Dar forma a uma boa intenção literária requer um exercício de desprendimento pois o audiovisual já impõe muitas idéias para querer também impor lições. Quando isso acontece, o artificialismo didático acaba por enfraquecer um resultado.
Esta aí o grande problema do mais novo fenômeno de bilheteria do cinema nacional Nosso Lar, de Wagner de Assis. Baseado em livro psicografado por Chico Xavier, o filme acompanha a trajetória de redenção espiritual de André Luiz, um médico que teve uma vida errônea de excessos e que quando morre, vê-se preso a uma dimensão chamada umbral, espécie de purgatório de almas, onde passa a rever toda a sua vida pelas vias do arrependimento. Essa desventura é apresentada de forma tão reverente à matriz literária que torna-se banal em suas próprias pretensões
O filme, de forma geral, evoca a síndrome de Paulo Coelho: uma obra recheada de boas intenções, mas que se propõe messiânica demais para dialogar com o espectador, tornando essa inter-relação um tanto infantilizada. O diretor – do fraquíssimo A cartomante - também não ajuda, deslumbrado demais com os efeitos especiais internacionais que ilustram a história. Efeitos esses que só comprovam essa infantilização conceitual do filme: a direção de arte mais parece com o mobiliário infantil da Casa da Barbie e pouco acrescenta ao enredo. E ainda não conseguiu estabelecer uma unidade cênica verossímil de seus atores, uma vez que o nível é bem irregular, tendo na atuação de seu protagonista, o ator Renato Pietro, sem um pingo de carisma, seu exemplo mais gritante. Aos que conseguirem dissociá-lo de sua premissa religiosa e analisá-lo apenas como produto cinematográfico verá que o resultado mais parece àqueles vídeos institucionais para conferências espíritas e não um filme ao qual se agregue valores de uma crença
Ainda que conte com eficiente trilha de Philip Glass, que fez trabalhos memoráveis em filmes, como a obra-prima As Horas, Nosso lar só reforça sua incapacidade de dimensionar sua mensagem (ou seria sermão?) para além da banalidade evangelizadora. Como se o espectador, para refletir, precisasse de uma cartilha e não de uma análise do que vê. Ora, mas não é assim que a obra de Paulo Coelho é absorvida?
Dica de Música: "Cruisin" (Gwyneth Paltrow)