segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Vale a pena esperar por Sofia Coppola


“Oh, se eu ao menos pudesse ter uma vida de sensações em vez de uma vida de pensamentos.”
O clamor definitivo do poeta inglês John Keats parece ser a tônica que move o delicado universo cinematográfico da cineasta Sofia Coppola. Seus filmes são inteiramente sensoriais, deixando ironias, discursos ou até mapeamentos históricos soltos em uma narrativa bem mais preocupada em buscar uma assimilação pessoal, como se persuadisse uma intimidade quase psíquica com o espectador. Foi assim em sua aclamada estreia, no intenso As Virgens Suicidas (Virgin Suicides, 1999), adaptação do livro homônimo, onde relativizou, com impressionante apuro narrativo para uma iniciante, as incongruências que existem em quem opta por decidir entre a vida e a morte. Essa interseção suicida nos é passada de forma tão sutil que extraímos beleza de um tema tão mórbido. E o filme ainda termina com a sensação de ser um ensaio sobre a vida. Um marco também foi sua intrigante e deliciosa trilha, com a dupla canadense Air.
Mas sua consagração mesmo veio com o intimista Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003), merecidíssimo ganhador do Oscar de Melhor Roteiro, onde Sofia não só consegue tematizar um estado de espírito, como junto com outras obras-primas como Closer (2004), Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), Antes do Pôr do Sol (2004) e Two Lovers (2008), redefinir o gênero romance na seara hollywoodiana no início dos anos 2000. O improvável casal formado por Bill Murray e Scarlett Johansson passa por um interessante processo de construção de intimidade, onde gravitam questões sobre inadequação, solidão e passionalidade de forma tão sutil quanto orgânica.
Apesar de ter enfrentado muitas críticas quando atuou como atriz no clássico O Poderoso Chefão, do pai Francis Ford Coppola, a cineasta, depois de ser quase uma unanimidade em seus dois primeiros filmes, enfrentou mais um revés com o belo Maria Antonieta (Marie Antoniette, 2006), que chegou a ser vaiado em Cannes. De fato, nunca compreendi essa rejeição tão acentuada, principalmente pela inventividade que ela imprimiu ao filme como um todo. Não precisa ser muito inteligente para perceber que a intenção ali não era fazer uma análise política “modernosa”, e sim capturar a essência reacionária da personalidade retratada. Inclusive a sustentação da trama de seu filme é espertamente pautada nisso; é na desconstrução de um mito, sendo quase uma expressionista em seu universo, que o filme revela mais que uma biografada, mas sim, um importante signo da História Moderna.
Como talento não se discute mesmo, em seu mais novo filme, Somewhere, que fez bonito em sua primeira exibição no Festival de Veneza há poucos dias, a diretora norte-americana mira sua lente (de fortes traços autobiográficos) para a trajetória de um astro hollywoodiano que mora em um hotel de Los Angeles – o famoso Chateau Marmont, onde, em 1982, morreu o ator John Belushi por overdose de heroína. É na relação que ele resgata com sua filha que Sofia pauta o filme. O trailer, com notável música de Julio Casablancas, do The Strokes, já comprova que o filme é mesmo da “grife” Sofia Coppola, pela singeleza das imagens e possibilidades comedidas das palavras. Ou seja, ela consegue aquilo que Keats almejava há mais de 100 anos atrás.

Dica de Música: "42" (Coldplay)

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