quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sexo, política, Tv e um grande espelho

Sempre questionei bastante esses termos que definem as disparidades econômicas dos países. Se a linha niveladora é pontuada por dois extremos, chamados 1º e/ou 3º mundo, o que viria a ser (e qual critério definiria) o 2º mundo? Discussões à parte, esse nivelamento, só que num amparo cultural, é gritante na linha que separa os países desenvolvidos dos sub-desenvolvidos (no nosso caso, “país em desenvolvimento”). Não estou aqui, levantando bandeiras de que o lado mais atrasado do mundo seja culturalmente inferior, até porque em várias vertentes, estamos equiparados (ou até à frente) do primeiro mundo. Hollywood redefiniu sua indústria, pelos tripés de uma “nueva onda” latina no cinema. E, muito antes de Frank Sinatra descobrir a graça de Tom Jobim nos anos 70, praticamente toda a Europa já conhecia o assobio contemplativo da bossa nova. Isso sem falar da influência multinacional das cores de Frida Kahlo nas artes plásticas.
Esse feito, inversamente colonizador, parece não transparecer no veículo televisivo. A Tv que os países sub-desenvolvidos geralmente produzem, não acompanham esse êxito. É um veículo que se ressente do exercício da auto-crítica e, à exceção de alguns bons exemplos na tv a cabo e uma minoria na tv aberta, um incômodo predomínio da repetição de si mesma e plasticidade crítica. Não existe uma canonização generalizada da Tv do lado de lá do mundo (!). Há sim, muita porcaria, principalmente nas Tvs americanas e japonesas. A questão é que o contrário ainda é maioria e, por isso, mais representativa.
Cheguei a essa (extensa) conclusão, após fazer uma análise sobre duas das mais importantes séries norte-americanas: “Sex and the city” (que, embora tenha chegado ao fim há quase cinco anos, só agora consegui assistir a todas as seis temporadas) e “24 horas” (prestes a estrear a sétima temporada).
O nível de qualidade da moderna dramaturgia americana é realmente muito bom. São obras singulares pela inteligência e engenhosidade, tanto de tramas quanto de discursos, tornando-se emblemáticas como as citadas que, com suas particularidades, refletem o mundo em que vivemos.
“24 Horas”, que em todas as seis temporadas até aqui, manteve a qualidade estrutural de suas tramas, mergulha no realismo da política externa americana para justificar os extremos de seu herói, Jack Bauer. Buuer, em tempos pré-Obama, tornou-se o anti-herói mais polêmico da tv, uma vez que, se valendo de suas próprias leis (mas em nome de seu país),tortura e mata em favor da catarse que os herdeiros de Bush teoricamente buscam, já que a política do texano era bem semelhante àquilo que se vê no programa (que foi parar no Congresso americano pois estaria estimulando os soldados americanos a agirem imprudentemente no Iraque). E o que se vê, reproduz a urgência descabida de uma nação sem autoridade moral para conduzir sua autoridade diplomática. Só espero que a série não seja profética, já que, muito antes de se falar em Obama, nas primeiras temporadas, havia um ético presidente negro que morria em um atentado político.
“Sex and the city” poderia ser definida por Karl Marx como uma espécie de ópio perigosíssimo, dada sua inclinação agressiva ao capitalismo. Exagero. A série é um caldeirão de futilidades que se revertem em utilidades, pela dinâmica das discussões que a mesma levanta. Muito mais do que um programa que mostra o dia-a-dia de quatro amigas acima dos 30, solteiras, bem sucedidas e habitantes do microcosmo chamado Manhattan, NY, “Sex” não tem nada de superficial. Talvez por se tratar de uma visão de um determinado nicho social (e, extremamente bairrista) não gere uma identificação com o expectador comum num primeiro momento. Mas não demora muito para se ver preso aquele universo, principalmente pelo alto nível do roteiro que desvia de caricaturas e clichês modernos para mostrar que, entre grifes milionárias e restaurantes badalados, o real papel da mulher (pós-queima de sutiãs) é aquele em que a mesma se enquadrar, sem padrões determinantes. E ainda faz um verdadeiro arremedo das relações pós-modernas, despidos de qualquer moralismo e vestido de muita amoralidade (tanto no discurso, quanto na prática). Seja você homem, mulher , homo, hétero, animal , vegetal ou mineral, garanto que, pela diversidade de situações que ilustram a série, a assimilação é garantida. Se hoje, quando vemos um filme “bala Juquinha” de Audrey Hepburn, como “Bonequinha de luxo” e afins, entendemos um pouco da áurea clássica que permeava toda a década de 60, amanhã será com exemplos como “Sex and the city” (e sob sua aquarela de figurinos de Patricia Field) que relembraremos muito do comportamento de um nicho de nossa geração.

Ambas são séries que refletem o mundo pela tela desmistificada da tv. São exemplos vivos do desnível do que se vê por aqui. Não importa o gênero (seja série, seja novela...), o que é imprescindível é a qualidade do que se produz. Produções da HBO como “Mandrake”, “Filhos do carnaval” e “Alice” não podem ser só exceções. Assim como os inteligentes textos de Gilberto Braga e de Fernanda Young na televisão aberta. Mas fica aqui registrado a minha análise/desabafo quanto a isso tudo.
Obs: A Globo vai estrear uma nova série chamada “Força Tarefa”, com texto do fera Marçal Aquino (dos livros “O amor e outros objetos pontiagudos” e “Eu receberia aspiores notícias de seus lindos lábios”) e do roteirista Fernando Bonassi (roteirista do nervoso “Os matadores” de Beto Brant e do bem sucedido “Carandiru” do Babenco), com direção de José Alvarenga. É um alento a empresa querer investir em algo que não seja as costumeiras comédias com cara de Projac. O elenco é bom (tem a maravilhosa Hermila Guedes de “O céu de Suely” e o hours-concurs Milton Gonçalvez) e, apesar das chamadas nada criativas, parece funcionar, com uma trama que fala de uma corregedoria de polícia que investiga a própria polícia. Veremos.
Dica de música: "O que sobrou do céu?" (O Rappa)





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