"Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte." Goethe não imortalizou essa máxima à toa. Sua teoria fundamenta a minha prática nesse blog que se propõe a discutir a arte em todas as suas vertentes: pois seja na cultura de massa, seja na linha da erudição, toda a forma de expressão artística vale a pena. O cinema que o diga...
O filme é um tanto curioso: contar a história do Facebook. Isso mesmo, a trama da criação do principal representante das redes sociais hoje, no mundo, por um grupo de adolescentes de Harward. “The Social Network” tem direção do incensado diretor David Fincher, é tem um dos trailers mais sensacionais que já vi. Com o hino do Radiohead “Creep”, cantado por um coro de crianças, as imagens vão sendo apresentadas como uma sinfonia, fazendo uma inteligente referência ao aplicativo do site, para depois contar um pouco da história da trama, que parece ser bem mais interessante do que a premissa pode supor. Realmente um trailer genial... Daqueles em que periga ser melhor que o filme.
Mais do que militante da democratização das artes plásticas, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) é também uma importante ferramenta de interseção entre obra, artista e público, hoje no país. Principalmente pelos desdobramentos que isso pode tomar através de debates realizados para a discussão do que é visto. Assisti a exposição “Zeróis: Ziraldo na tela grande”, onde somos apresentadosa 44 obras inéditas do cartunista, desenhados na década de 60. Para além do Ziraldo “Menino Maluquinho”, a mostra revela o quão rico é a produção artística dele, que se vale do universo de cartoons para destilar uma visão crítica do mundo sessentista que vivia - o que se revelou tão atual que o impacto surte até hoje. Com releituras de obras universais de artistas como Picasso, Dali e (o meu adorado) Hopper, a exposição se torna uma divertida caça a referências, assim como identificar em qual vertente cada quadro representa a criticidade do absolutismo pós moderno americano. Literalmente uma exposição para se observar com um misto de prazer e atenção (vide essa Tarantinesca fusão de classicismo, universo de quadrinhos e uma certa galhofa tupiniquim) “Zeróis” é um programaço que compreende desde os xiitas das artes até o mais descompromissado dos indivíduos.
Sinal dos tempos. É pela aquarela estético-ideológica da Pixar, estúdio de animação infantil mais importante do mundo, que o cinema encontra sua melhor forma de metaforizar nossas idiossincrasias. "Toy Story 3" vem para reafirmar essa certeza num brilhante roteiro que discute valores de nossa maturidade pessoal sem soar "francês" ou didático. Numa introdução comovente, onde acompanhamos o saudosismo daquele grupo de brinquedos no tocante à sua relação com o "humano", o filme se vale de cada possibilidade de seus ricos personagens para destilar toda a sua visão, um tanto iconoclasta, sobre as desinências "adultas" desta relação. É para chorar, é para rir, é para refletir... Tudo de uma forma tão fluente e orgânica que, em determinadas cenas, somos levados a crer que àqueles "seres" digitais existem, sem a menor sombra de distanciamento. Essa é uma característica da Pixar, que, eu diria, trouxe uma certa humanização literal para o universo "cor-de-rosa" da Disney. Ou alguém imagina que um filme tão Bergmaniano como "Wall.E" poderia ser feito na época de ouro de "O rei leão" e afins? "Toy Story 3" comprova a supremacia do estúdio com um roteiro realmente envolvente, uma estética irreprensível (destaque para a assustadora cena do bebê no balanço a luz do luar... genial) e com a comprovação de que existe vida inteligente até no oportunista mercado de filmes infantis americanos.
Dica de Música: "Ciranda da bailarina" (Adriana Partimpim)
Numa das cenas finais do blockbuster “Eclipse” a insossa mocinha diz – para justificar suas escolhas – algo como “na verdade, a minha real escolha está entre o que eu sou e o que eu gostaria de ser”. E é justamente essa a sensação que o universo da autora Stephenie Meyer nos passa: referendada por grandes autores e obras universais, a autora foi se revelando cada vez mais limitada a cada livro que escrevia (a adesão maciça e mundial de seus livros se explica pela infantilização de seus textos, em forma e conteúdo, impondo-se como leitura fácil e superficial). Tenta ser algo que a sua própria mediocridade não a deixa ser. Acabou que sua adaptação para o cinema não conseguiu fugir desse estágio. Lembro que no primeiro livro e, consequentemente, filme, dirigido com dignidade por Catherine Hardwicke, eu cheguei a achar interessante a nova perspectiva que a autora dava para esse nicho vampirístico. O que logo vi ser uma grande tolice minha, uma vez que esse argumento possui furos gritantes pulverizados (e não explicados) nos quatro livros e nos cinco filmes que serão produzidos ao total. Aliás, o roteiro é lamentável, a autora (corroborada pelos roteiristas, que nada podem fazer, afinal trata-se de uma franquia...) constrói uma trama inverossímil, onde os próprios personagens parecem não acreditar nas motivações dramáticas de seus papéis. Meyer, mórmon radical, destila conservadorismos gratuitos para fazer a história andar, mas só consegue ridicularizar ainda mais o universo criado. Muitos críticos tem dito que esse “Eclipse” seria o melhor dos três filmes, o que eu discordo inteiramente. Ainda não teve um “melhor”. São todos do mediano para o péssimo. Neste último filme, somos reféns de uma ambigüidade sem propósito da protagonista (a forma como Bela explicita sua confusão sentimental entre o galã pálido e o lobisomem anabolizado é primária!), e ainda temos de aturar um supervalorizado duelo mal elaborado (se Edward sabia que seu cheiro atrairia a vampira ruiva , por que acompanhou Bela e Jacob até a barraca que seria o esconderijo da amada contra a vilã?), que só se salva pelo aparente investimento feito nos efeitos especiais do clímax da tal “guerra”. Sinto estragar a surpresa dos que não assistiram ainda, mas, basicamente, o filme começa e termina com um impasse entre o casalzinho principal: a virginal mocinha deve casar antes ou depois de ser mordida pelo vampirinho teen quase protestante? Desculpe, mas o senso do ridículo passou longe desse filme...
Dica de Música: "Meu sonho" (Paralamas do Sucesso)
Essa relação entre diretor e roteirista é sempre muito delicada no tocante a autoria artística de uma obra. Esse clichê justifica o alardeado rompimento da parceria fílmica entre o diretor Alejandro González Iñárritu e o roteirista e escritor Guillermo Arriaga, que rendeu a ótima trilogia “Amores Brutos”, “21 Gramas” e “Babel”, que, definitivamente, solidificou a influência e pertinência do cinema latino no mundo hoje. Particularmente eu acredito que o cinema nada mais é do que a estetização de uma idéia ou discurso, e por mais que isso não tenha validade sem o suporte de um bom roteiro, o resultado final é externado mesmopela concepção do diretor. Discussões à parte, Arriaga, após a briga com o parceiro, resolveu investir na sua faceta de diretor no promissor “Vidas que se cruzam”, em que, é claro, também é autor do roteiro. A história, como o preguiçoso título brasileiro pressupõe, fragmenta trajetórias de pessoas que se cruzam em algum momento da vida. Acima de qualquer esquematismo narrativo, Arriaga usa seu filme de estréia para fazer um estudo sobre a perda. Charlize Theron (como uma gerente de restaurante depressiva, que cultiva hábitos autodestrutivos) e Kim Basinger (como uma dona de casa adúltera) representam as bases de um discurso um tanto doloroso, potencializado pela direção pesada e contemplativa. Com uma fotografia exuberante – o filme começa com um representativo trailer em chamas numa planície árida – “The Burning Plain” (título original) vai desdobrando lentamente o novelo de obscuridade que àqueles personagens escondem ou apenas reprimem, caminhando para um final revelador, mas pertinentemente cru diante da possível expectativa de catarse do espectador. O diretor e roteirista Arriaga consegue assim, comprovar os seus méritos e ainda abre grandes possibilidades para seus trabalhos futuros. A discussão gerada pela crise com o parceiro de tantos sucessos serviu, pelo menos, para reafirmar que é na direção que o cinema se justifica. Para o espectador e para si mesmo.
Dica de Música: "De cara a la pared" (Lhasa de Sela)
“Deixe ela entrar” é um dos filmes mais espetaculares que já vi. O drama sueco acompanha a relação de um menino e sua inusitada amiguinha vampira, num universo verdadeiramente assustador e impressionantemente orgânico. Falei desse filme aqui, em fevereiro. Óbvio que o cinema americano iria fazer a sua adaptação, mas o surpreendente é que o trailer que saiu parece bem promissor. Dirigido por Matt Reeves (do tenso “Cloverfield”), a produção, que estréia em outubro, procurou manter o clima soturno e o elenco infantil promete fazer jus ao original. Resta sabe se o final do filme – dos mais originais e inventivos – será adaptado também...
Dica de Música: "I'd do it all again" (Corinne Bailey Rae)
O diretor Antoine Fuqua, quando não atua irregularmente no mainstream hollywoodiano (nos fracos “Rei Arthur” e “Lágrimas do sol”), tenta ser Spike Lee em filmes de inclinações sociológicas, como no superestimado “Dia de treinamento” e neste seu novo filme “Atraídos pelo crime”. Richard Gere, Don Cheadle e Ethan Hawke interpretam três policiais do Brooklyn, Nova Iorque, que vivem cada um em sua trama, um desígnio da instituição americana na marginalidade social da cidade. Gere vive um veterano prestes a se aposentar que entra em conflito com a nova geração que oxigena a corporação. Cheadle atua como um policial infiltrado no tráfico que encontra dificuldades ao dissociar essa dualidade em que vive; e Ethan incorpora o policial que se complica em sua própria falta de escrúpulos, ainda que encontre justificativas pessoais para tal. A premissa da história, que acompanha o desenrolar dessas três subtramas, é até interessante, mas Fuqua não estabelece uma fluência narrativa cativante ao paralelizar os discursos. Talvez isoladamente funcionassem melhor (principalmente a trama humanística de Ethan Hawke). Ainda que consiga arrebatar uma interpretação notável de Richard Gere, o filme acaba por ser um mosaico de si mesmo, sem chance de maiores reflexões ou revelações sociais de um meio.
Além de gostar de cinema, tenho um prazer ainda maior em escrever sobre (e futuramente fazer...). Isso acaba fazendo com que procure ver o maior número possível de filmes, independendo do gênero (ainda que seja um suplício para eu ter de assistir a gêneros que não me identifique como western e filmes que enfoque guerras). Mas essa “disciplina” também pode trazer algumas surpresas (o faroeste “Os indomáveis”, com Russel Crowe me surpreendeu positivamente, há uns três anos atrás), como nesse “Esquadrão classe A”, que assisti recentemente no cinema. Não é o tipo de filme que me entusiasme e admito que fui ver com uma enorme má vontade. Remake de série mediana, com um lutador de luta livre entre os protagonistas??? Enfim, fui e, para minha surpresa, gostei bastante do filme. Dentro da vertente de recontar as histórias desde o início, vemos o motivo que uniu Hannibal, Cara-de-pau, BA e Murdock, os tais do “A – Team” original, e como acabam se metendo numa conspiração de implicações hierárquicas dos EUA. Óbvio que o filme incorre por concessões absurdas que personalizam o seu gênero de “filme de ação”. Mas o carisma do elenco (Liam Neeson, Bradley Cooper e o lutador Rampage fazem a química do grupo sobressair através de suas competentes performances individuais e Sharlto Copley, que brilhou no ótimo “Distrito 9”, é a grande atração cênica do filme, num personagem dificílimo) seguram a credibilidade do filme. Aliás, o roteiro é uma espécie de “Supremacia Bourne” espetacularizado, relativizando – mais uma vez no cinema americano – a política externa da era Bush (isso ainda vai render tanto. Lembram-se da contínua reverberação da Guerra do Vietnã?). Tudo isso feito com uma despretensão impressionante, uma habilidade narrativa invejável e um senso de oportunidade que talvez o mercado americano não tenha assimilado, já que a bilheteria foi decepcionante. Hummm, será que foi por isso que acabei gostando?
Dica de Música: "Around the world" (Red Hot Chili Peppers)