Se o cinema é uma forma de arte surpreendente, a engrenagem por trás disso pode ser ainda mais. Sempre tive uma implicância (claro, cheia de fundamentos) com a “obra” do cineasta Ron Howard. Nunca engoli seus chatos filmes infantis (ainda que “Splash, uma sereia em minha vida” seja um marco da “Sessão da tarde”) e seus filmes oscarizáveis, burocratizado com fórmulas prontas para agradar a Academia de Artes Cinematográficas (e que funcionaram plenamente com os frios e calculistas “Uma mente brilhante” e “Apollo 13”). Esse meu paradigma só foi reforçado com o lançamento da aguardada transposição de “O código da Vinci”, onde mais uma vez, Howard mostrou sua limitação narrativa ao contar uma história.
Eis que o ano de 2009 chega para fazer com que aconteça o inesperado. O diretor lança dois bons filmes que derrubam a generalização das teses acima: “Anjos e demônios” e, anteriormente, “Frost/Nixon”.
Vi primeiro o filme baseado no livro de Dan Brown. Depois do já citado “O código da Vinci”, imaginava outro filme igualmente ruim. Também havia lido o livro de “Anjos...”. Dan Brown não é um autor de literatura e sim de roteiros e seus livros impõem ao leitor uma visão da ação proposta e não uma reflexão sobre. Sabendo disto, a leitura é menos crítica. Acho até este livro melhor que “Código...”, pois diferente desse, não cai tanto nas armadilhas da auto-explicação. Talvez por isso o filme seja melhor: Howard estrutura sua trama com muito mais propriedade e, ainda que, tanto o roteiro quanto a própria direção tenha defeitos visíveis, é de se admirar que ele tenha dado um arremedo bem mais satisfatório a essa “continuação”. Digamos que “Anjos e demônios” encontra seu mérito no dinamismo que se suplanta ao conhecido viés burocrático da direção de Howard. Isso é uma evolução e tanto.
Mas foi em “Frost/Nixon” que tive a maior surpresa. Nunca imaginaria que um filme de Howard entrasse em minha lista de melhores filmes já feitos. Pois com “Frost/Nixon” isso aconteceu. Devido aos costumeiros problemas de distribuição no país, não o assisti na época de seu lançamento, incompreensivelmente lançado após a premiação do Oscar, onde o mesmo era candidato a melhor filme. O Oscar foi para (o controverso) “Quem quer ser milionário?”, apesar de eu achar que o merecedor era “Milk” de Gus Van Sant. Hoje, após assistir ao filme, que retrata o embate do ex-presidente americano Richard Nixon com o entrevistador David Frost, após o famoso escândalo de Watergate, fico realmente em dúvida sobre quem merecia de fato, a estatueta dourada. É um filme brilhante. Frank Langella, que já havia interpretado o ex-presidente no teatro, “recebe” o personagem como uma entidade tamanha presença cênica que ele imprime, transformando-se na alma do filme. Michael Sheen, que já havia feito um bom trabalho com outro personagem vivo, o ex-primeiro ministro Tony Blair no ótimo “A rainha”, também se mostra preciso em sua composição. A famosa entrevista reveladora de Nixon é palco para o brilhante roteiro de Peter Morgan, que procura desvendar o que existia por trás da figura política (e, porventura, complexa) do ex-presidente. Os diálogos febris extraídos dali revelam a humanidade tanto de um quanto de outro, sem espaços para extremos antagonistas. Nunca o diretor foi tão bem sucedido numa parceira com um roteiro, já que este consegue humanizar sem precisar julgar, personalizar sem tornar caricatural e Ron vai neste mérito ousando narrativamente (ele conseguiu!), imprimindo um tom levemente documental, como que para desviar de um mero exercício testemunhal seu filme mais perfeito. Reforço a minha surpresa com esta evolução do diretor e fica aqui o exemplo de que em (sétima) arte nada fica livre de reinterpretações.
Dica de Música: "All is full of love" (Bjork)
Eis que o ano de 2009 chega para fazer com que aconteça o inesperado. O diretor lança dois bons filmes que derrubam a generalização das teses acima: “Anjos e demônios” e, anteriormente, “Frost/Nixon”.
Vi primeiro o filme baseado no livro de Dan Brown. Depois do já citado “O código da Vinci”, imaginava outro filme igualmente ruim. Também havia lido o livro de “Anjos...”. Dan Brown não é um autor de literatura e sim de roteiros e seus livros impõem ao leitor uma visão da ação proposta e não uma reflexão sobre. Sabendo disto, a leitura é menos crítica. Acho até este livro melhor que “Código...”, pois diferente desse, não cai tanto nas armadilhas da auto-explicação. Talvez por isso o filme seja melhor: Howard estrutura sua trama com muito mais propriedade e, ainda que, tanto o roteiro quanto a própria direção tenha defeitos visíveis, é de se admirar que ele tenha dado um arremedo bem mais satisfatório a essa “continuação”. Digamos que “Anjos e demônios” encontra seu mérito no dinamismo que se suplanta ao conhecido viés burocrático da direção de Howard. Isso é uma evolução e tanto.
Mas foi em “Frost/Nixon” que tive a maior surpresa. Nunca imaginaria que um filme de Howard entrasse em minha lista de melhores filmes já feitos. Pois com “Frost/Nixon” isso aconteceu. Devido aos costumeiros problemas de distribuição no país, não o assisti na época de seu lançamento, incompreensivelmente lançado após a premiação do Oscar, onde o mesmo era candidato a melhor filme. O Oscar foi para (o controverso) “Quem quer ser milionário?”, apesar de eu achar que o merecedor era “Milk” de Gus Van Sant. Hoje, após assistir ao filme, que retrata o embate do ex-presidente americano Richard Nixon com o entrevistador David Frost, após o famoso escândalo de Watergate, fico realmente em dúvida sobre quem merecia de fato, a estatueta dourada. É um filme brilhante. Frank Langella, que já havia interpretado o ex-presidente no teatro, “recebe” o personagem como uma entidade tamanha presença cênica que ele imprime, transformando-se na alma do filme. Michael Sheen, que já havia feito um bom trabalho com outro personagem vivo, o ex-primeiro ministro Tony Blair no ótimo “A rainha”, também se mostra preciso em sua composição. A famosa entrevista reveladora de Nixon é palco para o brilhante roteiro de Peter Morgan, que procura desvendar o que existia por trás da figura política (e, porventura, complexa) do ex-presidente. Os diálogos febris extraídos dali revelam a humanidade tanto de um quanto de outro, sem espaços para extremos antagonistas. Nunca o diretor foi tão bem sucedido numa parceira com um roteiro, já que este consegue humanizar sem precisar julgar, personalizar sem tornar caricatural e Ron vai neste mérito ousando narrativamente (ele conseguiu!), imprimindo um tom levemente documental, como que para desviar de um mero exercício testemunhal seu filme mais perfeito. Reforço a minha surpresa com esta evolução do diretor e fica aqui o exemplo de que em (sétima) arte nada fica livre de reinterpretações.
Dica de Música: "All is full of love" (Bjork)
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