quarta-feira, 22 de abril de 2009

Entre a cruz e a bandeira



No clímax de uma das cenas mais importantes do filme “Sobre meninos e lobos” (2003), um personagem, deixando o instinto agir sobre a razão, diz: “Nossos pecados, nós enterramos aqui”. E ali, entendemos que não são aqueles fins que justificam os meios, afinal, a vida é feita de intermináveis meios.
O cineasta Clint Eastwood, diretor desta obra-prima, baseada no livro de Dennis Lehane, sabia muito bem no que consistia aquela frase. Aliás, toda a sua obra – seja como ator ou diretor – sempre procurou radiografar esses meios que justifica o todo. Se, em seu início de carreira, ele fazia parte da alegoria da bravura com seus westerns setentistas, depois, sofisticando-se pela esquizofrenia de seu célebre Dirty Harry, ao longo dos anos, e acompanhando a vertente revisionista de seus EUA, Clint procurou relativizar o seu papel icônico no cenário político americano, utilizando para isso o que sabe fazer melhor: o seu cinema. Agora, ao lançar dois novos filmes: “A troca” e “Gran Torino”, do início do ano para cá, o diretor confirma esse papel e ainda comprova a sua boa forma artística ao persuadir reflexão de seu soturno universo analítico.
“A troca”, assim como ocorreu com ótimo “Erin Brocovick” de Soderbergh, vem sendo acusado de ser um mero veículo para uma atriz ganhar o Oscar, no caso, Angeline Jolie. Mas isso é uma grande tolice. O filme, que remonta a verídica história de uma mulher que luta para descobrir o paradeiro de seu filho desaparecido, nos anos 20, é sim um veículo, mas para a reafirmação do talento de Eastwood na firmeza com que conta suas tramas. Como é de praxe em seus filmes, o cineasta utiliza uma fotografia escurecida, como que para passar ao expectador o seu discurso, pela perspectiva das sombras, que ilustra o desespero daquela mãe. Ainda que mire suas críticas para diferentes alvos sociais, a trama se esgueira de maniqueísmos, conseguindo com isso uma interessante assimilação com a protagonista, muito bem defendida por Jolie, fazendo desaparecer seu DNA de Marilyn Monroe em favor de uma persona mais Jackie Onassis. Atriz e diretor convergiram para a contenção emotiva de suas escolhas cênico-narrativas, e isso é de grande importância para a dignidade dos sentimentos dolorosos retratados na tela.
O fel desta vez, é derramado sobre as bases sociais de um Estado. Para os mais atentos, vemos ali uma crítica a Guantánamo. E vemos também, que um “happy end” pode ser, paradoxalmente, de uma tristeza arrasadora.
“Gran Torino” seria, por assim dizer, o resultado do caminho que Clint vem seguindo ao longo dos anos. É um filme-síntese, por isso até perdoamos alguns deslizes dele. Contando a historia de um veterano da Guerra da Coreia, que se vê obrigado a conviver com seus vizinhos, imigrantes asiáticos, o filme metaforiza uma nação xenófoba, que se vê levada a olhar para si para entender que sua posição no mundo, não compreende limitações geográficas. A figura de Eastwood no filme – que interpreta o protagonista Walt – é o retrato da decadência dos heróis que um dia o próprio deu vida, para enaltecer a prepotência de sua bandeira.
Olhando a produção com uma boa dose de cinismo, percebemos que para estruturar esse discurso, Clint procurou soluções primárias. O roteiro peca por (muitas vezes) procurar soluções fáceis para dar um sentido àquilo que ele defende em prosa. É um desvio perdoável, uma vez que a representatividade do filme grita mais alto que sua forma. Essa representatividade é o que vem definido a cinematografia recente do cineasta, de “Bronco Billy” a “As pontes de Madison”; de “Unforgiven” a “Cartas de Iwo Jima”. O denominador comum? Os meios como justificativa tanto para princípios, quanto para fins. E foi entendendo a importância dos meios, que Clint Eastwood desenterrou os pecados de um ideário republicano e ultrapassado.


Dica de Música: “Gran Torino” (Clint Eastwood e Jamie Cullun)



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