do sumido Paulo Guarnieri e do humorista Lúcio Mauro, que arrebata em um personagem tomado pelo rancor. Mas é Darlene Glória quem rouba todas as cenas, como uma matriarca alcoólatra que expõe todo o declínio familiar que as aparências procuravam esconder. É de espantar como a atriz ficou tanto tempo longe dos cinemas...
Selton, atualmente, já está filmando seu segundo longa que se chamará “O palhaço”, com o próprio protagonizando, ao lado de Paulo José. Pelo que já foi divulgado, será um filme mais solar, ainda que falando sobre um homem em busca de um sentido na vida. Parece que ele gosta dessas radiografias e pelo primeiro filme parece estar encontrando o seu caminho.

Dica de Música: “Dois barcos” (Los Hermanos)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Polaróides urbanas

“... Eu vi o lado radical do amor. Eu vi algolagnia, sexo e dor. Os dois lutando, ela descendo a escada do inferno. Ele, ereção, voltagem. Ela, taquicardia, descargas de adrenalina...”

Esse trecho do primeiro livro da autora Patrícia Melo “Acqua Toffana”, lançado em 1994, dá um dimensão da voltagem quase psíquica que a história alcança em suas quase 140 páginas.
Acabei de ler recentemente o livro (o segundo dela que leio) e posso afirmar que é um dos melhores “primeiros livros” (já que foi sua estréia em romances literários) que já li. É impressionante a habilidade de Patrícia em destrinchar a paranóia contemporânea dos seres. Ela sempre admitiu a fortíssima influência do autor Rubem Fonseca em sua obra, e isso é bem notório, principalmente pela forma seca e sintética com que narra os acontecimentos. O livro se divide em duas histórias que incidem sobre o mesmo viés de brutalidade, sob um olhar íntimo e condescendente com o inter-locutor. Patrícia trata dos extremos com uma dinâmica impressionante para uma iniciante, e demonstra que seu nome iria mesmo fincar raízes na moderna literatura brasileira. O primeiro (e único) livro da autora que eu li foi o badalado “O matador”, que anos depois foi adaptado para o cinema por José Henrique Fonseca (por acaso, filho de Rubem Fonseca e marido da atriz Cláudia Abreu) como “O homem do ano”. Confesso que não gostei muito nem do livro, nem do filme. Talvez por reconhecer demais a inferência de Fonseca na trama, considerei o livro como mais do mesmo. Agora, após ler esse desconcertante “Acqua Toffana”, reconsiderei os méritos de Patrícia e vi que seu talento independe de referências para ser justificado (ela já está em seu sétimo romance).
“Acqua Toffana” é um livro mais do que recomendável e indicado para àqueles que conjugam seu prazer literário com o vigor latente da prosa realista.
Obs: A imagem que ilustra esse post é de uma adaptação do livro para uma peça teatral homônima, em São Paulo, estrelado em 2007 pela atriz Dani Barros (foto).

Dica de Música: “O que sobrou do céu?” (Rappa)

terça-feira, 16 de março de 2010

Quem tem medo de Lady Gaga ???

O que é essa tal de Lady Gaga? Com certeza é o que muitos se perguntam diante da persona que essa cantora (!) incorporou no Showbusiness e parece ter vindo para ficar. Não sou lá muito fã de suas músicas (me parecem uma coisa meio Cher pós-moderna), mas não consigo ficar indiferente a sua mise-en-scéne. Seus clipes são loucamente geniais, seu "figurino" vem acompanhados de discursos... divertidíssimos, e suas apresentações (como a do "MTV Awards") colocam no chinelo muitos números cênicos do Oscar, Garmmys e afins. Diria que ela sabe muito bem se vender, a ponto de eu estar falando nela por aqui. Ela acaba de lançar o clipe de seu single "Telephone", que canta com ninguém menos que Beyonce. O hit é banaca (a produção da música usa os toques sonoros de um telefone), mas o clipe é o supra sumo do liquidificador pop que torna nossa vida mais divertida. Andy Warhol e Salvador Dalí devem estar se revirando no túmulo de satisfação. Prestem atenção no (divertido) trabalho de concepção (há várias referências ao cinema) e direção de arte do clipe. Obra-prima!

Vão se os anéis...

O excesso de paixão de um diretor por um projeto pode ser nocivo para seu resultado final. Martin Scorcese caiu nesse paradigma em dois de seus últimos filmes: “Gangues de New York” e “O aviador”. Almodóvar também, no recente “Los Abrazos rotos”. Como se pode ver, esse é um pecado dos grandes, e depois de acertar, tanto na trilogia “O senhor dos anéis”, quanto no remake de “King Kong”, o neozelandês Peter Jackson caiu nas armadilhas passionais de suas pretensões em seu novo e aguardadíssimo filme “Um olhar do paraíso”.
Baseado no romance da norte-americana Alice Sebold, “Uma vida interrompida”, publicada em 2002, o filme narra a história de Susie Salmon, que aos 14 anos foi estuprada, assassinada e estripada, mas não morreu completamente. Algo estranho aconteceu com ela. De onde está - não é o paraíso, mas também não é o inferno, e não parece ser o purgatório - ela pode observar sua família e seu assassino e torcer para que ele seja preso.
A trama em si é muito boa e, talvez seja o contraponto positivo frente às irregulares escolhas do diretor. Jackson tratou o tema com excessivo enfoque lisérgico o que fez com que todo peso da história seja enfraquecido. Mesmo sendo lindamente interpretada por Saoirse Ronan (que conquistou meu coração em “Desejo e reparação” e vem trilhando um caminho certo em Hollywood), aquele paralelismo que se dá entre o mundo real e o pós-morte não se justifica e nem ajuda no decorrer da história. Parece que Jackson ficou tão encantado com o livro que quis inflar toda sua transposição acabando por expor personagens sem contexto (uma “personagem emo” que tem ligação com os mortos), tramas totalmente desconexas (a participação de Susan Sarandon, a fuga da personagem de Rachel Weisz) e soluções constrangedoras (o desfecho do antagonista e o beijo final dos protagonistas). O longa não consegue impor um ritmo ou fluência narrativa, uma vez que se perde em desvios equivocados e que acabam distanciando o espectador da história.
Se o filme tem um ponto forte é seu elenco que, além da ótima Saoirse, tem as sempre brilhantes performances de Susan Sarandon (aqui fazendo o que pode num personagem perdido na trama) e Rachel Weizs (suas lágrimas são sempre verdadeiras). Mark Whalberg me surpreendeu pela sensibilidade com que expõe a perda de uma filha, assim como o bom trabalho de Rose McIver, irmã da Susie, que vira o grande esteio do filme em sua metade final. Mas é Stanley Tucci, que vive o psicopata assassino – indicado ao Oscar de ator coadjuvante – quem entrega o melhor desempenho, provando que sua versatilidade não tem limites, vide seus trabalhos em “O diabo veste Prada” e “Julie & Julia”. A construção que fez de sua personagem é para aplaudir de pé (e só nos faz lamentar a forma idiota que o roteiro encontrou para seu desfecho).
É difícil de entender como Peter Jackson conseguiu transpor um livro bem mais complexo e difícil como “O senhor dos anéis” para os cinemas e neste, relativamente mais “filmável”, tenha errado tanto. Ainda que o filme deixe transparecer a mão forte e criativa do cineasta, a sensação é que, entre a grandiloquencia e a pretensão, o filme acabou perdendo o seu sentido. Não foi dessa vez, Peter Jackson...


Dica de Música: "Um dia, um adeus" (Vanessa da Matta)

Passatempo

Creio ter feito parte da última geração de crianças consumidoras vorazes dos filmes de animação tradicional (em 2D) da Disney. Lembro do estrondoso sucesso e do meu encanto com a verdadeira tragédia Shakespeareana chamada “O Rei Leão”, assim como o resgate fabular em “Aladdin” ou a revisão de valores em “A bela e a fera”. Os desenhos, mais rudimentares em sua concepção, eram eficientes na arte de encantar, ainda no período pré-Toy Story, onde os efeitos tridimensionais não contavam como subsídio para a magia vista na tela. Talvez seja por tudo isso que tenha gostado tanto da nova incursão da Disney por essa, digamos, técnica em “A princesa e o sapo”. O filme é uma delícia sendo baseado numa história original escrita pelos cineastas John Musker e Ron Clements (“A pequena sereia”, “Aladdin” e “Hércules”), que também assinam a direção do filme. Alardeado como o primeiro filme da Disney com uma protagonista negra, o filme é um conto de fadas tradicional, mas com a graça de ser baseado em New Orleans , imerso na cultura do berço do jazz e do blues, consequentemente, com uma trilha sonora característica.
Ainda que a trama não apresente novidades, nem tenha a genialidade de roteiro da Pixar, eu diria que o desenho serve como um analgésico prosaico no gênero. Neste caso, sua verve simplória é bem vinda e o sorrisinho no canto da boca, após o final da sessão é a prova que o resultado é relativamente bem sucedido.

Por outro lado, resolvi encarar uma sessão do remake tupiniquim do “High School Musical”, já que havia ganhado um ingresso. A franquia original (dois telefilmes e um filme) é sim, mais uma cartilha da Disney para aumentar seus royaltys, obedecendo ao modelo republicano de juventude. Mas para quem gosta de musicais reconhece que existe ali uma qualidade artística, às vezes, mais presentes do que em muitos musicais adultos. Tira-se o roteiro (mastigável) e o filme fica muito bom, com seus números perfeitamente coreografados e direção musical acima da nota. Na adaptação brasileira, dirigida pelo estreante César Rodrigues, nada se salva: o elenco (salvo raríssimas exceções) não canta, não dança e – pior – nem interpreta. Surpreendentemente esse elenco foi escolhido numa audição (!!!) feita pela TV... A direção até tenta seguir a cartilha americana, com uma direção de arte bem representada, mas sabe quando as coisas não funcionam? Fora que é meio incômodo assistir a uma representação tão distante da nossa cultura, inclusive educacional. E essas adaptações da Disney pecam sempre nessa questão (lembram do desastroso “Donas-de-casas desesperadas” remake capenga da série “Desperate Housewives” na RedeTv ?). E, cá entre nós, a presença de Wanessa Cam... ops, agora só Wanessa, não acrescenta muito ao todo.
Bem, se o filme tem um destaque ele chama-se Felipe Quadanucci, que interpreta um aluno mais sensível e interado sobre música. Seu desempenho e carisma apontam para um promissor caminho na carreira. E só. Eu diria que os 7 milhões gastos nesse filme poderia ter sido investido em coisa melhor.


Dica de Música: “Um girassol da cor do seu cabelo” (versão: Cláudia Ohana)


segunda-feira, 15 de março de 2010

Oscar Light

Para quem, como eu, se diverte bastante com toda a alegoria que cerca a noite do Oscar (sem levar muito a sério), a edição de 2010 foi bem... clean. As apresentações musicais foram banidas, não tínhamos mais um showman para nos entreter e a duração foi estendida. Steve Martin e Alec Baldwin seguraram bem as pontas na apresentação e o número inicial, com Neil Patrick foi banal e sem um pingo da originalidade no número de Hugh Jackman no ano passado. A homenagem a John Hughes funcionou bem, assim como os dançarinos coreografando as trilhas indicadas. Não foi uma noite arrastada mas bem anti-climática. Ah, e os mais belos da noite? George Clooney, honrando nós taurinos, com seu misto de charme e deboche, e Michelle Pfeiffer, que continua sendo a mulher mais bonita do universo... e daquela noite (se bem que Halle Barry esse ano não apareceu). Um bola fora gritante foi terem suprimido Farrah Fawcett, nas homenagens póstumas, assim como botarem um Ton Hanks quase ofegante para anunciar o Oscar de melhor filme.
Mas vamos ao que interessa e comentar os principais vencedores:

Melhor filme: “Guerra ao terror”
Discordo. O filme é mais pertinente do que propriamente o melhor dos indicados. Neste caso, ficaria com “Bastardos Inglórios”, que é muito mais cinema, ou até a sensibilidade nua e crua de “Preciosa”

Melhor diretor: Kathryn Bigelow, por “Guerra ao terror”
Não sou dos que acham que, necessariamente, quem ganha um Oscar de melhor direção tem que levar o melhor filme, então o considero merecido, pelo brilhante trabalho dela no filme (foto abaixo, entre os apresentadores Steve Martin e Alec Baldwin). Fora que ela tornou-se a primeira mulher a ganhar um Oscar de melhor diretora. Meu Deus, foram necessários 82 anos de premiação...

Melhor ator: Jeff Bridges, por “Coração louco”
Não vi o filme, mas insisto que Colin Firth rende mais em seu “A single man”

Melhor atriz: Sandra Bullock, por “Um sonho possível”
Também não assisti ainda esse filme que nem estreou no Brasil. Mas a contenção dramática de Gabourey Sidibe em “Preciosa” ainda não saiu de minha cabeça.

Melhor ator coadjuvante: Christoph Waltz, por “Bastardos Inglórios”
Incontestável.

Melhor atriz coadjuvante: Mo’Nique, por “Preciosa”
O mesmo que disse sobre Gabourey Sidibe serve como parâmetro para esse belo trabalho.

Melhor animação: “Up”
Incontestável.

Melhor roteiro adaptado: “Preciosa”
Sempre defendi essa premiação, mesmo com todos dizendo que “Amor sem escalas” era mais merecedor. Este, é até muito bom, mas abre concessões demais, o que não ocorre em “Preciosa”.

Melhor roteiro original: “Guerra ao terror”
Talvez “Bastardos Inglórios” honrasse mais o título de “Original”.

Melhor filme estrangeiro: “O segredo de seus olhos” (Argentina)
Como assim a Argentina ganha seu segundo Oscar e o Brasil não tem nenhum??? Brincadeiras a partes fiquei feliz pelo prêmio, mas desconfio que “A fita branca” tenha mais méritos. Isso, um dia discutirei por aqui...

Os demais prêmios técnicos ficaram se polarizando entre “Avatar” e “Guerra ao terror”, caindo na previsibilidade.


Dica de Música: "Hey ya" (Outkast)



Perigo real e interno

Enfim consegui assistir ao (agora) badalado filme “Guerra ao terror”, que surpreendeu qualquer bolsa de apostas nos últimos meses e levou o Oscar de melhor filme de 2010. A princípio tive que vencer minha resistência habitual, uma vez que não tenho preconceito com nenhum gênero, mas tenho certa dificuldade de imersão em filmes com temáticas de guerra (pois os acho formalmente redundantes) e westers (bairristas demais). Mas limitar o filme da diretora Kathryn Bigelow ao gênero é um tanto preguiçoso, já que o filme em si é um estudo sobre os efeitos da guerra sobre a vida dos soldados, e é por esse caminho (e só) que o filme se justifica. Bigelow é muito competente em verter em dramaturgia a urgência de seu filme. Creio que, pelo menos, o Oscar de melhor direção foi merecido, pois a sensibilidade nada condescendente da diretora, é primordial para o resultado final de seu filme, que acompanha uma equipe de soldados norte-americanos que são especialistas em desarmar bombas pelo árido território iraquiano. “Guerra ao terror” é um filme tenso e nervoso, mas não engoli o Oscar que ganhou. Por mais competente que ele seja, acho que, em 2005 o ótimo filme “Syriana” já havia feito um retrato bastante contundente (e de forma bem azeitada) deste cenário. Reafirmo que o grande destaque fica mesmo por conta do impressionante cuidado na direção de Kathryn Bigelow (curiosamente ganhou o Oscar de seu ex-marido James Cameron por “Avatar”. E ele que a indicou para o projeto). Ela demonstra uma precisão interessantíssima sobre a questão, muito bem retratada numa das últimas cenas do filme, quando o protagonista volta para casa e vai a um supermercado. Ali, entendemos que a função do filme é mostrar que um conflito de guerra territorial é formado por agentes de conflitos pessoais.

Dica de Música: “Around the world” (Red Hot Chili Peppers)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Que direitos...


Eu sei que os meus poucos leitores estão esperando o meu post sobre o Oscar e seus vencedores... (já recebi uns 10 emails cobrando). Não me pronunciei ainda pois não assisti "Guerra ao terror", o tal ganhador do Oscar de melhor filme. O que farei ainda essa semana. Mas resolvi escrever só para salientar o filme "Direito de amar", tradução açucarada de "A single man", primeiro filme do estilista super balado Tom Ford. Também não assisti ainda (o filme fala de um professor inglês que luta para retomar a vida após a morte de seu parceiro, em um acidente automobilístico), mas prestem atenção ao trailer do filme. Que trailer lindo, e o mais impressionante é que nem parece que as imagens são de um filme de um diretor estreante.
Tom Ford, que havia redefinido a marca Gucci e agora investe pesado em sua marca própria de roupas masculinas (realmente seus ternos são interessantíssimos. E olha que eu nunca achei graça em ternos...), agora prova que sua competência estética casa bem com o audiovisual. "A single man" fez presença no Oscar, principalmente pela indicação do sisudo Colin Firth a melhor ator, que perdeu para Jeff Bridges (e muitos defendem ser uma premiação injusta). E esse meu entusiasmo é apenas com o trailer...

Dica de Música: "Eu sou sua sabiá" (Marisa Monte)

sexta-feira, 5 de março de 2010

Viver a vida !!!

Fui assistir a “Simplesmente Complicado” em uma tarde de domingo chuvosa, num shopping bem familiar (!), na companhia de uma amiga trintona e solteira. Para que essa introdução tão meticulosa? Pois foi o ambiente perfeito para assistir a esse novo filme da diretora Nancy Meyers.
Jane (meryl Streep) é uma mãe de três filhos que tem uma relação amigável com o seu ex-marido, Jake (Alec Baldwin), após dez anos da separação. A convivência entre eles acaba se tornando um romance, sendo que Jake, no momento, está comprometido com outra mulher. Agora, Jane vive um dilema, já que se tornou a amante de seu antigo marido e ainda inicia um flerte com o arquiteto da reforma de sua casa, vivido por Steve Martin.
Meyers, que dirigiu os sucessos “Do que as mulheres gostam” e “Alguém tem que ceder”, é conhecida por seus trabalhos focados nas relações de mulheres maduras e suas idiossincrasias. É bacana para mim, ainda na frenética casa dos 20 aninhos, observar de camarote o universo das relações maduras, ou seja, dos relacionamentos que se emanam depois dos 40, 50 anos... O filme tem lá seus defeitos (até primários às vezes, como o excesso de caricatura em algumas situações) e a diretora continua com a mesma falta de concisão em seus filmes (seu último “O amor pode dar certo”, com Kate Winsley, Cameron Diaz, Jude Law e Jack Black, sofria do mesmo mal, gritantemente); mas é inegável que a diretora vem conseguindo manter a sua marca a cada lançamento: filmes de elites e que buscam retratar o ridículo da maturidade individual e/ou conjugal, uma coisa meio Manuel Carlos de ser.
Meryl Streep dispensa comentários e é divertido vê-la naquelas situações, por vezes tão constrangedoras. Até acho que, pela forma tão cândida como imprime cada sentimento no filme (seja pelo humor, ou pelo drama) sua indicação ao Oscar seria mais válido por esse filme, e não por “Julie&Julia”, onde até faz um bom trabalho, mas é mais tábua de salvação de um filme fraco. Alec Baldwin, que vem sendo redescoberto por Hollywood é a própria personificação de seu personagem, mostrando que o “estágio” duradouro em “30Rock” foi muito proveitoso, e Steve Martin convence como o tímido contraponto amoroso da trama.
Não é lá um filme para se levar a sério. Dispenso aqui, considerações filosóficas do roteiro. Nancy Meyers tem lá suas limitações, mas também não chega a incomodar. Após o filme, continuei meu programinha “low profile” almoçando numa praça de alimentação lotada. Na primeira garfada, nem me lembrava mais do filme. Apenas do dia delicioso que estava passando.



Dica de Música: “Com você meu mundo ficaria completo” (Cássia Eller)

Hotplay

Por mais genérico que o termo “rock progressivo” possa parecer, a compreensão melódica do gênero é mais justificada quando esse paradigma é usado para tentar descrever a harmonia (!) sonora de bandas como “Muse”, “Radiohead” (que eu venero!) e, por que não, “Pink Floyd”. E por se tratar de uma experiência que respinga nos eixos midiáticos do Pop e nas singularidades do Psicodélico, fica fácil ser conquistado por essa convergência, que busca expandir os caminhos do rock propriamente dito (se é que isso existe como tal).
Nesse contexto se emana a compreensão do que é a banda Coldplay, da qual sempre fui fã e fui capaz de assistir a seu show, domingo, debaixo de uma fina e fria chuva carioca, na Apoteose. Como todo grupo que alcança a dimensão que a banda alcançou, o Coldplay é alvo de constantes ataques quanto a sua autenticidade no cenário musical (seu penúltimo cd “X&Y” foi injustamente atacado por tudo e todos), o que nunca levei em consideração nem como admirador, nem como pseudo-crítico (apesar de reconhecer que nunca conseguiram fazer um cd melhor que o primeiro “Parachutes”, de 1999). Os quartetos londrinos trilham sua carreira sem se envergonhar de acender uma vela para o pop e outra para o lisérgico, andando pelo sinuoso caminho aberto (eficientemente) pelo U2 e, mais tarde pavimentado pelo Radiohead. E o show foi exatamente isso: um espetáculo por si só, que não está ali para escamotear uma falta de consistência musical. As referências (estéticas e sonoras) às artes plásticas configuraram toda a direção do show, aberto com a obra-prima “Violet Hill”. Aliás, Chris Martin e cia começam logo com três poderosos hits do grupo: além da citada, veio “Clocks” (fundamental) e “In my place”. O set-list equilibrou músicas dos três últimos CDs, com pouquíssimas do primeiro e uma ausência sentida foi “Speed of sound” do penúltimo cd, um hit muito disseminado no meio da década passada. “Yellow”, primeiro grande sucesso, marcou presença com direito a mise-em-scene de bolas amarelas no palco.
O show tem sido acusado de superficial e pasteurizado, priorizando o espetáculo em detrimento da música. Tolice. O Coldplay dimensiona sua música para que o show passe a mesma sensação que o cd proporciona. E para essa espécie de liturgia pós-moderna, contam sim com o auxílio de fogos de artifício e chuva de papéis; mas a base de toda essa alegoria é a melodia que conseguem extrair de suas guitarras e pianos. Então, viva La vida!


Dica de Música: “A rush of blood to the head” (Coldplay)

Sede de Sade


Por onde anda Sade? Era o que me perguntava durante muito tempo, já que o último cd de inéditas (“Sade Lover’s Rock”) foi lançado em 2000. Mas a resposta demorou, mas veio: Acaba de ser lançado seu mais novo cd “Soldier of Love”. E, pelo single de lançamento, vejo que a demora valeu a pena.
Sade é uma espécie de Marisa Monte da Inglaterra. Possui total controle sobre sua carreira e é extremamente radical quanto à preservação de sua privacidade. No texto de lançamento do cd, ela afirmou “Só faço disco quando sinto que tenho alguma coisa para dizer. Não estou interessada em lançar música só para vender. Sade não é uma grife”. Esse tal senso de produtividade é importantíssimo para a qualidade de seus trabalhos, mas do que provado nos CDs anteriores, além da performance ao vivo, que converge intuição, talento e inventividade.
Ainda não escutei o cd inteiro, mas deixo para vocês uma apresentação ao vivo no Letterman, da nova música que continua tão... Sade; ao mesmo tempo em que é notória a preocupação em absorver novas sonoridades. A sofisticação continua intacta, como sua obra-prima “No ordinary love”.



Dica de Música: “Soldier of Love” (Sade)

Traumas, rumos e novidades...

Como já disse inúmeras vezes neste espaço, para mim, se existe uma obra-prima americana incontestável na última década, esta se chama “Sobre meninos e lobos”, filmaço de Clint Eastwood, de 2004. Sou admirador confesso da produção, que expõe com precisão os extremos de sentimentos tão primitivos sob a pressão do instinto e da razão. O filme é uma adaptação de um Best seller da literatura americana “Mystic River”, escrito por Dennis Lehane (que inclusive está na minha lista de espera para ler). Lehane me parece um autor muito interessado em relatar o lado sombrio da personalidade de seus personagens (e isso não quer dizer que há uma preocupação em subdividir arquétipos de bons ou ruins). O novo filme de Martin Scorcese “A ilha do medo”, que estréia por esses dias, também é baseado em um livro dele. Assim como “Medo da verdade”, que assisti recentemente em DVD. O filme é a estréia do ator Ben Affleck como diretor, o que acaba se revelando muito melhor do que como ator.
Dois detetives particulares são designados para investigar o misterioso desaparecimento da pequena Amanda McCready (Madeline O'Brien). Quando começam as buscas eles descobrem que nada no caso é o que parece ser. Em última instância, os dois terão de arriscar a sua própria amizade e tudo o que têm de mais valioso - as suas relações afetivas, suas saúdes mentais e até mesmo as suas próprias vidas - para encontrar a verdade sobre a menina desaparecida. Como toda história de Lehane, o roteiro se vale da busca pelo obscuro para revelar o papel de cada personagem diante de situações extremas. Protagonizado pelo irmão do diretor Casey Affleck (que se destacou em “O assassinato de Jesse James pelo covarde John Ford”), e com um elenco de luxo, contando com Morgan Freeman, Ed Harris (muito bom) e Amy Ryan (indicada ao Oscar), “Medo da verdade” se impõe pela direção equilibrada de Affleck, mas tropeça justamente na engenhosidade pedestre do roteiro, escrito pelo próprio autor, com o diretor e com Aaron Stockard. Parece que o filme fica guardando história e se mostra fragilizado pelo excesso de tramas e personagens desnecessários. Ao verter para o cinema, Lehane acabou por perder o controle de sua história literária (o que não acontece em “Sobre meninos e lobos”) e o filme perde o ritmo, só recobrando a coerência em seu final, que mostra bem a maestria discursiva do autor.
Apesar do relativo sucesso nos EUA, o filme não estreou em nossos cinemas, sendo lançado diretamente em DVD. Uma pena, pois além de trazer um novo horizonte para carreira de Ben Affleck, o filme reafirma a força dos livros de Lehane na seara Hollywoodiana.

Dica de Música: "A vida é doce" (Lobão)