quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Onde os sonhos tem vez...

Mário Quintana dizia que “Sonhar é acordar-se para dentro”. O cineasta Christopher Nolan estetizou essa máxima num dos filmes mais espetaculares dessa década que se inicia, “A origem”. Toda essa badalação e certa dose de polêmica não são gratuitas: o filme suscita debates sobre o que discute, e sobre o que representa, e é nesta retórica que ele vai conseguir se perpetuar na história do cinema contemporâneo. Com um roteiro certeiro (e corajoso) do próprio diretor, que obviamente levou cerca de dez anos para ser lapidado, Nolan se vale de sua costumeira habilidade em desconstruir narrativas, para contar uma trama que só se explica com a condescendência psíquica do espectador. Nolan constrói seus universos sob a crença da reflexão compartilhada com o público do qual dialoga. Foi assim ao relativizar o juízo de valor alheio no ótimo “Insônia”; ao evocar o heroísmo de um Batman desmitificado na obra-prima “O cavaleiro das trevas” e agora, propondo um jogo de realidades para dar sentido ao sentimento de vislumbrar por entre os obscuros caminhos dos sonhos. Na verdade, “A origem” é facílimo de assimilar em sua premissa racional e cartesiana. A complexidade se dá mesmo quando investiga as emoções de seus personagens. Aí não há dimensionamento e paralelismos de realidade que seja mais intrigante do que tentar compreender as motivações internas do anti-herói vivido por um Leonardo DiCaprio possuído (como visto recentemente no intenso “A ilha do medo” de Scorcese, que aliás, reserva muitas semelhanças no perfil de seu protagonista) e seu(s) fantasma(s) que assombram sua memória. Ou seriam seus sonhos? Nolan articula tudo de uma forma tão precisa – auxiliado com uma belíssima trilha dramática e urgente de Hanz Zimmer – que até o seu final, em aberto, exprime que a clareza das idéias começa no exercício da dúvida. E ao questionar o que é visto na tela, você acaba se dando conta de que, assim como a vida, os sonhos não são cabíveis de entendimento e o verso de Quintana faz todo o sentido.

Dica de Música: “Caribbean Blue” (Enya)


Um comentário:

Thamy Lobo disse...

Só você para conseguir casar a crítica e o sublime!
Sou muito fã!