segunda-feira, 6 de abril de 2009

O sangue de Che Guevara tem poder?

“Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder. Ideologia, eu quero uma pra viver.”
Os anseios geracionais que um inquieto (e genial) Cazuza professou em “Ideologia”, na década de 80, nos dão uma noção da ingenuidade revolucionária que fez parte da vida (política) de Che Guevara. Ingenuidade essa, vista pelos cínicos olhos dos tempos atuais, onde o capitalismo alcançou sua suprema forma de ser.
Nada mais pertinente que, em tempos de violenta recessão econômica (e com o próprio capitalismo sendo questionado), estar, enfim, chegando aos cinemas o filme “Che – o argentino”. Primeira parte do aguardado filme (em duas partes) do diretor Steven Soderbergh.
A produção remonta a trajetória política de Guevara, dando ênfase à tomada de Cuba para a recuperação nacionalista de seu país. Soderbergh, como fez em “Traffic”, imprime uma narrativa fragmentada, tracejada por diferentes planos estéticos de fotografia. Aliás a forma como ele inicia o filme, em preto e branco, com Che sendo entrevistado por um programa na América, dá a tônica do que o filme apresentará até o fim.
Benício del Toro é o que eu chamaria de Sean Penn da América Latina, dada a sua total entrega (inclusive psíquica) aos personagens que faz. Ao incorporar a figura mítica de Che, ele busca (e consegue) a verossimilhança icônica do personagem, que o próprio filme, como um todo, não consegue. Pelo menos para alguns.
“Che – o argentino” é mais um filme brilhante de Soderbergh, em termos puramente cinematográficos. É de se admirar a segurança com que o diretor maneja toda a complexidade do roteiro. Fora o trabalho dos atores, que fica sempre muito acima da média (e, mais uma vez, temos uma performance ricamente equilibrada de Rodrigo Santoro, interpretando Raúl Castro, irmão de Fidel). Mas o que incomoda na produção é o quanto o filme é eclipsado pela mitologia de seu protagonista. Che Guevara não está ali para ser questionado ou discutido. Toda a trajetória do líder político é apresentada, praticamente pela tela de um relicário, dada a recorrente canonização que se estabelece ao que é retratado na tela. E aí que o filme expõe sua fragilidade devocional ao mito: o aspecto humano é substituído pelo viés heróico (e romântico) de um homem que, antes de figurar em bottons e camisas, sangrou e fez sangrar em seu passado conhecidamente referencial.
Por isso, a ingenuidade de Cazuza não está em acreditar que uma ideologia lhe daria uma direção, mas sim, por talvez não ver que essa ideologia pode ser perigosa quando uma geração não a canta em uníssono.


Dica de Música: “Al outro lado del río” (Jorge Drexler)

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