segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

tempo tempo tempo tempo

Em 2006, o documentarista Eduardo Coutinho lançou nos cinemas um verdadeiro ensaio sobre a trajetória que a velhice nos impõe. Em mais um trabalho genial do cineasta (que um ano depois lançaria mais uma obra-prima em seu currículo: “Jogo de Cena”), observamos, sob os depoimentos de um grupo de idosos em uma remota região do nordeste brasileiro, que, muito mais do que o senhor da razão, o tempo nada mais é do que um catalisador de uma futura visão de mundo.
Ao propor uma inversão cronológica, onde um homem já nasce velho e, no decorrer da vida, vai rejuvenescendo, David Fincher, em seu novo filme “O curioso caso de Benjamim Button”, usa justamente o tempo como alegoria para se discutir os caminhos onde trafegamos para dar um sentido ao que somos. Realizador de filmes que se notabilizaram pela subversão à seus próprios dogmas (“Clube da luta”, “Seven”) e, se valendo da potência midiática hollywoodiana, levando numerosas platéias ao exercício da reflexão através do cinema, Fincher surpreende mais vez com a segurança com que dignifica seu enredo, baseado num conto de F. Scott Fitzgerald. O tempo, relativizado, respalda o confronto emocional que se revela como impeditivo a grande história de amor do filme. O tempo, condescendente, endossa os conflitos internos que esta retórica levanta. O tempo. “O curioso caso de Benjamim Button” é mais do que um filme sobre o tempo, é uma reflexão sobre a vida, vista por um prisma, paradoxalmente, atemporal. Fincher entrega uma direção segura e elegante e seu protagonista é defendido com extrema sensibilidade por um Brad Pitt cada vez mais sereno (ainda que os holofotes sobre o ator e sua vida privada – “Brangelina”! – insistam em querer sobressair, seu talento é inquestionável, fato este, endossado pelo prêmio de melhor ator no rigoroso Festival de Veneza com o filme “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford” de Andrew Dominik). Pitt demonstra maturidade ao incorporar as complexidades de Button (com o perfeito auxílio da maquiagem e da tecnologia) sem arranhar a credibilidade da trama. Cate Blanchet (de costumeira eficiência) e Taraji P. Henson (maravilhosa) são os grandes destaques femininos do longa. É um filme que respeita bem o classicismo do cinemão americano, seja pelo foco fundamental de David Fincher, seja pela força reflexiva da história, seja pelo silêncio que se estabelece no espectador ao fim da projeção.
“Posso ouvir o vento passar / Assistir a onda bater / mas o estrago que faz / A vida é curta pra ver / Eu pensei que quando eu morrer / Vou acordar para o tempo / E para o tempo parar / Um século, um mês / Três vidas e mais / Um passo pra trás? / Por que será?”
Trecho da música “O vento” de Rodrigo Amarante (Los Hermanos)

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