segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Tempo de Kate


Numa das cenas conclusivas do filmaço “Pecados Íntimos” de Todd Field, Sarah Pierce olha para sua filha, que minutos antes havia desaparecido, e ali, naquele lance de olhar aliviado, ela repensa toda a sua vida, redefinindo o caminho a seguir dali para frente. Uma cena dificílima pelo alto grau de complexidade, onde o não dito personifica a intenção do que seria dito, onde a veracidade, externada num olhar, não consiste na forma e sim na transcendência que existe entre a arte de interpretar e a posição receptiva do expectador. Talvez uma atriz qualquer, não entendendo a importância desta cena para o discurso do filme, a interpretaria de forma corriqueira, mas Field, também roteirista do filme, sabia que só uma atriz como Kate Winslet defenderia com alma e inteligência esse papel. Com isso, recebeu mais uma trinca de indicações importantes (Oscar, Globo de Ouro e Bafta) para seu currículo.
Dizer que Kate Winslet é uma das melhores atrizes de sua geração, já é clichê. Aos 31 anos foi a atriz mais jovem a receber cinco indicações ao Oscar. Desde que estreou nos cinemas, sob a batuta de Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis”) no pequeno “Almas Gêmeas”, Kate recebe elogios pela destaque que imprime em cada trabalho. Emma Thompson e Ang Lee corroboraram essa afirmação dando-a seu primeiro papel de destaque em “Razão e sensibilidade”, mas foi em “Titanic“ que o mundo se rendeu ao talento inquestionável da atriz. Na superprodução bilionária de James Cameron, Kate não se intimidou com o paradigma de seu papel, como pilar romântico da história, emprestando assim personalidade e vigor a sua Rose, o que fez com que a batida trama do amor impossível tenha pertinência diante do show (piro)técnico que a catástrofe do filme mostraria a seguir (cabe dizer aqui que a parceria com Leonardo DiCaprio também fora de suma importância). Hoje, aos 33 anos é indicada pela sexta vez, por seu trabalho no filme “O leitor” de Stephen Daldry. Fora que ganhou (pela primeira vez) dois Globos de ouro por esse trabalho (coadjuvante) e por “Foi apenas um sonho” (atriz). Enfim, 2009 é um ano tanto para Kate. E Meryl Streep já tem uma substituta.


Em “Revolutionary Road” (traduzido no Brasil como “Foi apenas um sonho”), Kate é dirigida por seu marido, o diretor Sam Mendes (do excelente “Beleza americana”). O filme fala sobre um casal da classe média americana dos anos 50, em crise de identidade mútua. Mais uma vez fazendo par com Leonardo DiCaprio (muito bom, por sinal), Kate mostra versatilidade ao dar vida a uma dona-de-casa fracassada e sufocada por sua estagnada condição social. Mendes procura formatar esse cenário sob forma de contradições gráficas que vão alinhavando a trama do filme. Ele nos coloca o tempo todo como testemunhas dos dilemas (literalmente) gritados na tela. Gostei muito do filme, apesar de não ter lido o livro que o inspirou, de Richard Yates, o que significa bastante já que, pelos que leram e viram o filme, acham o segundo mais superficial. O filme tem suas imperfeições – como a excessiva teatralidade em algumas cenas, mas se a função da arte é a reflexão, isso o filme levanta eficientemente: não como júri, mas como réu, e esse distanciamento (e a conclusão do filme, impactante) são as forças motoras de um auto questionamento que fazemos ao fim da história. Experimentem. Já em “O leitor” de Stephen Daldry, como já disse, onde foi (merecidamente) indicada ao Oscar de melhor atriz, vemos uma outra face de Kate. É impressionante sua capacidade em criar uma personagem inteiramente diferente a cada projeto. No filme, que conta a história de um homem que relembra seu relacionamento com uma ex-nazista e o que isso implicou em sua vida até aquele momento, Kate incorpora uma mulher embrutecida, analfabeta, mas paradoxalmente sensualmente flexível. Na verdade, sua performance (junto com o jovem ator alemão David Kross) é a melhor coisa do filme. Daldry é um cineasta muito criticado por seu despudoramento em investigar os meandros da dramaticidade em seus filmes. Isso sempre me soou positivamente corajoso. “Billy Elliot” e a obra-prima “As horas” (onde conseguiu a difícil missão de dar forma ao universo de Virginia Woolf) são filmes muito sinceros em suas propostas. Mas agora em “O leitor” a coisa desandou. A trama inicial, onde acompanhamos a descoberta sexual de Michael (Kross) com Hanna (Kate), é até interessante, mas o desenrolar da história perde força com os devaneios sentimentais do diretor. Sua visão do Holocausto como cenário da história principal não soa verossímil e isso gera um incômodo que se estende até a solução do filme que se esforça para não cair no pieguismo total. Stephen Daldry não foi feliz desta vez, mas a presença arrebatadora de Kate Winslet o redime, pelo menos parcialmente.

Dica de música: “Elephant gun” (Beirut)
















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