quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Bom e barato


Fazer cinema no Brasil ainda é um exercício de guerrilha. É muito comum ouvirmos que para se realizar determinado filme foi preciso trabalhar em regime de coopertiva com os atores e técnicos. Um dos filmes mais singulares de nossa cinematografia, "Cheiro do ralo" de Heitor Dhalia, é um desses exemplos. Mauro Farias, conhecido diretor de tv, se armou desta estratégia para gerar "Verônica", protagonizado por sua mulher, Andrea Beltrão. "Verônica", que conta a dramática história de uma professora que procura dar um sentido a mediocridade de sua vida, protegendo um de seus alunos que está jurado de morte, nos remete ao clássico "Glória" de John Cassevetes, uma vez que o argumento é bem parecido, mas Farias, também autor do roteiro, situa sua história na realidade educacional (desglamourizada) do país, onde Andréa desempenha seu papel com uma naturalidade muito importante para a dignidade do projeto em si. Andréa, que ano passado já havia brilhado na telona, praticamente roubando a cena do filme "Romance" de Guel Arraes, consegue incorporar muito do cansaço psicológico que sua personagem imprime e, na segunda parte do filme, justificar sua devoção àquele aluno. O roteiro é correto (o que é um luxo no país) e, sob os signos do gênero, desenvolve bem sua premissa até o final.


Enfim, "Verônica" é um dos exemplos de que, mesmo com simplicidade (técnica e artística) dá para se fazer cinema de qualidade no país, afinal, nesta década vimos que o cinema independente americano redefiniu sua própria indústria com pouca grana e muito talento ("Pequena Miss Sunshine"!). São outras realidades mas os mesmos princípios.


Dica de música: "Epitáfio" (Titãs)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Tempo de Kate


Numa das cenas conclusivas do filmaço “Pecados Íntimos” de Todd Field, Sarah Pierce olha para sua filha, que minutos antes havia desaparecido, e ali, naquele lance de olhar aliviado, ela repensa toda a sua vida, redefinindo o caminho a seguir dali para frente. Uma cena dificílima pelo alto grau de complexidade, onde o não dito personifica a intenção do que seria dito, onde a veracidade, externada num olhar, não consiste na forma e sim na transcendência que existe entre a arte de interpretar e a posição receptiva do expectador. Talvez uma atriz qualquer, não entendendo a importância desta cena para o discurso do filme, a interpretaria de forma corriqueira, mas Field, também roteirista do filme, sabia que só uma atriz como Kate Winslet defenderia com alma e inteligência esse papel. Com isso, recebeu mais uma trinca de indicações importantes (Oscar, Globo de Ouro e Bafta) para seu currículo.
Dizer que Kate Winslet é uma das melhores atrizes de sua geração, já é clichê. Aos 31 anos foi a atriz mais jovem a receber cinco indicações ao Oscar. Desde que estreou nos cinemas, sob a batuta de Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis”) no pequeno “Almas Gêmeas”, Kate recebe elogios pela destaque que imprime em cada trabalho. Emma Thompson e Ang Lee corroboraram essa afirmação dando-a seu primeiro papel de destaque em “Razão e sensibilidade”, mas foi em “Titanic“ que o mundo se rendeu ao talento inquestionável da atriz. Na superprodução bilionária de James Cameron, Kate não se intimidou com o paradigma de seu papel, como pilar romântico da história, emprestando assim personalidade e vigor a sua Rose, o que fez com que a batida trama do amor impossível tenha pertinência diante do show (piro)técnico que a catástrofe do filme mostraria a seguir (cabe dizer aqui que a parceria com Leonardo DiCaprio também fora de suma importância). Hoje, aos 33 anos é indicada pela sexta vez, por seu trabalho no filme “O leitor” de Stephen Daldry. Fora que ganhou (pela primeira vez) dois Globos de ouro por esse trabalho (coadjuvante) e por “Foi apenas um sonho” (atriz). Enfim, 2009 é um ano tanto para Kate. E Meryl Streep já tem uma substituta.


Em “Revolutionary Road” (traduzido no Brasil como “Foi apenas um sonho”), Kate é dirigida por seu marido, o diretor Sam Mendes (do excelente “Beleza americana”). O filme fala sobre um casal da classe média americana dos anos 50, em crise de identidade mútua. Mais uma vez fazendo par com Leonardo DiCaprio (muito bom, por sinal), Kate mostra versatilidade ao dar vida a uma dona-de-casa fracassada e sufocada por sua estagnada condição social. Mendes procura formatar esse cenário sob forma de contradições gráficas que vão alinhavando a trama do filme. Ele nos coloca o tempo todo como testemunhas dos dilemas (literalmente) gritados na tela. Gostei muito do filme, apesar de não ter lido o livro que o inspirou, de Richard Yates, o que significa bastante já que, pelos que leram e viram o filme, acham o segundo mais superficial. O filme tem suas imperfeições – como a excessiva teatralidade em algumas cenas, mas se a função da arte é a reflexão, isso o filme levanta eficientemente: não como júri, mas como réu, e esse distanciamento (e a conclusão do filme, impactante) são as forças motoras de um auto questionamento que fazemos ao fim da história. Experimentem. Já em “O leitor” de Stephen Daldry, como já disse, onde foi (merecidamente) indicada ao Oscar de melhor atriz, vemos uma outra face de Kate. É impressionante sua capacidade em criar uma personagem inteiramente diferente a cada projeto. No filme, que conta a história de um homem que relembra seu relacionamento com uma ex-nazista e o que isso implicou em sua vida até aquele momento, Kate incorpora uma mulher embrutecida, analfabeta, mas paradoxalmente sensualmente flexível. Na verdade, sua performance (junto com o jovem ator alemão David Kross) é a melhor coisa do filme. Daldry é um cineasta muito criticado por seu despudoramento em investigar os meandros da dramaticidade em seus filmes. Isso sempre me soou positivamente corajoso. “Billy Elliot” e a obra-prima “As horas” (onde conseguiu a difícil missão de dar forma ao universo de Virginia Woolf) são filmes muito sinceros em suas propostas. Mas agora em “O leitor” a coisa desandou. A trama inicial, onde acompanhamos a descoberta sexual de Michael (Kross) com Hanna (Kate), é até interessante, mas o desenrolar da história perde força com os devaneios sentimentais do diretor. Sua visão do Holocausto como cenário da história principal não soa verossímil e isso gera um incômodo que se estende até a solução do filme que se esforça para não cair no pieguismo total. Stephen Daldry não foi feliz desta vez, mas a presença arrebatadora de Kate Winslet o redime, pelo menos parcialmente.

Dica de música: “Elephant gun” (Beirut)
















tempo tempo tempo tempo

Em 2006, o documentarista Eduardo Coutinho lançou nos cinemas um verdadeiro ensaio sobre a trajetória que a velhice nos impõe. Em mais um trabalho genial do cineasta (que um ano depois lançaria mais uma obra-prima em seu currículo: “Jogo de Cena”), observamos, sob os depoimentos de um grupo de idosos em uma remota região do nordeste brasileiro, que, muito mais do que o senhor da razão, o tempo nada mais é do que um catalisador de uma futura visão de mundo.
Ao propor uma inversão cronológica, onde um homem já nasce velho e, no decorrer da vida, vai rejuvenescendo, David Fincher, em seu novo filme “O curioso caso de Benjamim Button”, usa justamente o tempo como alegoria para se discutir os caminhos onde trafegamos para dar um sentido ao que somos. Realizador de filmes que se notabilizaram pela subversão à seus próprios dogmas (“Clube da luta”, “Seven”) e, se valendo da potência midiática hollywoodiana, levando numerosas platéias ao exercício da reflexão através do cinema, Fincher surpreende mais vez com a segurança com que dignifica seu enredo, baseado num conto de F. Scott Fitzgerald. O tempo, relativizado, respalda o confronto emocional que se revela como impeditivo a grande história de amor do filme. O tempo, condescendente, endossa os conflitos internos que esta retórica levanta. O tempo. “O curioso caso de Benjamim Button” é mais do que um filme sobre o tempo, é uma reflexão sobre a vida, vista por um prisma, paradoxalmente, atemporal. Fincher entrega uma direção segura e elegante e seu protagonista é defendido com extrema sensibilidade por um Brad Pitt cada vez mais sereno (ainda que os holofotes sobre o ator e sua vida privada – “Brangelina”! – insistam em querer sobressair, seu talento é inquestionável, fato este, endossado pelo prêmio de melhor ator no rigoroso Festival de Veneza com o filme “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford” de Andrew Dominik). Pitt demonstra maturidade ao incorporar as complexidades de Button (com o perfeito auxílio da maquiagem e da tecnologia) sem arranhar a credibilidade da trama. Cate Blanchet (de costumeira eficiência) e Taraji P. Henson (maravilhosa) são os grandes destaques femininos do longa. É um filme que respeita bem o classicismo do cinemão americano, seja pelo foco fundamental de David Fincher, seja pela força reflexiva da história, seja pelo silêncio que se estabelece no espectador ao fim da projeção.
“Posso ouvir o vento passar / Assistir a onda bater / mas o estrago que faz / A vida é curta pra ver / Eu pensei que quando eu morrer / Vou acordar para o tempo / E para o tempo parar / Um século, um mês / Três vidas e mais / Um passo pra trás? / Por que será?”
Trecho da música “O vento” de Rodrigo Amarante (Los Hermanos)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Strong Nina!!!


Assisti a poucos dias o filme "Foi apenas um sonho" de Sam Mendes, com Leonardo DiCaprio e Kate Wisley. É um filme um tanto vigoroso. Falarei dele depois. O motivo deste spot é falar de seu trailer, um dos melhores já feitos. Mas ainda para falar da maravilhosa cantora Nina Simone que abrilhanta (pela adequação temporal e sagacidade emotiva) o trailer com uma de suas melhores canções "Wild is the wind". Nina foi uma das grandes vozes americanas que nos deixou em 2003, quando morreu dormindo em sua residência. Grande ativista pela causa negra em seu país (e fora dele), chegou a cantar no enterro de Martin Luther King. Assim como Elis Regina (e dada as devidas proporções) ela se destacava pela forma instintiva como trafegava por diferentes estilos musicais como uma propriedade impressionante. "Sinnerman" (que emprestou um pouco mais de charme ao remake do filme "The Thomas Crown Affair" com Pierce Brosnan) é simplesmente de arrepiar. Procurem no youtube o traile de "Foi apenas um sonho" e confirmem a grandiosidade dessa artista.
Vai aqui o endereço: http://www.youtube.com/watch?v=lcvzvrHgcG0

Dica de música: "Mississipi Goddan" (Nina, claro!)

O preço (e o peso) de uma franquia

O diretor Daniel Filho tem sua carreira marcada pela pluralidade. E essa quantidade explica o desnível qualitativo sua obra. Responsável por marcos televisivos como “Malu Mulher” e filmes ora simpáticos como “A dona da história” ora superficiais como “Primo Basílio”, seu discurso é o de que faz cinema para o público e não para a crítica. Isso é ótimo, mas não o exime de buscar critérios para tal. Assisti a seu novo filme “Se eu fosse você 2”, continuação (natural) do mega sucesso de 2006, estrelado por Tony Ramos e Glória Pires. Lembro de ter escrito uma crítica bem desencantada deste primeiro filme à época. A produção só encontrava êxito no carisma cênico de seus protagonistas, em atuações soberbas. No novo filme há um expressivo salto de qualidade, ainda que os defeitos sejam visíveis. Tony e Glória confirmam a sintonia que garantem o sucesso do filme. Cada vez mais a vontade, o casal empresta credibilidade à trama ainda previsível do filme, com cenas antológicas. A leveza desta primeira continuação – com uma divertida participação de Chico Anysio – nos remete aos grandes clássicos da Atlântida no sentido despretensioso em como o filme é levado. Parece que Daniel procurou deixar os atores conduzirem a ação do filme e seguiu, com um deslize aqui e ali, sem maiores comprometimentos. Ainda estão lá todos os vícios do diretor (cenas coreografadas, planos televisivos), mas já que a produção de fato tornou-se uma franquia, que a (já confirmada) terceira parte continue essa escalada qualitativa do filme, ainda que isso independa (de certa forma) das mãos de seu realizador.

Dica de música: "Saúde/Só love" (Paula Toller)

Cão que morde e cão que ladra



Outro filme baseado em best-seller literário e que vem fazendo bonito nas bilheterias americanas é “Marley e eu”. Neste caso, li o livro antes e arrisco até dizer que o poder de concisão do filme tornou a história ainda melhor. No livro, o autor John Grogan narra à trajetória do relacionamento doméstico com seu cão de estimação – um labrador hiperativo – e o quanto isso fora iminente em sua visão de mundo. Como se trata de um relato pessoal e em 1ª pessoa, é notável que o viés emocional do que se relata atrapalha o senso de sintetizar aquilo que seria mais pertinente a história como um todo. O que não ocorre com o (bom) filme dirigido por David Frankel. Depois de “O diabo veste Prada”, onde fez um trabalho notável de transposição literária para a telona, Frankel dá uma bem-vinda arrojada na trama pessoal de Grogan oscilando espertamente entre a comicidade e o gancho dramático para o qual aquela trama caminha. Pelo que vi no cinema, a capacidade do filme em arrancar lágrimas dos espectadores é eficaz e isso sem soar oportunista ou forçado; fato raríssimo nos filme do gênero.





E no primeiro dia de 2009 estava eu no cinema assistindo ao filme “Sete vidas”, nova produção de Will Smith, dirigido mais uma vez pelo diretor Gabriele Muccino, com o qual já havia trabalhado no eficiente “A procura da felicidade”. Mas nesta nova produção a eficiência ficou de fora. Com um argumento até bem interessante, o filme comete um pecado crucial ao alinhavar sua trama: leva-se a sério demais sob forma de um roteiro fraco e irritantemente burocrático. Para piorar, nem o comumente bom Will está bem no filme. Sua personificação carece de organicidade numa atuação restrita a estáticas expressões faciais. Uma pena. A produção até ensaia uma redenção em sua conclusão, onde remenda uma concisão a história, mas aí já se passaram quase duas horas de desperdício narrativo. E vale ressaltar o belo desempenho de Rosária Dawson, que deixa um pouco de lado a eloqüência excessiva de suas interpretações e entrega uma atuação verdadeiramente tocante. Apesar das pretensões do estúdio, o filme foi (merecidamente) ignorado pelas principais premiações americanas.



Dica de música: "Only time" (Enya)

2000&Movie!!!


O ano começou para mim com três lançamentos esperadíssimos do circuito. Aliás, pela primeira vez passei o primeiro dia do ano dentro de uma sala de cinema (e com cinema cheio, surpreendentemente) para assistir a uma dessas produções vistas. Na última semana do ano vi o novo fenômeno “cine-literáreo” “Crepúsculo” de Catherine Hardwicke. Não li o livro – o que talvez tenha sido um fator positivo em minha avaliação – e achei o filme bem acima da média. Ainda que a trama apresentada nos remeta a uma insossa balela teen americana, o livro e o roteiro extraído deste criam um interessante universo alternativo frente à batida premissa das tramas vampirescas (fator este que também imprimem o nível de qualidade e prestígio da nova série da HBO, também sobre vampiros, “True Blood”). Amparados por dois importantes pilares: a direção convenientemente etérea de Hardwicke e o carisma do casal protagonista, o filme se impõe com uma simplicidade impressionante. E ainda têm o bônus de ter Radiohead em sua trilha sonora. Não vem para deixar legado, mas cumpre bem o seu papel de blockbuster.

Dica de música: "15 Step" (Radiohead)