quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O êxito do cinema de espionagem

Em 2004, o diretor britânico Paul Greengrass redefiniu o filão de filmes de espionagem ao agregar o fator urgência na espetacularização do ótimo “Supremacia Bourne”, primeira sequência da franquia literária “Identidade Bourne”. Depois disso, o gênero nunca mais foi o mesmo tornando-se uma alternativa a eterna referência estética do cinema marginal americano da década de 70. Prova disso é a contundência realística conferida no novo filme de Angelina Jolie, “Salt”. Dirigido com rigor por Phillip Noyce (do clássico ufanista “Jogos patrióticos”), o filme parte de uma premissa obsoleta (motivações políticas nascidas nos porões da Guerra Fria) para desenvolver uma trama que destrincha os jogos diplomáticos pós-Bush, vigentes hoje nos EUA. Ciente de todos os códigos de gênero, Noyce constrói um eficiente thriller que dialoga com o cinemão tradicional, reverente às impressionantes cenas de ação, e com isso se vale de um roteiro (escrito por Kurt Wimmer, de “Os reis da rua”) muito bem amarrado e, coincidentemente atual no cenário doméstico do próprio tema, uma vez que, a poucos dias do lançamento mundial do filme, foram descobertos nos EUA espiões russos infiltrados socialmente há mais de uma década. E por motivações, ainda, soviéticas. Seria redundante dizer que a atriz está deslumbrante no papel, e sua persona se justifica ainda mais ao equilíbrio que o diretor buscou ao convergir a seriedade do tema com a natureza escapista do produto que o filme é. E é justamente nesse casamento que toda a cartilha de “Bourne” é levada ao pé da letra e “Salt” se mostra, de fato, um grande filme, pois, seja pela (boa) forma curvilínea de Jolie, ou seja pela contundência na qual a superprodução situa uma das mais antigas rivalidades políticas do planeta, o espectador sai do cinema ciente de que tanto o mundo (em que vive), quanto o cinema (que assiste) são regidos pelo mesmo poder, cristalizado no discurso do filme.


Dica de Música: "under the bridge" (Scala & Kolacny Brothers)

Forma X Conteúdo


Sou avesso a esse estigma de que os diretores oriundos da publicidade acabam por produzir filmes plastificados, excessivamente pautado na forma e rasos em seus discursos. Afinal, nomes como Fernando Meirelles e Heitor Dhália vieram desse contexto e são uns dos diretores mais substanciais do nosso cinema. Mas eis que surge "400 contra 1: A história do Comando Vermelho" para reforçar esse pré-conceito. Primeira produção do diretor de comerciais Caco Souza, o filme é baseado no livro autobiográfico homônimo de Willian da Silva Lima, onde acompanhamos a gênese da organização criminal no presídio de Ilha Grande, RJ, onde um bando - que fizera célebres assaltos a banco - acabou se uniformizando pela conjuntura ideológica, num mesmo universo onde conviviam com presos políticos. Protagonizado pelo sempre entregue Daniel de Oliveira, a trama busca compreender toda a efervescência política da época (anos 70 e 80) e suas implicações dentro da claustrofobia daquelas relações. Aí é que está: Caco parece mais preocupado em impor um incômodo estilismo (estrutural e formal) não permitindo que a história transcorra dentro de uma linearidade plausível. Sabe quando os maneirismos soam gratuitos? O curioso é que o roteiro nem é ruim, conseguindo estabelecer bem seus diversos núcleos, mas Caco não permite que isso sobressaia. No fim, acaba que o filme destaca-se mais pela vaidade de seu criador do que pela urgência de sua criatura.

Dica de Música: "A queda" (Lobão)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sonho de valsa


Darren Aronofsky é um diretor inquieto frente as possibilidades estéticas de seu cinema. "Pi" e "Requiém para um sonho" foram seus primeiros experimentos linguísticos, chegando ao hermetismo do atribulado "Fonte da vida". Mas ainda que se preocupe demasiadamente em firmar esses "conceitos", é quando se limita a investigar os dramas humanos de seus personagens (como no bom "O lutador") que revela a dimensão de seu trabalho. Não é à toa que seu mais novo filme "Black Swan" tem causado grande expectativa nos cinéfilos planetários. O trailer - perfeito - dá provas (precoces) do domínio do diretor no gênero thriller, principalmente na condução desse paradigma. Protagonizado pela ótima Natalie Portman, o filme mostra a rivalidade de duas bailarinas clássicas por um importante papel numa ópera classicista. Essa rivalidade emerge em meio à estranhas relações inter-pessoais que incluem certo sadismo e lesbianismo (à princípio) sugerido. Um trailer para pular da cadeira. Aronofsky tem credencial para tamanho culto antecipado, principalmente agora que descobriu que é na simplicidade de um boa história que a grandeza de seu cinema se revela.

Dica de Música:"Às vezes" (Tulipa Ruiz)

domingo, 22 de agosto de 2010

O peso de ser Grande

A verdadeira "instituição" (ou franquia?) que se tornou "Shrek" ficou tão importante e, de certa forma, exigente que acabou por virar seu próprio algoz. Quando surgiu, a franquia revolucionou a seara de filmes infantis (!) ao debochar de forma inteligente, do batido universo de conto de fadas. Era o humor pela retórica, algo que até se popularizou em diversos filmes no início desta década. "Shrek 2" veio com a função de manter (e angariar mais um quinhão de dólares) o impacto do primeiro filme e conseguiu superá-lo. A continuação é um dos pouquíssimos exemplos onde o segundo supera o primeiro, excetuando-se o quesito ineditismo. Em "Shrek Terceiro", o desgaste da fórmula foi gritante e a comprovação de que toda boa idéia é sensível a decomposições se justificou num filme puramente caça-níquel. Neste novo lançamento, eu diria que a coisa fica bem no meio termo: o humor bem sacado do início praticamente inexiste. Diferente dos dois primeiros filmes, eu não gargalhei em nenhum momento, mas seu roteiro é esperto ao abordar um dilema adulto sem incomodar o ideário infantil ao qual o filme busca. Os conflitos que alimentam a narrativa são legítimos e bem alegorizados na animação. Acaba que o discurso é (bem) mais interessante que o gênero. "Shrek" até sua primeira continuação, conseguia equilibrar isso. Hoje, contenta-se em ser interessante.

Dica de Música: "Cold War" (Janelle Monáe)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Onde os sonhos tem vez...

Mário Quintana dizia que “Sonhar é acordar-se para dentro”. O cineasta Christopher Nolan estetizou essa máxima num dos filmes mais espetaculares dessa década que se inicia, “A origem”. Toda essa badalação e certa dose de polêmica não são gratuitas: o filme suscita debates sobre o que discute, e sobre o que representa, e é nesta retórica que ele vai conseguir se perpetuar na história do cinema contemporâneo. Com um roteiro certeiro (e corajoso) do próprio diretor, que obviamente levou cerca de dez anos para ser lapidado, Nolan se vale de sua costumeira habilidade em desconstruir narrativas, para contar uma trama que só se explica com a condescendência psíquica do espectador. Nolan constrói seus universos sob a crença da reflexão compartilhada com o público do qual dialoga. Foi assim ao relativizar o juízo de valor alheio no ótimo “Insônia”; ao evocar o heroísmo de um Batman desmitificado na obra-prima “O cavaleiro das trevas” e agora, propondo um jogo de realidades para dar sentido ao sentimento de vislumbrar por entre os obscuros caminhos dos sonhos. Na verdade, “A origem” é facílimo de assimilar em sua premissa racional e cartesiana. A complexidade se dá mesmo quando investiga as emoções de seus personagens. Aí não há dimensionamento e paralelismos de realidade que seja mais intrigante do que tentar compreender as motivações internas do anti-herói vivido por um Leonardo DiCaprio possuído (como visto recentemente no intenso “A ilha do medo” de Scorcese, que aliás, reserva muitas semelhanças no perfil de seu protagonista) e seu(s) fantasma(s) que assombram sua memória. Ou seriam seus sonhos? Nolan articula tudo de uma forma tão precisa – auxiliado com uma belíssima trilha dramática e urgente de Hanz Zimmer – que até o seu final, em aberto, exprime que a clareza das idéias começa no exercício da dúvida. E ao questionar o que é visto na tela, você acaba se dando conta de que, assim como a vida, os sonhos não são cabíveis de entendimento e o verso de Quintana faz todo o sentido.

Dica de Música: “Caribbean Blue” (Enya)


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sangue na veia

A lendária revista "Rolling Stones" sempre produz matérias e fotografias icônicas que incendeiam a cultura pop ao longo dos anos. Quem não se lembra da mítica capa bizarro-afetiva de John Lennon e Yoko Ono, no distante ano de 1980? Estar impresso numa capa da revista - que se propõe a falar de música, mas que compreende todos os níveis da cultura pop - é corresponder exatamente ao que está acontecendo como explosão e influência midiática de um tempo. Dito isso, está para sair nas bancas americanas a edição de agosto, dando destaque para a série "True Blood", com uma fotografia de capa que resume bem o espírito (!) do programa da HBO: sexo, sangue e certa dose de iconografia contemporânea. A terceira temporada, que passa no Brasil quase simultâneamente com os EUA, vem cumprindo a expectativa - e o legado - que a série cultivou desde a primeira temporada. Episódios polêmicos e diálogos espertos dão a tônica desse novo fenômeno televisivo, que a "Rolling Stones" captou bem em sua função de expor àquilo que interessa no mainstream (sempre) contemporâneo. Que essa belíssima capa chegue ao Brasil...


Dica de Música: "Suburbs" (Arcade Fire)

sábado, 14 de agosto de 2010

Glee é Pop!!!

Assistindo a toda primeira temporada de “Glee” chego a conclusão que, basicamente, trata-se de uma série bonitinha, bem feitinha e levemente ordinária. Mas até seu viés ordinário não se impõe impunemente: ao brincar com os maiores clichês da cultura (pop?) americana, o criador Ryan Murphy (junto com Brad Falchuk e Ian Brennan) extrai graça de maneirismos conhecidos para justamente subvertê-los. A trama – de personagens periféricos que entram para o grupo de coral decadente da escola e ascendem na esfera social do lugar pela arte – se impõe pela forma iconoclasta com que o roteiro difunde seus personagens. A mocinha é uma obcecada pela fama e excessivamente egóica, o galã sofre de ausência de QI, onde não sabe nem a função de uma biblioteca e a vilã (numa interpretação sem igual da atriz Jane Lynch, na qual parecem ser reservadas as melhores falas) diz barbaridades sobre as minorias, ponto fraco da atual “american way of life” na Terra do Tio Sam. Ainda que incorra por certo superficialismo narrativo (existem problemas de lógica e continuidades) e nem sempre consiga naturalizar os números musicais (sempre bem produzidos e cantados, por sinal) ao contexto da história, “Glee” torna-se irresistível pelo carisma que a série possui, principalmente pela gama de personagens que riem de si mesmo e acabam tornando orgânico o que seria apenas um arquétipo. Fora que os números musicais resgatam pérolas do cancioneiro internacional, em números musicais bem bacanas. Os especiais sobre a Madonna e Lady Gaga foram impagáveis. E o elenco (de maioria iniciantes, mas alguns com bagagem de Broadway) confirma a supremacia artística americana. Assim como a série em si, que já conseguiu romper as barreiras televisivas para figurar como um grande representante da cultura pop nos anos 2000.

Dica de Música: “Defying gravity” (Glee cast)

Guel Amado

Guel Arraes é um diretor de linguagens. Seja na TV, ou no cinema, sua obra sempre vem para reforçar um conceito pré estabelecido, o que confere a seus trabalhos uma personalidade que poucos diretores brasileiros conseguem. O humor satírico impresso em cada filigrana de “O bem amado” aponta para esse paradigma, e é o grande mérito do filme. Texto marcado pela ousadia formal de Dias Gomes, a trama propõe uma universalidade de contextos políticos, infelizmente atemporais. Fazendo um paralelo com nossa realidade política, vemos que o tempo fez com que hoje, seja a “esquerda” o maior alvo de relativização. Maneirismos políticos à parte, Guel domina muito bem seu gênero e o filme tem alguns bons momentos de graça crítica e/ou descompromissada. Destaque para trabalho brilhante de Marco Nanini, com a difícil tarefa de exorcizar a figura marcante de Paulo Gracindo e as irmãs Cajazeiras, defendidas com graça por Zezé Polessa, Andréia Beltrão (belíssima) e Drica Moraes (quase roubando a cena). Poderia ter pelo menos meia hora a menos, uma vez que o roteiro fica bem arrastado do meio para o fim, mas nada que manche a bem sucedida trajetória do diretor.


Dica de Música: “Mormaço” (Paralamas do Sucesso e Zé Ramalho)

Descobrindo "Tron"


Nesses revivals de filmes da década de 80 que vem agitando a indústria Hollywoodiana, “Tron” parece ser um dos mais esperados. Não lembro a versão original e não estava nem um pouco entusiasmado com um remake de empoeirados que inundavam nossas “Sessões da tarde” oitentistas. Tudo mudou ao assistir ao trailer incrível do filme, que parece reunir uma estética inovadora como a de “Matrix”, uma trama interessante e um visual arrebatador. Fora que tem no seu elenco o oscarizado Jeff Bridges. “Tron Legacy” é a grande aposta da Disney para o fim de ano e, a partir desse trailer, virou a minha também.

Dica de Música: “Bachelorette” (Bjork)

O circo de Cruise

De pretensão o cinema está cheio. Por isso quando um filme se assume como despretensioso já é uma evolução e tanto. “Encontro explosivo”, novo filme de Tom Cruise, com Cameron Diaz, é bem assim: em nenhum momento se leva a sério. Aliás, até demais, ficando no limite entre o farsesco e a picaretagem. A trama é bobinha, bobinha... Mulher solitária é usada por agente para executar uma ação de níveis governamentais. Tudo é muito forçado e inverossímil, mas o elenco, assim como os espectadores, se diverte com as mais absurdas situações que o roteiro desenvolve (a frenética cena na arena dos toureiros é surreal). Talvez esse tom humorístico só seja salvo do ridículo pela direção descompromissada e, de certa forma, segura de James Mangold (dos ótimos “Jhonny e June” e “Os indomáveis”), que mantém fundamentado o limite que denotei acima. Tom Cruise ainda é maior que qualquer personagem que faça o que atrapalha para certo distanciamento na assimilação de seu personagem. Cameron Diaz, ainda muito subestimada pela Indústria, mas uma das mais versáteis e talentosas atrizes americanas, é só carisma em cenas que precisa dar credibilidade ao histriônico. Um filme para ver sem exigir muito e para esquecer sem culpa nenhuma...

Música: “Dancing with myself” (Billy Idol)