terça-feira, 30 de junho de 2009

Pelo que é visível.

Parece que o Brasil reencontrou seu cinema em 2009. Só nos seis primeiros meses do ano, os filmes nacionais já obtiveram quase 10 milhões de espectadores, impulsionados pelo verdadeiro arrasa-quarteirões “Se eu fosse você 02”, que fez mais de 6,1 milhões de pagantes, e também por “Divã”, com quase 2 milhões. Nota-se que o perfil deste êxito é de filmes de comédia, cujo alcance do público é certeiro, ainda que essa aritmética seja indefinida.
Outro grande responsável por todo esse sucesso é o filme “A mulher invisível” de Cláudio Torres, que também já rompeu a barreira do milhão. Torres estreou com um dos filmes mais interessantes de nossa cinematografia, “Redentor”, e parecia ser um dos responsáveis por uma futura renovação deste cenário. Porém seus filmes posteriores revelarem-se mais próximos do que funciona em nosso combalido mercado. Não acho demérito, uma vez que o diretor sempre se disse mais próximo da comédia para o grande público (nada como vermos sinceridade nesta seara) e, segundo ele, sendo necessário para o fortalecimento de uma indústria do cinema brasileiro (dá uma boa discussão). Bem, “A mulher invisível” vai mesmo de encontro a este pensamento. Ainda que Torres tenha talento e isso seja bem nítido na estruturação de muitas cenas, principalmente as iniciais, o filme segue bem a receita do gênero (até na escalação de Selton Mello), caminhando pela previsibilidade todo o tempo (aliás, a maioria das boas cenas de humor já estão no trailer do filme). O roteiro até seguia para um bom retrato sobra a solidão contemporânea – já que, apesar de muitos ignorarem, o humor é um bom veículo para discussão, como bem provou Chaplin – mas não evita a tentação da galhofa, com uma conclusão fácil e anti-climática (a última cena então, é visivelmente desnecessária). A (sempre ótima) atriz Fernanda Torres (que também promete turbinar as bilheterias com o segundo filme “Os Normais”, em setembro) é uma das melhores coisas do filme, com sua hilária participação. Selton tem procurado não se repetir e, neste caso, obtém sucesso, assim como Luana Piovani que, dentro daquilo que lhe exigido em cena, tem presença. A performance dos atores nunca foi um problema para o nosso cinema, mas conter as impertinências dos roteiros parece ser ainda um desafio costumeiro. Um filme mediano até para suas pretensões.
Dica de Música: "Gostosa" (Jorge Benjor)

Revendo conceitos

Se o cinema é uma forma de arte surpreendente, a engrenagem por trás disso pode ser ainda mais. Sempre tive uma implicância (claro, cheia de fundamentos) com a “obra” do cineasta Ron Howard. Nunca engoli seus chatos filmes infantis (ainda que “Splash, uma sereia em minha vida” seja um marco da “Sessão da tarde”) e seus filmes oscarizáveis, burocratizado com fórmulas prontas para agradar a Academia de Artes Cinematográficas (e que funcionaram plenamente com os frios e calculistas “Uma mente brilhante” e “Apollo 13”). Esse meu paradigma só foi reforçado com o lançamento da aguardada transposição de “O código da Vinci”, onde mais uma vez, Howard mostrou sua limitação narrativa ao contar uma história.
Eis que o ano de 2009 chega para fazer com que aconteça o inesperado. O diretor lança dois bons filmes que derrubam a generalização das teses acima: “Anjos e demônios” e, anteriormente, “Frost/Nixon”.
Vi primeiro o filme baseado no livro de Dan Brown. Depois do já citado “O código da Vinci”, imaginava outro filme igualmente ruim. Também havia lido o livro de “Anjos...”. Dan Brown não é um autor de literatura e sim de roteiros e seus livros impõem ao leitor uma visão da ação proposta e não uma reflexão sobre. Sabendo disto, a leitura é menos crítica. Acho até este livro melhor que “Código...”, pois diferente desse, não cai tanto nas armadilhas da auto-explicação. Talvez por isso o filme seja melhor: Howard estrutura sua trama com muito mais propriedade e, ainda que, tanto o roteiro quanto a própria direção tenha defeitos visíveis, é de se admirar que ele tenha dado um arremedo bem mais satisfatório a essa “continuação”. Digamos que “Anjos e demônios” encontra seu mérito no dinamismo que se suplanta ao conhecido viés burocrático da direção de Howard. Isso é uma evolução e tanto.
Mas foi em “Frost/Nixon” que tive a maior surpresa. Nunca imaginaria que um filme de Howard entrasse em minha lista de melhores filmes já feitos. Pois com “Frost/Nixon” isso aconteceu. Devido aos costumeiros problemas de distribuição no país, não o assisti na época de seu lançamento, incompreensivelmente lançado após a premiação do Oscar, onde o mesmo era candidato a melhor filme. O Oscar foi para (o controverso) “Quem quer ser milionário?”, apesar de eu achar que o merecedor era “Milk” de Gus Van Sant. Hoje, após assistir ao filme, que retrata o embate do ex-presidente americano Richard Nixon com o entrevistador David Frost, após o famoso escândalo de Watergate, fico realmente em dúvida sobre quem merecia de fato, a estatueta dourada. É um filme brilhante. Frank Langella, que já havia interpretado o ex-presidente no teatro, “recebe” o personagem como uma entidade tamanha presença cênica que ele imprime, transformando-se na alma do filme. Michael Sheen, que já havia feito um bom trabalho com outro personagem vivo, o ex-primeiro ministro Tony Blair no ótimo “A rainha”, também se mostra preciso em sua composição. A famosa entrevista reveladora de Nixon é palco para o brilhante roteiro de Peter Morgan, que procura desvendar o que existia por trás da figura política (e, porventura, complexa) do ex-presidente. Os diálogos febris extraídos dali revelam a humanidade tanto de um quanto de outro, sem espaços para extremos antagonistas. Nunca o diretor foi tão bem sucedido numa parceira com um roteiro, já que este consegue humanizar sem precisar julgar, personalizar sem tornar caricatural e Ron vai neste mérito ousando narrativamente (ele conseguiu!), imprimindo um tom levemente documental, como que para desviar de um mero exercício testemunhal seu filme mais perfeito. Reforço a minha surpresa com esta evolução do diretor e fica aqui o exemplo de que em (sétima) arte nada fica livre de reinterpretações.

Dica de Música: "All is full of love" (Bjork)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Miopia

Já assistiu a um filme que, em seu fim, você é tomado por um sentimento de inadequação? Não auto-inadequação, mas sim do filme que acabou de assistir? Pois foi essa a minha sensação durante quase toda a projeção do esperado filme “Budapeste” de Walter Carvalho, baseado no livro homônimo de Chico Buarque.
Já tinha lido o livro há algum tempo. Aliás, esse livro foi minha estréia na prosa personalista de Chico Buarque e confesso que não fui, assim por dizer, plenamente seduzido. Creio que deva ter tido algum ruído nessa minha conexão com ele. Não contesto a qualidade da história – Chico mostra-se extremamente sensível ao tratar da solidão acompanhada de um homem – mas algo ali não me pegou, não me persuadiu por inteiro. Por isso, já imaginava que uma transposição para o cinema seria difícil, ainda que esperasse que na telona a história ganhasse nova dimensão (não é essa a idéia?) e simpatia de minha parte. Carvalho, que é um renomado diretor de fotografia, fez uma adaptação, esteticamente esplêndida, onde parece ter tratado das belas imagens, tanto do Rio quanto da tal Budapeste, com um esmero cirúrgico. Mas ao optar por uma fidelidade irrestrita a estrutura original, transformou seu filme num recorte frio da trama do livro. A (incômoda) impressão é de que o universo criado no livro não encontrou adequação no cinema, e nem evoluiu para uma sinergia própria (já que defendo a independência das adaptações a cada gênero, mas quando nem isso ocorre o ideário da matriz sempre se fará mais forte). Na adaptação anterior de um livro de Chico “Benjamim”, a diretora Monique Gardenberg fez um filme irregular, mas dentro de um universo impetrado por ela.
Apesar de trabalhar com um elenco muito bom – Leonardo Medeiros sempre funciona e Giovana Antonelli é sublime – o filme se ressente de uma personalidade que o atribua vida. E não culpo aqui o fato do filme trabalhar sobra a ótica da metalinguagem, afinal, Michel Gondry alia muito bem essa retórica em seus filmes, mas é inegável que a cada fotograma dos conflitos de “Kósta” na trama sentimos a falta de consistência daquilo que se ambiciona. Walter Carvalho é um diretor experiente e seu trabalho fotográfico é impressionante (“Abril despedaçado e ”Lavoura arcaica” são referências definitivas), porém, na complexidade de uma direção, essa genialidade ainda promete mais do cumpre.
Dica de Música: "Eu só sei amar assim" (Zizi Possi)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

One!

Creio que tudo já foi dito sobre esse assunto. Eu, que sou fã desde sempre, lamento essa perda com uma frase belíssima de Fernando Pessoa:
"Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada"



Dica de Música: "Remember time" (dele)

A volta da bela e a fera

Assisti a dois filmes que marcaram o retorno de dois grandes nomes do cinema hollywoodiano: o premiado “O lutador”, que redescobriu o outrora badalado ator oitentista Mickey Rourke, e o esperado “Duplicidade”, causador do fim da eterna licença maternidade da atriz Julia Roberts. Dirigido por Darren Aronofsky, “O lutador”, que venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza, é um filme que vem na vertente da cinematografia americana – principalmente a independente – de criticar o ideário cívico de seu próprio país. Não à toa a bandeira dos EUA é recorrente nas cenas do filme. A trama acompanha a história de Randy “Carneiro”, que vive de lutas em torneios do tipo e pequenos bicos. Após um desses combates, sofre um enfarto e fica sabendo de sua impossibilidade de continuar a lutar. É quando começa um processo de revisão de sua vida, vendo-se pressionado a voltar para os ringues. Darren, que começou a carreira com o elogiado “Pi” e decepcionou com seu último trabalho, o incompreensível “A fonte da vida’’, apresenta um filme de surpreendente simplicidade narrativa. Na verdade o grande destaque do longa, além da irretocável atuação de Mickey Rourke, é o eficiente tratado sobre os valores de um indivíduo contrastando com seu meio, que no seu caso, é um tanto idealizado, principalmente pelo cinema. A narrativa não expõe o personagem pelo pessimismo, mas o juízo de valor assimilado, revela o drama interno que justifica a solidão com que Randy guia sua trajetória de vida expressa na tela. A sinceridade da trama respaldou muito da performance de Rourke e justificou (honrosamente, devo dizer) sua premiação no Globo de Ouro e indicação ao Oscar de melhor ator. Outra volta esperada era a da estrela Julia Roberts. A atriz, uma das poucas que alia seu talento ao status de ícone, protagoniza, ao lado de Clive Owen, o filme “Duplicidade”, de Tony Gilroy. O filme é bem simpático, contando a clássica história de dois espiões industriais que se envolvem em intrigas profissionais e, claro, amorosas. Mas Gilroy, a mente por trás dos excelentes roteiros da trilogia Bourne, repete aqui os mesmos erros de seu filme anterior, o bom “Conduta de risco”. Filme de estréia dele como diretor, “Conduta de risco” foi bem badalado, já que conseguiu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro e filme, mas narrativamente o filme tem o pecado de querer engenhosidade excessiva em sua condução. Em “Duplicidade” esse maneirismo foi mantido a risca e enfraquece a trama. Julia E Owen repetem a interessante química, já vista na obra-prima “Closer”. Os embates entre os dois, auxiliados por diálogos bem azeitados, são o que há de melhor no filme. Mas a opção do diretor em fornecer numerosas reviravoltas, como que para manter o interesse do espectador soa forçada e cansativa. Talvez seja reflexo impulsivo por serem seus primeiros filmes, entretanto, é um filme espirituoso e com um final satisfatório. Julia e Mickey retornam em grande estilo, até porque, independente do veículo, seus talentos ainda surpreendem.
Dica de Música: "If I Ain't Got You" (Alicia Keys)